O fim de semana de famílias e seus amigos em Duque de Caxias foi de muita tristeza e intensa revolta.
O que poderia ser mais um período de alegria foi interrompido para sempre, como em inúmeros outros casos.
Por supostas balas perdidas, as adoráveis meninas Emily Victoria e Rebeca Beatriz, respectivamente de cinco anos incompletos (o aniversário seria este mês) e sete anos, estiveram no alvo do tiroteio e foram atingidas.
Emily, atingida pela cabeça, faleceu imediatamente. Rebeca, sua prima, foi ferida no abdome, e, socorrida, não resistiu aos ferimentos.
Isso ocorreu na noite de sexta-feira, na comunidade Santo Antônio, em Duque de Caxias. Policiais são acusados de entrarem no local atirando, mas eles tentam desmentir isso.
Ser pobre e negro no Brasil tornou-se um risco, lamentavelmente.
Nessas condições, se vive com medo. Medo de entrar num supermercado e morrer espancado por seguranças. Medo de brincar, de descansar, de dormir em casa, e ser baleado fatalmente.
As estatísticas mostram que, no Grande Rio, há uma média de uma criança morta por supostos tiroteios a cada mês.
É o nosso futuro, de filhos e filhas de gente trabalhadora, que é criminosamente abortado.
E isso vai contra a ilusão de um Rio de Janeiro imponente, que promete um desenvolvimento "de 40 anos em quatro", como prometeu o prefeito eleito da capital, Eduardo Paes.
E aí vem o voto podre e imprudente da classe média carioca, que já nem pode dizer que é formadora de opinião, mas ditadora de opinião, pela chantagem e pelo linchamento digital que pratica contra quem pensa diferente.
É constrangedora essa ilusão que envolve o Grande Rio, essa teimosia em perseguir uma imponência e um glamour que não existem mais.
Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, todas as cidades estão em situações dramáticas.
A Baixada Fluminense virou faroeste, reduto de pistolagem, mini-província de cidades decadentes e cujas desavenças políticas são "resolvidas" pelo bangue-bangue.
São Gonçalo virou uma teocracia, um reduto de fundamentalismo religioso neopentecostal, onde existe sempre um templo "neopenteque" a cada quarteirão.
Niterói virou uma cidade autista, que teima em se manter indiferente aos seus próprios problemas, exceto quando pega pesado no cotidiano solipsista dos cidadãos.
E o Rio de Janeiro, lutando para ser a cidade-modelo do Brasil, sucumbindo a um provincianismo doentio e cada vez mais tomado pelas milícias que controlam vários empreendimentos e estão infiltrados na aparente legalidade política e empresarial.
De repente você conversa com um surfista em Ipanema e, de repente, ele lhe fala de um amigo miliciano.
Ou então você vai tomar um chope num bar no Centro carioca e fulano lhe puxa conversa e lhe diz que tem um amigo sócio de "serviços" de gás, van e TV por assinatura que anda "meio encrencado" (eufemismo para algum crime cometido).
E o Rio de Janeiro, fora as milícias, já estava decadente há muito tempo.
Virou reduto de gente intolerante contra quem pensa diferente, e, o que é pior, o fanatismo pelo futebol, caraterístico do local, torna-se motivo até de assédio moral nos ambientes de trabalho.
Culturalmente, o Rio de Janeiro sucumbiu, seja com o "funk", com o roquinho mainstream comandado pela Rádio Cidade, a pasteurização do samba pelo "pagode romântico" e a antes inimaginável aceitação do "sertanejo" e seus caubóis de parque de diversões.
Essa ilusão toda, essa decadência que tenta se impor como se fossem coisas sublimes, não aparece nas classes populares.
Estas vivem o pesadelo diário dos tiroteios, do abuso da violência policial, não podem sequer dormir tranquilos, sem a certeza de que poderão acordar no dia seguinte.
Ou gente que vai para o trabalho e sofre a humilhação de suportar uma revista policial, pelo fato de uma simples cor de pele lhe fazer parecer suspeito para os preconceituosos homens fardados.
Para estes, não cola esse papo ilusório dessa Disneylândia de praias, estádio de futebol, bares e casas noturnas.
A "favela feliz" do discurso do intelectual "bacana" só existe na sua visão "bondosamente" etnocêntrica.
Da mesma forma, o Rio 40 Graus, o clima de sauna de calor insuportável no Grande Rio, só é poesia no discurso de cronistas cariocas isolados em seus apartamentos refrigerados, felizes porque o carioca médio vive a ilusão de que ar condicionado substitui a falta de ar puro e fresco.
Essa ilusão toda não existe e nem o "baile funk" deixa de representar essa ilusão, com as mães inseguras em deixarem suas filhas irem a esses eventos para voltarem grávidas prematuramente.
As periferias revelam dramas que a narrativa intelectual "bondosa" esconde e tenta desmentir.
Até que os mortos inocentes da abusiva violência policial nos avisem que a realidade dos pobres é muito dura e dramática.
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