Pular para o conteúdo principal

AUTOCRÍTICA É PARA TODOS


É doloroso ter autocrítica. É como vasculhar um porão cheio de poeira, insetos e alguma podridão.

É pôr o nosso orgulho em risco, é revisitar erros que geraram traumas, vergonhas, tristezas. É lembrar do lado incômodo de nós mesmos.

Eu procuro ter autocrítica em meus problemas pessoais. Quando erro, procuro ficar em paz com meus erros, avaliá-los e procurar evitar repeti-los.

Recentemente, vemos o caso da nova âncora do programa de entrevistas Roda Viva, Vera Magalhães, que agora faz duras críticas ao governo Jair Bolsonaro.

Vera é integrante da imprensa conservadora que defendeu o golpe contra Dilma Rousseff em 2016.

Tem passagem na Folha de São Paulo, foi uma das "meninas do Jô", o grupo de jornalistas reacionárias que fazia comentários no hoje extinto Programa do Jô, do humorista Jô Soares.

Atualmente ela está no Estadão e na Jovem Pan. E ganhou o cargo de âncora do Roda Viva.

Mas ela não adotou uma postura autocrítica. Apenas mudou de posição, como quem troca de roupa.

Vera hoje critica o governo Jair Bolsonaro, mas preferiu defendê-lo quando o jornalista Jean Wyllys, ex-deputado federal pelo PSOL, cuspiu no então colega do Legislativo.

"Jean Wyllys, defensor das diferenças, cuspiu em Bolsonaro. O autoritário Bolsonaro não revidou. E aí? O mundo não é binário", escreveu Vera no Twitter, em 17 de abril de 2016.

Há muita gente sem autocrítica.

Na direita, uma brilhante exceção é o exemplo de Alexandre Frota que, sem passar a ser progressista, pelo menos admite com firmeza que se desiludiu ao seguir o bolsonarismo.

Mas fora ele, o roqueiro Lobão e alguns outros esclarecidos na direita, não há autocrítica. Todos apenas ocultam Michel Temer e Eduardo Cunha, entre outros golpistas, como se nunca tivessem existido ou, se for este caso, eram apenas corruptos desprezíveis.

Nem mesmo os malabarismos discursivos de gente como Luciano Huck conseguem apresentar uma autocrítica de verdade.

Como também não há uma autocrítica, na Bahia, de um Mário Kertèsz que, de político corrupto, virou dublê de radiojornalista e barão da mídia regional, num arranjo explicitamente arrivista.

Como também não há uma autocrítica de um Pedro Alexandre Sanches, que, de aluno-modelo de Otávio Frias Filho, virou um aventureiro midiático a passear, talvez por promoção pessoal, pelas redações da imprensa esquerdista.

Aliás, nas esquerdas também existe uma falta de autocrítica.

Exceções, claro, são Dilma Rousseff e Lula, que admitem erros em seus governos, como algumas medidas tomadas e as alianças políticas com políticos conservadores (e corruptos).

Também temos que reconhecer as autocríticas que a presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, também expressa em nome dos petistas em geral.

Todavia, as esquerdas teimam em muitas posturas. Como a de manter, mesmo secretamente, os referenciais de centro-direita nos quais continuam acreditando.

Acham que Cabo Anselmo só existiu um, e não pode haver outros similares, mas em diferentes contextos.

Se recusam a admitir, por exemplo, que a Furacão 2000 fez um "Cavalo de Troia" (ou uma "Eguinha Pocotó de Troia") no "baile funk" de 17 de abril de 2016, em Copacabana.

Com exclusividade, este blogue revelou que Rômulo Costa estava no lado dos golpistas.

Os "brinquedos" culturais da centro-direita continuam no armário. Os esquerdistas se recusam a dizer que se desiludiram ou foram enganados por eles.

Ficam em silêncio, como se engolissem seco as críticas, mas sem abrir mão das convicções erradas.

Foram informados que o "médium espírita" de Minas Gerais defendeu sem o menor escrúpulo a ditadura militar e tinha horror a esquerdistas, de Jango a Lula?

Preferem os esquerdistas ficarem no pensamento desejoso e nas desculpas rodopiantes para relativizar o conservadorismo do "médium", que sempre foi um reacionário, com reflexos na sua obra doutrinária.

Foram informados de que o dono da Furacão 2000, Rômulo Costa, é um aliado dos golpistas, tendo enganado as esquerdas com aquele "baile funk" de Copacabana?

Ficam elaborando teorias para negar o óbvio, mesmo quando Rômulo depois ia festejar ao lado de políticos da direita anti-Dilma do Rio de Janeiro.

As esquerdas ficam também em silêncio. Não basta somente se desiludirem com Roberto Carlos ou não se sentirem iludidos com Luciano Huck e Tábata Amaral.

Se ídolos musicais, religiosos e esportivos associados à mídia venal, mas ingenuamente cortejado pelas forças progressistas, se revelam comprovadamente conservadores, a ideia é as esquerdas pedirem desculpas e falarem "Sim, nós nos enganamos".

"Eu acreditei no 'médium' até me informarem que ele era ferrenho opositor do senso crítico e suas ideias se encaixam mais em pautas golpistas, em que pese a imagem que ele goza em torno de suposta caridade e paz", deveriam dizer os esquerdistas.

Ou então: "Acreditávamos que o 'funk' iria trazer a revolução bolivariana para o Brasil, quando nos esquecemos que o ritmo sempre foi a menina dos olhos da Rede Globo, e aí nos esquecemos daquele famoso conselho de Leonel Brizola".

Deveriam haver autocríticas da direita e da esquerda.

A direita bem que poderia dizer: "Apoiamos a derrubada de Dilma Rousseff e pusemos toda nossa fé em Michel Temer, mas vimos que seu governo nunca trouxe um benefício digno ao país".

Ou então: "Sim, defendemos Jair Bolsonaro porque acreditávamos que seu tipo histriônico era encenação, que ele seria um estadista sério em favor do livre mercado e da democracia, mas nos decepcionamos".

Não dá para botar os erros sob o tapete, à direita ou à esquerda.

Não dá para renegar as frustrações, usar o pensamento desejoso para absolver o comprovadamente traidor de qualquer cilada.

A hora é de lavar roupa suja em todo o Brasil, por mais que verdadeiros lodos se revelem escondidos nos tecidos.

Sem autocrítica, não se terá a humildade necessária para tirar o Brasil da crise. E todos os erros, de direitistas e de esquerdistas, serão repetidos pela recusa em admitir a gravidade dos mesmos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BRASIL TÓXICO

O Brasil vive um momento tóxico, em que uma elite relativamente flexível, a elite do bom atraso - na verdade, a mesma elite do atraso ressignificada para o contexto "democrático" atual - , se acha dona de tudo, seja do mundo, da verdade, do povo pobre, do bom senso, do futuro, da espécie humana e até do dinheiro público para financiar seus trabalhos e liberar suas granas pessoais para a diversão. Controlando as narrativas que têm que ser aceitas como a "verdade indiscutível", pouco importando os fatos e a realidade, essa elite brasileira que se acha "a espécie humana por excelência", a "classe social mais legal do planeta", se diz "defensora da liberdade e do humanismo" mas age como se fosse radicalmente contra isso. Embora essa elite, hoje, se acha "tão democrática" que pretende reeleger Lula, de preferência, por dez vezes seguidas, pouco importando as restrições previstas pela Constituição Federal, sob o pretexto de que some

A GAFE MUNDIAL DE GUILHERME FIÚZA

Há praticamente dez anos morreu Bussunda, um dos mais talentosos humoristas do país. Mas seu biógrafo, Guilherme Fiúza, passou a atrair as gargalhadas que antes eram dadas ao falecido membro do Casseta & Planeta. Fiúza é membro-fundador do Instituto Millenium, junto com Pedro Bial, Rodrigo Constantino, Gustavo Franco e companhia. Gustavo Franco, com sua pinta de falso nerd (a turma do "cervejão-ão-ão" iria adorar), é uma espécie de "padrinho" de Guilherme Fiúza. O valente Fiúza foi namorado da socialite Narcisa Tamborindeguy, que foi mulher de um empresário do grupo Gerdau, Caco Gerdau Johannpeter. Não por acaso, o grupo Gerdau patrocina o Instituto Millenium. Guilherme Fiúza escreveu um texto na sua coluna da revista Época em que lançou uma tese debiloide. A de que o New York Times é um jornal patrocinado pelo PT. Nossa, que imaginação possuem os reaças da nossa mídia, que põem seus cérebros a serviço de seus umbigos! Imagine, um jornal bas

POR QUE A GERAÇÃO NASCIDA NOS ANOS 1950 NO BRASIL É CONSIDERADA "PERDIDA"?

CRIANÇA NASCIDA NOS ANOS 1950 SE INTROMETENDO NA CONVERSA DOS PAIS. Lendo as notícias acerca do casal Bianca Rinaldi e Eduardo Menga, este com 70 anos, ou seja, nascido em 1954, e observando também os setentões com quem telefono no meu trabalho de telemarketing , meu atual emprego, fico refletindo sobre quem nasceu nos anos 1950 no Brasil. Da parte dos bem de vida, o empresário Eduardo Menga havia sido, há 20 anos, um daqueles "coroas" que apareciam na revista Caras junto a esposas lindas e mais jovens, a exemplo de outros como Almir Ghiaroni, Malcolm Montgomery, Walter Mundell e Roberto Justus. Eles eram os antigos "mauricinhos" dos anos 1970 que simbolizavam a "nata" dos que nasceram nos anos 1950 e que, nos tempos do "milagre brasileiro", eram instruídos a apenas correr atrás do "bom dinheiro", como a própria ditadura militar recomendava aos jovens da época: usar os estudos superiores apenas como meio de buscar um status profissional

ADORAÇÃO AO FUTEBOL É UM FENÔMENO CUJO MENOS BENEFICIADO É O TORCEDOR

Sabe-se que soa divertido, em muitos ambientes de trabalho, conversar sobre futebol, interagir até com o patrão, combinando um encontro em algum restaurante de rua ou algum bar bastante badalado para assistir a um dito "clássico" do futebol brasileiro durante a tarde de domingo. Sabe-se que isso agrega socialmente, distrai a população e o futebol se torna um assunto para se falar para quem vive de falta de assunto. Mas vamos combinar que o futebol, apesar desse clima de alegria, é um dos símbolos de paixões tóxicas que contaminam o Brasil, e cujo fanatismo supera até mesmo o fanatismo que já existe e se torna violento em países como Argentina, Inglaterra, França e Itália. Mesmo o Uruguai, que não costuma ter essa fama, contou com a "contribuição" violenta dos torcedores do Peñarol, que no Rio de Janeiro causaram confusão, vandalismo e saques, assustando os moradores. A toxicidade do futebol é tamanha que o esporte é uma verdadeira usina de super-ricos, com dirigente

"BALADA": UMA GÍRIA CAFONA QUE NÃO ACEITA SUA TRANSITORIEDADE

A gíria "balada" é, de longe, a pior de todas que foram criadas na língua portuguesa e que tem a aberrante condição de ter seu próprio esquema de marketing . É a gíria da Faria Lima, da Jovem Pan, de Luciano Huck, mas se impõe como a gíria do Terceiro Reich. É uma gíria arrogante, que não aceita o caráter transitório e grupal das gírias. Uma gíria voltada à dance music , a jovens riquinhos da Zona Sul paulistana e confinada nos anos 1990. Uma gíria cafona, portanto, que já deveria ter caído em desuso há mais de 20 anos e que é falada quase que cuspindo na cara de outrem. Para piorar, é uma gíria ligada ao consumo de drogas, pois "balada" se refere a um rodízio de ecstasy, a droga alucinógena da virada dos anos 1980 para os 1990. Ecstasy é uma pílula, ou seja, é a tal "bala" na linguagem coloquial da "gente bonita" de Pinheiros e Jardins que frequentava as festas noturnas da Zona Sul de São Paulo.  A gíria "balada", originalmente, era o

BRASIL TERRIVELMENTE DOENTE

EMÍLIO SURITA FAZENDO COMENTÁRIOS HOMOFÓBICOS E JOVENS GRITANDO E SE EMBRIAGANDO DE MADRUGADA, PERTURBANDO A VIZINHANÇA. A turma do boicote, que não suporta ver textos questionadores e, mesmo em relação a textos jornalísticos, espera que se conte, em vez de fatos verídicos, estórias da Cinderela - é sério, tem muita gente assim - , não aceita que nosso Brasil esteja em crise e ainda vem com esse papo de "primeiro a gente vira Primeiro Mundo, depois a gente conversa". Vemos que o nosso Brasil está muito doente. Depois da pandemia da Covid-19, temos agora a pandemia do egoísmo, com pessoas cheias de grana consumindo que em animais afoitos, e que, nos dois planos ideológicos, a direita reacionária e a esquerda festiva, há exemplos de pura sociopatia, péssimos exemplos que ofendem e constrangem quem pensa num país com um mínimo de dignidade humana possível. Dias atrás, o radialista e apresentador do programa Pânico da Jovem Pan, Emílio Surita, fez uma atrocidade, ao investir numa

A LUTA CONTRA A ESCALA 6X1

Devemos admitir que uma parcela das esquerdas identitárias, pelo menos da parte da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), se preocupa com as pautas trabalhistas, num contexto em que grande parte das chamadas "esquerdas médias" (nome que eu defino como esquerdismo mainstream ) passam pano no legado da "Ponte para o Futuro" de Michel Temer, restringindo a oposição ao golpe de 2016 a um derivado, o circo do "fascismo-pastelão" de Jair Bolsonaro. Os protestos contra a escala 6x1, que determina uma jornada de trabalho de seis dias por semana e um de descanso, ocorreram em várias capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre, e tiveram uma repercussão dividida, mesmo dentro das esquerdas e da direita moderada. Os protestos foram realizados pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT). A escala 6x1, junto ao salário 100% comissionado de profissões como corretor de imóveis - que transformam a remuneração em algo tão

DERROTA DAS ESQUERDAS É O GRITO DOS EXCLUÍDOS ABANDONADOS POR LULA

POPULAÇÃO DE RUA MOSTRA O LADO OBSCURO DO BRASIL QUE NÃO APARECE NA FESTA IDENTITÁRIA DO LULISMO. A derrota das esquerdas nas recentes eleições para prefeitos em todo o Brasil está sendo abastada pelas esquerdas médias, que agora tentam investir nos mesmos apelos de sempre, os "relatórios" que mostram supostos "recordes históricos" do governo Lula e, também, supostas pesquisas de opinião alegando 60% de aprovação do atual presidente da República. Por sorte, a burguesia de chinelos que apoia Lula tenta convencer, através de sua canastrice ideológica expressa nas redes sociais, de que, só porque tem dinheiro e conseguem lacrar na Internet, está sempre com a razão, e tudo que não corresponder à sua atrofiada visão de mundo não tem sentido. A realidade não importa, os fatos não têm valor, e a visão realista do cotidiano nas ruas vale muito menos do que as narrativas distorcidas compartilhadas nas redes sociais. Por isso, não faz sentido Lula ter 60% de aprovação conform

SUPERESTIMADO, MICHAEL JACKSON É ALVO DE 'FAKE NEWS' NO BRASIL

  O falecido cantor Michael Jackson é um ídolo superestimado no Brasil, quando sabemos que, no seu país de origem, o chamado "Rei do Pop" passou as últimas duas décadas de vida como subcelebridade, só sendo considerado "gênio" pelo viralatismo cultural vigente no nosso país. A supervalorização de Michael no Brasil - comparado, no plano humorístico, ao que se vê no seriado mexicano  Chaves  - chega aos níveis constrangedores de exaltar um repertório que, na verdade, é cheio de altos e baixos e nem de longe representou algo revolucionário ou transformador na música contemporânea. Na verdade, Michael foi um complexado que, por seus traumas familiares, teve vergonha de ser negro, injetando remédios que fragilizaram sua pele e seu organismo, daí ter abreviado sua vida em 2009. E forçou muito a barra em querer ser roqueiro, com resultados igualmente supervalorizados, mas que, observando com muita atenção, soam bastante medíocres, burocráticos e sem conhecimento de causa.

SOCIEDADE COMEÇA A SE PREOCUPAR COM A "SERVIDÃO DIGITAL" DOS ALUNOS

No último fim de semana, a professora e filósofa Marilena Chauí comparou o telefone celular a um objeto de servidão, fazendo um contundente comentário a respeito do vício das pessoas verem as redes sociais. Ela comparou a hiperconectividade a um mecanismo de controle, dentro de um processo perigoso de formação da subjetividade na era digital, marcada pela necessidade de "ser visto" pelos outros internautas, o que constantemente leva a frustrações que geram narcisismos, depressão e suicídios. A dependência do reconhecimento externo faz com que as redes sociais encontrem no Brasil um ambiente propício dessa servidão digital, que já ocorria desde os tempos do Orkut, em 2005, onde havia até mesmo os "tribunais de Internet", processos de humilhação de quem discorda do que "está na moda". Noto essa obsessão das pessoas em brincarem de serem famosas. Há uma paranoia de publicar coisas no Instagram. Eu tenho um perfil "clandestino" no Instagram, no qual