SUPERMERCADOS SERÃO TAMBÉM SANTIFICADOS POR CONTA DE CESTINHAS BÁSICAS?
Figuras religiosas que nem eram brilhantes assim e, no íntimo, escondiam pessoas retrógradas, ranzinzas, rabugentas e reacionárias, são endeusadas por muitos. Algo como Jair Bolsonaro e a Regina Duarte de hoje querendo soar como arremedos de Júlio Lancelotti e Irmã Dulce, visando assediar e iludir a opinião pública, arrancando comoções dos incautos, como as tais "masturbações pelos olhos" da comoção fácil às custas da imagem mística do "sofredor que perde tudo e fica só com a fé em Deus".
Depois de tantos acertos, a atriz Maitê Proença cometeu um erro de, ao listar os brasileiros que mereceriam o Prêmio Nobel da Paz, incluir, ao lado de vários intelectuais realmente merecedores, o famigerado "médium da peruca" que, em 1981, teve campanha para ser indicado à premiação por conta de uma suposta caridade, que ninguém viu e da qual não existem provas, mas que boa parte dos brasileiros defende como se fosse uma "verdade absoluta".
Lembremos que essa indicação não faz uma personalidade, em si, brilhante ou humanitária, até porque, dependendo do grupo social solidário a certas personalidades, até tiranos já foram indicados para o Nobel, como Adolf Hitler, em 1938. Sim, é estarrecedor e abominável, mas isso ocorreu. Mussolini também foi indicado para a premiação. Nos últimos tempos, Donald Trump, símbolo do reacionarismo estadunidense, também teve seu nome sugerido para o prêmio.
Na verdade, as ditas "indicações" são sugestões. Não se trata das verdadeiras indicações, que ocorrem entre concorrentes oficiais a uma premiação. O que muito se diz de "indicações" são meras sugestões que foram alardeadas, mas não passam de "pedidos". Até Michael Jackson e a Banda Calypso, do ex-casal Joelma e Chimbinha, tiveram seus nomes solicitados para o prêmio. Isso em nada enobrece, são apenas indicações, e no caso dos tiranos nazi-fascistas, só envergonha e entristece, e muito.
Quanto ao "médium da peruca" de Uberaba, ele nunca fez caridade de verdade, pois ela, composta de donativos e cartinhas fake, era tão fajuta quanto a de Luciano Huck na televisão, era um pioneiro na literatura fake, uma farsa que o próprio mercado literário "sério" deixa passar impunemente, com a tal federação "espírita" sempre tendo um estande ostensivo e pomposo nas principais feiras de livros do Brasil.
O que o "médium" fez com Humberto de Campos nenhum inimigo mortal faria com seu desafeto. Uma usurpação que soa como uma vingança, pois, quando era vivo, Humberto fez uma resenha ironizando o "livro do párnaso", de pastiches de poesia romântica ou simbolista lançado em 1932 como um dos marcos da literatura fake, um monte de fake news de 90 anos atrás (!) prometendo a paz mundial e a elevação do Brasil como "nação-líder do mundo". E isso acompanhado de uma religiosidade medieval, moralista e punitivista.
Muitos ficam assustados diante de tais verdades. Duvidam que o tal "médium" era um reacionário incurável, defendeu a ditadura militar, fez literatura fake - nos trazendo, por exemplo, um "Olavo Bilac" sem o talento de métrica poética peculiar e uma "Auta de Souza" sem seu estilo docemente feminino - , e sobre si pesa a morte suspeita de um sobrinho chamado Amauri, coisa muitíssimo mais grave que o caso Flordelis.
E, além disso, o "bondoso médium" blindou ilusionistas da falsa materialização e acobertou ninguém menos que o farsante João de Deus, lhe oferecendo uma "casa de caridade" em Abadiânia, Goiás (situada a meia-hora, por carro, de Uberaba) como "escudo" para as denúncias de charlatanismo, suspeitas de assassinato e assédio sexual e desvio de dinheiro da caridade para o patrimônio pessoal. Sim, o "médium da peruca", o "lápis de Deus", era protetor dos farsantes, até porque era outro.
E aí as pessoas, desmentindo a ideia de que estão "serenos e elevados" ao adorarem o tal "médium", reagem feito feras hidrófobas, nos fazem pensar como é que há progressistas cortejando o Espiritismo brasileiro, esse Catolicismo medieval de botox, capaz de culpabilizar a vítima pela desgraça sofrida. O Espiritismo brasileiro é consagrado pela suposta ausência do raivismo típico dos "neopenteques", mas quando despeja hidrofobia, a coisa é da pesada.
E ainda inventam que o "médium da peruca" teria sido apoiador de Lula entre 1994 e 2002, mesmo com Leonel Brizola como vice numa das campanhas. Uma tese que precisa ser desmentida pelos fatos, pois não há prova alguma e nem um pingo de fundamento de que o tal "médium", que sempre foi ultraconservador (eu pude conhecer as ideias dele, quando eu era "espírita"), teria sido esquerdista. O sujeito era de direita, sua formação familiar e religiosa comprovava esse nível ideológico. O "lápis de Deus" de Uberaba, mesmo com reservas, seria um fiel apoiador de Jair Bolsonaro.
A "caridade" que tanto falam dele se limitou a conceder meros donativos que não vieram das mãos do religioso. Como muita gente é trouxa! É o cidadão comum que oferece os donativos, o religioso apenas "redistribui", e fica com a fama com isso. As formigas doam alguns bens e a cigarra é santificada por isso.
Supermercados despejam produtos encalhados, incluindo alimentos não-perecíveis de marcas ruins, em sacos e carrinhos para supostas ações filantrópicas. Será que esses estabelecimentos comerciais também terão o Céu a seus pés, por conta dessa ação meramente marqueteira?
Do mesmo modo que a pessoa não faz a sua tatuagem, mas uma outra pessoa, mesmo um outro homem que, para tatuar uma mulher, precisa tocar no corpo dela, o "médium", ou as madres albanesas, ou qualquer paternalista religioso ultraconservador não fazem caridade. A "caridade" que tanto comove multidões é feita por terceiros, muitas lágrimas são despejadas por nada.
Nada sai da mão do religioso e nem ele pensa em melhoria de vida real da população, até porque o sofrimento é matéria-prima para o oportunismo filantrópico das religiões. É a mesma lógica da "indústria da seca", da manutenção do semi-árido para alimentar promessas de políticos demagogos que nada fazem para combater a seca, senão usar tal promessa para atrair votos.
E, no caso do "médium" em seu tempo, é mais vergonhoso ver uma fileira de mulheres humildes, deprimidas e submissas, fazerem fila para a cerimônia do beija-mão do arrogante religioso de Uberaba, que com sua peruca e seus óculos escuros, escondia uma presunção de ídolo religioso com a mesma pose de pretensa superioridade de uma Cássia Kis na fase "bolsomina" de hoje.
O "filantropo" nada faz, e mesmo quando se oferece para redistribuir os bens dos outros, é visando a autopromoção, como pessoa ou como instituição, no caso a entidade religiosa da qual faz parte. Temos que usar o cérebro e não o coração, pois, paciência, o coração é apenas um músculo que faz o organismo funcionar, mas é o cérebro que regula a capacidade de raciocinar.
Daí que o Brasil sucumbiu a um viralatismo cultural que, no âmbito religioso, exagera na dose da fé mística a níveis de pieguice constrangedora, das mais cafonas e ridículas. Viralatismo não é Silas Malafaia perdendo a cabeça num podicaste. Viralatismo é foto de "médium" mesclada com céu azul, com aquelas horrorosas mensagens do tipo "sofrer é tão bonito", num meme dotado da mais gosmenta pieguice.
Nesse maniqueísmo entre o raivismo e a positividade tóxica, o fígado do raivismo e o coração da positividade tóxica movem a atual polarização ideológica que fez as esquerdas médias se esvaziarem, como ideologias de esquerda, engolindo feito avestruzes qualquer valor conservador que estiver dissociado da raiva e da aparente intolerância. Esse horizonte ideológico é ótimo para oportunistas religiosos se promoverem com a caridade dos outros, que já é uma caridade paliativa, que não traz transformação social alguma e mantém as desigualdades sociais como estão.
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