Existe a estorinha do garoto que atira uma pedra contra o vidro de uma casa vizinha e foge. Chega um outro garoto chega e é responsabilizado e punido.
Este outro garoto é retirado do lugar. O garoto que atirou a pedra volta ao lugar e ninguém sabe de seu ato, porque foi o outro que levou a culpa.
Assim é o caso de Eduardo Paes, o "garoto" que atirou a pedra, e Marcello Crivella, o que levou a culpa na ocasião.
Não que Crivella não tivesse cometido das suas, mas, por pior que fosse, os ataques a ele ganharam um certo sabor de bode expiatório misturado com cachorro morto.
Crivella não melhorou a cidade do Rio de Janeiro e favoreceu politicamente a Igreja Universal do Reino de Deus. Não cumpriu sua promessa de "cuidar das pessoas" e causou prejuízos à cidade.
Virou moda esculhambar a Igreja Universal. Tudo bem, mas o Espiritismo brasileiro cometeu barbaridades que vão da literatura fake dita "psicográfica" até a defesa das ideias medievais da Teologia do Sofrimento, e ninguém fala.
Dizem que o tal João de Deus nunca foi "espírita", mas ele começou e passou boa parte de sua carreira como assistente do "maravilhoso médium de peruca", aquele que é tido como "o maior do país", o "lápis de Deus", o "médium dos pés descalços", mas nunca passou de um reles charlatão.
Ou seja, qualquer pessoa com um mínimo de sensatez diria, sobre João de Deus, a todo dirigente do Espiritismo brasileiro: "Toma que o filho é seu".
Sim, a Igreja Universal fez e faz barbaridades, tem a ganância como a liturgia de seus bispos e pastores, possui pautas políticas e sociais bastante retrógradas.
Mas qualquer um, pessoa ou instituição, que faça oposição fácil à IURD e seus personagens não é necessariamente melhor.
Neste caso, Eduardo Paes é muito mais perigoso do que Marcello Crivella, com base na mesma lógica de que Joe Biden é mais perigoso do que Donald Trump.
Deixemos de pensar com o estômago e sentir pena dessa ironia jocosa de cariocas pró-Paes usando chapéu panamá como protesto gozador, bem à maneira animada do que os funqueiros fazem, por exemplo.
A ironia se baseou num comentário de Marcello Crivella que, por mais que se reprove sua pessoa, é de uma coerência indiscutível.
"O Eduardo dava R$ 70 milhões para o carnaval porque ele queria desfilar no carnaval. Ele ia lá com o chapeuzinho de Zé Pelintra, saía na capa de jornal. Ele queria autopromoção", disse Crivella no debate da TV Globo, no último dia 27.
Crivella está corretíssimo. Eduardo Paes, sim, é um marqueteiro, quer autopromoção, é um demagogo à maneira carioca.
Paes é um sujeito falso. Agora posa de progressista, promete até a paz mundial, fica anunciando que irá cumprir uma agenda popular etc etc etc.
Dizer é fácil e Paes segue essa retórica ao mesmo tempo cheia de pompa e de mil promessas e com apelo de falsa modernidade, igualzinho ao discurso de um Elon Musk, por exemplo.
As esquerdas médias não percebem isso e esquecem que Eduardo Paes fez horrores com o Rio de Janeiro, cujo legado se refletiu com mais evidência durante a gestão de Crivella.
O sistema de ônibus, por exemplo.
Eduardo Paes fez coisas horríveis: impôs a pintura padronizada usando uma votação "no escuro", à revelia de qualquer debate na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Era apenas a cobertura de um "novo" sistema de ônibus que se fundamentava nos poderes abusivos do secretário municipal de Transportes, Alexandre Sansão.
Esse sistema atropelava artigos da Lei de Licitações, do Código de Defesa de Consumidor e outras legislações.
Prejudicava rodoviários com a sobrecarga da dupla função do motorista-cobrador que ainda tinha que fazer o ônibus correr para cumprir horário numa cidade cheia de congestionamentos.
Resultado: acidentes que tinham, em média, entre 20 e 40 feridos e que causou mortes, também. Em um dos incidentes, uma produtora da Rede Globo que andava de bicicleta morreu atropelada. Em outro, o morto foi um ciclista olímpico que passeava com sua bicicleta.
Descobriu-se, depois, que a pintura padronizada, que confundia os passageiros dificultando seu direito de ir e vir, era uma máscara para acobertar a corrupção nas empresas de ônibus, que fez com que o sistema de ônibus carioca fosse sucateado.
E as empresas de ônibus acabaram falindo, uma a uma. Aumentar o poder do secretário de Transportes não significa combater o poder dos grandes empresários do setor de transportes.
Se as empresas de ônibus aceleraram sua extinção durante o governo Crivella - cuja generosidade do bom samaritano (sem ironia) Fernando MacDowell cancelou a pintura padronizada - , é reflexo do desgoverno de Eduardo Paes.
Paes, aliás, para defender a pintura padronizada se atreveu a falar duas besteiras.
Uma, que Paes dizia que a diversidade das pinturas nos ônibus, que facilitava a identificação pelo passageiro comum, expressava "poluição sonora", uma opinião mesquinha que nada tem a ver com parecer técnico.
Outra, foi uma ofensa social aos portugueses, porque Paes disse que a diversidade visual das empresas de ônibus fazia com que eles tivessem aspecto de "lata de azeite português".
Isso ofendeu seriamente a colônia portuguesa, historicamente responsável pela fundação do Rio de Janeiro.
E se Eduardo Paes representa o anti-bolsonarismo no Rio de Janeiro, lembremos que os busólogos que apoiaram a pintura padronizada (pejorativamente conhecidos como "padronizetes") eram bolsonaristas por antecipação, já em 2014 manifestaram apoio ao hoje presidente da República.
Aliás, tem muito bolsonarista no Rio de Janeiro que defendeu mulher-fruta, Rádio Cidade "roqueira", ônibus padronizados e fez truculência nas redes sociais contra quem discordava de seus valores, e hoje, na cara-de-pau, agora diz que "nunca apoiou Jair Bolsonaro".
Voltemos para 2018 e veremos que isso é uma mentira descarada. Mas com que compromisso essas milícias digitais têm com a verdade? Nenhum, evidentemente.
E repetimos que Eduardo Paes é o Joe Biden carioca.
Fala-se que no governo Crivella a população das favelas morria em tiroteios, por balas supostamente perdidas.
Até parece que isso foi invenção do governo Crivella, mas é só retornar aos anos atrás para ver que sob Paes a coisa já estava muito pesada.
Nessa época, crianças já morriam de balas perdidas, e a violência policial causava aflição na população, com reflexos na imprensa local e também nacional.
E tem mais.
Paes nunca investiu de verdade na Educação e Saúde públicas, sucateadas e praticamente inoperantes. Os hospitais públicos, então, mais serviam para potenciais necrotérios, com tanta gente morrendo depois de tanto esperar pelo atendimento que não veio.
O descaso de Paes com prédios históricos antigos deixou ocorrer acidentes e incêndios que causaram algumas mortes.
O setor da Cultura também sofreu descaso de Paes. Uma orquestra quase foi extinta, por falta de verbas e de apoio administrativo.
Paes queria terminar com as ligações Zona Norte-Zona Sul por ônibus, que já é bem precária. Um exemplo é que não há linha de Madureira e Cascadura para Copacabana e Ipanema e a linha 465 Cascadura / Gávea não foi reativada e talvez nem seja.
O motivo? "Higienizar" as praias da Zona Sul, barrando o acesso dos pobres. Se bem que uma gigantesca favela da Rocinha nos avisa que existe um enorme subúrbio na Zona Sul, assim como a favela Pavão-Pavãozinho, nos "fundos" de Copacabana e na "cara" da Lagoa.
Paes se esquece que nem todo pobre vai à Zona Sul para curtir a praia. Tem gente que vai para trabalhar e estudar. Há empregadas domésticas, funcionários de supermercados, balconistas, etc etc etc.
Paes negou o "direito à cidade" de muita gente, e forçou o uso do Bilhete Único, como se o transporte coletivo fosse um parque de diversões, para ficar pegando duas, três ou quatro linhas assim de bandeja, achando que o carioca só usa ônibus para fazer turismo.
E aí Paes, hipócrita, inventou uma "praia" no Parque Madureira, o "piscinão" de Rocha Miranda, que já começou mal limitando sua abertura às nove da manhã, que contraria recomendações médicas das quais se deve ir à praia mais cedo.
E um "piscinão" que mal consegue acolher a população de um bairro de Madureira era usado por Paes como opção para uma grande demanda que não tinha dinheiro para pegar mais de um ônibus para ir à Zona Sul e à Barra da Tijuca.
Imagine a demanda pobre de Copacabana, Ipanema, Leblon, Gávea, Vidigal / São Conrado e Barra da Tijuca tendo que banhar no espaço apertado do Parque Madureira!
E aí vemos que Paes não vai acabar com a violência policial nas favelas. Ela vai piorar, assim como vão piorar as operações bélicas nos EUA no Oriente Médio e na América Latina.
Sabe-se que Biden está preparando o terreno para derrubar o governo de Nicolas Maduro na Venezuela, sabotar o governo de Luís Arce na Bolívia e dissolver sob aparato "legalista-institucional" o governo de Alberto Fernandez na Argentina.
E Paes? Bom, o que ele poderá fazer é manter esse mesmo quadro de uma polícia truculenta e "higienista", e o domínio das milícias que já controlam 57% do Estado do Rio de Janeiro e estão espalhados até nas áreas nobres da ex-Cidade Maravilhosa.
Portanto, com todos os defeitos de Donald Trump e Marcello Crivella, realmente indiscutíveis, devemos nos preparar que a vitória de seus rivais está longe de representar alguma esperança de melhoria, muito pelo contrário.
Sinceramente, o Rio de Janeiro continua na UTI e seu estado é gravíssimo.
Comentários
Postar um comentário