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SE SURGISSE HOJE, LEGIÃO URBANA SERIA REJEITADA PELA RÁDIO CIDADE


A canastrice das rádios Cidade (RJ) e 89 FM (SP) no segmento rock é evidente, embora muita gente faça vista grossa com isso.

Lembrando do fato de que, no primeiro trimestre deste ano, celebram-se 35 anos da divulgação do primeiro álbum da Legião Urbana, com título homõnimo à banda, disco lançado em dezembro de 1984, podemos usá-la como exemplo.

Sabe-se que o disco fez muito sucesso, embora a Legião Urbana seja, na verdade, um grupo considerado muito difícil para o gosto médio dos jovens convencionais, mesmo os roqueiros.

Sabe-se, por exemplo, que "Ainda é Cedo" tem um arranjo de baixo inspirado em "Transmission", do Joy Division, e num trecho tem um acorde "roubado" de "Another Time, Another Place", de um U2 muito distante da mega banda que existe atualmente.

A Legião Urbana também assumia influências de Gang of Four. No fim da vida, Renato Russo afirmou que estava ouvindo muito a banda Ride, subestimada e genial banda de Oxford.

Com letras bastante críticas, a Legião Urbana, se tivesse surgido hoje, não passaria na avaliação dos radialistas pop que conduzem as programações "roqueiras" da Rádio Cidade e 89 FM.

Enfatizando o caso da Rádio Cidade, por eu viver no Estado do Rio de Janeiro, o julgamento de valor dos locutores seria evidente, e imagino um locutor com voz macia tipo "Emílio Surita escondido numa jaqueta de motoqueiro", comentando da seguinte forma.

"Seu disco é demais", diz, mentindo, o radialista, que detestou o disco, mas sendo um disco de rock, está proibido de manifestar sua aversão, em nome do "profissionalismo".

No entanto, o locutor continua, com sua voz de maricas:

"Mas o problema é que é um álbum difícil, as letras são muito duras, os acordes muito esquisitos. É porque esse disco dificilmente vai fazer sucesso, falou? Um produto assim é uma bomba para o mercado, para o público".

O locutor, com seu juízo de valor, diria em seguida:

"Seria melhor que vocês refizessem o disco, com letras mais leves e melodias mais acessíveis. Tem que tirar essa temática dura de 'O Reggae', esse papo de 'meu primeiro contato com as grades' que alude ao banditismo, e limar a letra de 'A Dança', criticando uma parcela da juventude".

E aí, o locutor termina, dizendo:

"Façam letras mais positivas, ou, quando criticarem, façam a coisa mais abstrata possível, para que ninguém saiba que foi endereçado a alguém ou alguma coisa. E façam refrões melhores, melodias mais assobiáveis, mesmo dentro da crueza do rock. Aí a gente pode tocar o disco".

Lembremos que, com todo o falso alternativismo da atual fase "roqueira" da Rádio Cidade, há a discriminação aos discos independentes, porque o que essas "rádios rock" tocam não é mais do que os "grandes sucessos" e as "músicas de trabalho" das grandes gravadoras.

Mesmo os supostos selos "independentes" que fornecem material para essas rádios haviam sido, na verdade, subdivisões não-assumidas das grandes gravadoras. A Radical Records, por exemplo, era um sub-selo da antiga EMI.

Baratos Afins? Devil Discos? Midsummer Madness? Cogumelo Discos? Wop Bop Discos? Esqueçam!

Em que pese a diferença leve de formatos da Cidade e 89, a primeira soando como um arremedo ruim da Fluminense FM, a segunda uma versão besteirol da Brasil 2000, é bem provável que as duas emissoras rejeitassem a Legião Urbana, se ela tivesse surgido hoje.

"Bem provável" é apelido. Diga-se "com certeza", mesmo.

Afinal, em que pese a pose de "radicais" das duas emissoras, o que elas querem é rock comportadinho, com gente fazendo cara de mau, mas fazendo som inofensivo e comercialmente acessível. Não podemos fingir que essa realidade inexiste, porque ela salta aos olhos.

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