Existe um tipo de indivíduo terrível, chamado "isentão".
Define-se como "isentão" aquela pessoa que se gaba em ter uma visão que julga ser objetiva e imparcial, e, por isso, apresenta sempre uma visão neutra da realidade.
O isentão é um sujeito que sempre fica no meio do muro. Não só nega ser de esquerda e de direita, como também se acha sem paixões, sem ilusões, sem raivas, sem indignação.
É aquele sub-intelectual de Internet que rapidamente reage diante de um texto com um senso crítico mais afiado.
Quando o texto vai contra valores estabelecidos, ele é o primeiro a responder, com seu pedantismo e sua preocupação em ficar, se não com a verdade (o isentão não se acha "dono da verdade"), mas pelo menos com a palavra final para tudo.
Ele vem com frases do tipo "Eu até compreendo os pontos de vista de você, mas acho que em outros pontos você está equivocado".
"Equivocado" é um eufemismo para "estar em desacordo com a visão dominante sobre alguma coisa".
O isentão é aquele que acha que um casamento falido tem que ser mantido porque nenhum casamento é um "conto de fadas".
O isentão tem seu paraíso astral: os cursos de pós-graduação nas universidades brasileiras, que criminalizam o senso crítico que consideram "por demais opinativo".
O horror ao senso crítico pelas bancadas acadêmicas é tal que, se Umberto Eco e Jean Baudrillard tivessem nascido no Brasil e vivessem hoje, eles mal conseguiriam um suado diploma de Bacharelado ou Licenciatura nas universidades.
Intelectuais assim seriam barrados nos cursos de pós-graduação. Suas abordagens são vistas, aqui, como "opinativas demais".
Aqui o que domina são as teses acadêmicas inofensivas, inócuas, ainda que estéreis.
Elas se servem de uma cosmética "científica" e "objetiva", caprichando na organização de palavras para os temas parecerem "os mais imparciais" possíveis.
Os trabalhos de pós-graduação têm que ser bastante isentões. Os orientadores não querem que os orientandos saiam por aí questionando tudo e todos.
Até as piores fenomenologias precisam ser apreciadas de forma meramente descritiva, mais como patrimônios fenomenológicos do que como problemáticas. Afinal, nas universidades, as problemáticas são desproblematizadas.
Daí que existe um roteiro padrão, num padrão bem isentão, de monografia.
Na Introdução, a pessoa tenta justificar como escolheu o seu trabalho. É um monte de explicação cansativa, além de bajulações àqueles que o ajudaram a fazer esse trabalho "imparcial".
No Desenvolvimento, a pessoa confronta teses opostas sobre um dado assunto, mas tudo meramente descritivo, como se fosse uma apresentação distanciada dos pontos de vista diferentes.
Na Conclusão, quando era para o pós-graduando ter alguma posição, algum ponto de vista sobre o tema escolhido, ele se limita apenas a encher linguiça e deixar a problemática como está, apenas revendo as argumentações expostas na etapa anterior.
Qual o resultado dessas teses acadêmicas? Uma alegria e um orgulho do professor orientador, das bancas acadêmicas, do colegiado de pós-graduação.
As exposições são corretas e aplaudidas, e o pós-graduando vive seus quinze minutos de fama com um trabalho que faz o gosto do corpo docente de pós-graduação.
Mas como é um trabalho insosso e inócuo, com abordagem puramente acrítica e feita a serviço do establishment fenomenológico, esse trabalho se destina ao esquecimento, nas estantes de pós-graduação perdidas nas bibliotecas.
Esses trabalhos tornam-se estéreis, porque se recusam a interferir na realidade, por considerar isso "opinativo demais" e "em desacordo com os princípios da objetividade científica".
Isso é como ser isentão no ensino superior e isso mostra o tom que é essa imparcialidade de plástico.
E isso mostra o quanto o isentão não é outra coisa senão MEDÍOCRE.
Afinal, a mediocridade é o meio-meio, "não sendo bom mas também não sendo ruim demais", o que é praticamente o mesmo de ser isento, preferindo a zona de conforto de ficar em cima do muro.
Só que, como os isentões vivem para deixar tudo como está e pedem para a gente aceitar os problemas, eles, com sua mediocridade intelectual de pretensos imparciais, acabam demonstrando ser bastante conservadores.
Eles têm apenas o verniz "moderno" da pretensa intelectualidade, caprichando nos textos "objetivos" que escrevem nas redes sociais.
Conformados com os problemas graves na humanidade, eles preferem deixar tudo como está, porque combater os problemas soa "opinativo demais", "extremamente subjetivo" e "exageradamente conflituoso".
Daí que os isentões se tornam insuportáveis na medida em que persistem na sua pretensa imparcialidade, como supostos intelectuais de Internet.
Medíocres, os isentões não se consideram "intelectuais", mas se esforçam em parecer "inteligentes" e "sensatos" no mundo virtual das redes sociais. Mas, no fundo, eles não passam de pessoas inseguras e ignorantes que tentam impressionar os outros com seu terrível pedantismo neutralista.
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