O que é ser livre? É assumir o lado trash da vida? Aceitação é necessariamente assumir o que tem de pior?
É ser repulsivo para os outros e ser narcisista para si mesmo, num narcisismo avesso e nivelado por baixo?
Neste Brasil tão atrasado - só na semana passada, pelo menos quatro feminicídios ganharam os noticiários nacionais, demonstrando o trogloditismo de alguns machistas, entre eles um engenheiro carioca - , entende-se a "liberdade" dessa forma tão mórbida, sensacionalista e pitoresca.
Ser obesa e bancar a mulher-objeto ao se sensualizar sem contexto, expressando uma "sensualidade de guerra" (ou seja, feita mais para incomodar do que provocar prazer, este restrito apenas a quem mostra o corpo e a seu "gado" de seguidores nas redes sociais) é tido como "liberdade".
Mas não é. Afinal, a mulher obesa acaba sendo forçada a se sensualizar, a sensualidade é uma pressão, uma ditadura estética-comportamental, e sensualizar não resolve o problema da gordofobia, muito pelo contrário, pois a obesa acaba ganhando pecha de "exibicionista" e "oferecida".
E isso sem falar que o Instagram não é o espelho do quarto de casa. Publicar fotos no Instagram expõe a pessoa para todo mundo, até para hackers.
Ninguém publica fotos no Instagram para si mesmo, porque "é dono do próprio nariz" e só usa a rede para "se ver".
Não existe esse negócio de publicar fotos no Instagram e depois dizer "eu amei me ver" como se a própria pessoa e seu fã-clube de seguidores submissos (ou puxa-sacos?) fosse os únicos a ver esses retratos.
Essa distorção do conceito de "liberdade" para um âmbito trash, para manifestar o "orgulho de ser ridículo", já fez a música brega-popularesca virar pauta do suposto "combate ao preconceito" descrito no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes.
Amigos, vocês estão perdendo esse importante livro. Esses Intelectuais Pertinentes tem um conteúdo vibrante que o pessoal todo não conhece.
Meu livro causa estranheza porque não é livro de Minecraft nem de cavaleiro medieval atormentado à procura do enigma da espada cor-de-rosa, da estátua de framboesa ou coisa parecida. Mas precisa ser adquirido para que as pessoas entendam a influência cultural no golpe político de 2016.
Voltando ao assunto desta postagem, esse conceito trash de "liberdade" nada tem de livre. E a pessoa que se autoproclama "livre", na verdade, se submete ao sistema de valores no qual essa "liberdade" é muito menos livre do que se pode imaginar.
O caso das tatuagens é um exemplo. Salvo exceções, a tatuagem serve para pessoas que não tem muito o que dizer "anotarem" suas supostas ideias em seu corpo.
As mulheres que se tatuam muito se gabam dessa "liberdade", mas, vamos combinar, suas tatuagens são fruto de intervenção em maioria masculina, e, em muitos casos, sob sugestão dos próprios tatuadores.
Ou seja, elas sofrem interferência masculina e o toque que os homens dão em seu corpo, durante esse "ato de liberdade" de que elas tanto falam.
Fico desconfiado com essa ideia de que ser tatuado é livre. Isso é coisa de uns 1% que REALMENTE têm motivo para serem tatuados. Fora um Marco Bezzi ali e, até pouco tempo atrás, uma Fernanda Young, não creio que ser tatuado seja sinônimo de liberdade.
Isso é tão certo que os contextos sociais em que as pessoas mais se tatuam são em que os cenários políticos predominam governos conservadores e, não raro, reacionários.
Foi assim nos tempos do macartismo estadunidense e no bolsonarismo brasileiro.
Tatuagem lembra muito gado marcado a ferro. Remete a gado bovino. Tanto que talvez seja mais adequado substituir o termo "tatuagem" pela palavra "gaduagem".
Tatuar o corpo é tão ruim que dá um aspecto degradante na pele das pessoas. As pessoas mais brancas, quando tatuadas, realçam o aspecto de palidez, enquanto as mais bronzeadas dão um aspecto de "pele suja". Em ambos os casos, o resultado fica horrível.
Fico muito triste ao ver Cléo Pires nesse papel de tatuada convicta, se comportando como uma hasbeen desesperada por apelos "identitários".
Cléo não é assim. Tatuada, cantora de repertório medíocre, fazendo papel de vitimista num identitarismo festivo, num hedonismo vazio de sentido. Ela não está sendo autêntica com esse personagem que ela resolveu criar para a vida real nos últimos anos.
Ela é talentosa, bonita, não se pode sucumbir a esse papel humilhante. Gostava muito dela e hoje sinto um grande constrangimento ao vê-la hoje, comparado com o que ela era há uns dez anos.
Isso não é liberdade, porque tatuar o corpo, para a maioria das pessoas, é um desespero em querer ser "diferente" sem esforço, e acaba sendo mais mesmice do que se mantivesse o corpo sem tatuagens.
Fico triste, muito triste mesmo. Aí vejo famosas sem tatuagem, expressando ideias, falando de coisas interessantes, mas mostrando suas vidas com seus maridos e filhos.
Enquanto isso, famosas que estão solteiras "rabiscam" o corpo sem necessidade e acham que isso é "liberdade". Não, não é. Existe alguma influência alheia nisso, alguma "decisão" por parte da mídia, por parte de algum modismo.
A própria ideia trash de suposta liberdade humana reflete o quanto as causas identitárias no Brasil se reduziram a uma expressão eventualmente grotesca e terrivelmente mercadológica.
Sim, causas identitárias viraram mercadoria. Daí os comerciais de redes de lojas, mesmo alguns bolsonaristas, como a Riachuelo e a Centauro.
O dado irônico é que outra tatuada, a insossa Aline Riscado, nasceu exatamente um dia depois de Andressa Urach, que está removendo todas suas tatuagens, sacrificando até mesmo uma que homenageava o filho dela.
Aline também definiu suas tatuagens recentes como "liberdade".
Nosso Brasil não entende certas coisas. Existe "paz sem voz", "caridade" que ajuda mais o suposto benfeitor do que os mais necessitados e "liberdade" que soa mais uma submissão a um modismo.
"Liberdade" acaba sendo a pessoa agir sob influência e até domínio de alguém e não se sentir incomodada por isso. Se não se sente incomodada e tem sensações agradáveis ao receber uma ordem alheia, então essa pessoa é "livre".
O modismo das tatuagens está passando, para o bem e para o mal. As tatuagens estão se tornando adereços de subcelebridades, de milicianos, de gente encrenqueira e decadente.
Ficar pulando que nem criança birrenta dizendo "Eu sou livre! Eu sou livre!" não vai fazer a pessoa mais livre. Até porque essa "liberdade" escraviza as pessoas, em vez de libertar.
Liberdade é apreciar músicas, livros e filmes que o mainstream não mostra e que passam longe da mediocridade de bregalhões e nomes de sucesso fácil. Soa preguiçoso dizer que bregas e hitmakers são "alternativos" ou "vanguardistas", eles nunca fogem do que o mainstream representa.
Achar que "alternativo" é ouvir Odair José e Michael Sullivan ou apreciar o hit-parade dos anos 1970 e 1980 é passar um atestado de imbecil e não de diferenciado.
É fácil essa "liberdade" do umbigo teleguiado pelas "drogas de aluguel" do vídeo coagido. Fácil montar um underground de mentirinha colhendo aquilo que se vê na Rede Globo.
Fácil não ler livros nem expressar ideias interessantes, mas tatuar todo o corpo e depois ficar passando "mensagens positivas" na zona de conforto do Instagram.
Talvez seja hora de agendar as remoções de tatuagens e correr para ler livros relevantes - esqueçam best sellers e obras "religiosas" e "auto-ajudas", que atendem à preguiça do culturalista frágil e submisso - e deixar de ouvir o lixo musical popularesco.
A melhor e autêntica ruptura do preconceito se dá com a autocrítica da própria pessoa diante de sua submissão ao culturalismo conservador identitário.
É hora de se libertar dessa "liberdade" que escraviza e ridiculariza as pessoas.
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