O aberrante assassinato da juíza Viviane Amaral, cometido pelo ex-marido, o engenheiro Paulo Arronenzi, em pleno feriado de Natal e em frente das três filhas, que suplicavam para que ele parasse de esfaquear a ex-mulher, nos faz parar para pensar.
O crime ocorreu na Barra da Tijuca, no decadente Rio de Janeiro, e mostra o quanto a alta sociedade mostra também machos decadentes e truculentos.
A onda de feminicídios, numa época em que Doca Street, maior símbolo desse crime, está morto, e Pimenta Neves está muito perto disso, é um triste fenômeno em que homens, por meros chiliques conjugais, sacrificam sua reputação cometendo crimes de morte.
Não se sabe por que cargas d'água isso continua ocorrendo. É um tipo de necropolítica informal para diminuir o número de mulheres? O machismo, agonizante, virou kamikaze moral, com seus machos inescrupulosamente se jogando ao ódio da sociedade através do sangue de suas mulheres?
Questões a parte, há, com certeza, dois motivos culturais que permitem que ocorram feminicídios em série.
Um é o lugar errado onde se recomenda a procura de namorados ou namoradas, que são os bares, boates e casas noturnas em geral.
A grande mídia é em boa parte culpada disso, principalmente quando programas como Fantástico, Domingo Espetacular e alguns noticiários regionais e nacionais recomendam que a pessoa encare uma jornada de bebedeira para encontrar seu grande amor.
Balela. Conversa para boi dormir e gente bonita ficar acordada enchendo a cara.
Está na cara que é propaganda enganosa para atrair freguesia para os estabelecimentos noturnos.
A vida amorosa virou um bem privado, tem que se pagar dinheiro para ir a um lugar onde tem gente a fim de namorar, o que inclui passagem de táxi, ingresso na casa noturna de sua escolha e gastos com refeições e, principalmente, bebida.
Não é pouca coisa. O sujeito tem que ter muito dinheiro para arrumar uma namorada. A mocinha, também, mesmo em lugares onde o ingresso feminino é mais barato ou gratuito.
Afinal, tem que pegar táxi para voltar para casa de madrugada. Muitos bares e boates ficam longe de ruas onde passam ônibus e, às três da manhã, os ônibus, se circulam, são raros e as ruas ficam muito perigosas.
Fala-se isso nas redes sociais e, é claro, no conforto de casa, o internauta não acredita, acha que as ruas são movimentadas de madrugada e todos saem da boate para irem juntos para um mesmo lugar.
A mídia, então, não publica queixas, porque vai promover a má imagem do estabelecimento noturno que, em parte, paga matérias nos noticiários da televisão.
A vida noctívaga permite os feminicídios a longo prazo porque o índice de confiabilidade das pessoas nos bares, boates e clubes noturnos é muito, muito baixo. A bebedeira piora as coisas, fora o uso de outras drogas ilícitas.
Não há como acreditar na lorota fácil das redes sociais em que, nesses ambientes, se encontrará o grande amor da vida, que mesmo chapado irá acertar na conquista amorosa e blablablá.
As afinidades são artificiais, provisórias, e as circunstâncias também permitem que, pelo contexto da novidade, as pessoas se tornem alegres, simpáticas e muito felizes.
Só depois a rotina mostra que não é bem assim. Divergências surgem até que, em certos casos, o maridão se torne um sanguinário vingativo, em discussões nervosas.
Abrimos os parênteses sobre a questão da solteirofobia, em que até nossas esquerdas ficam demonizando pessoas solitárias, acusando de "terroristas em potencial" homens adultos solitários que ainda vivem com os pais e cujas piores drogas que consomem são café e achocolatado em pó.
Demonizam o pobre coitado que fica à noite vendo comédias estudantis na TV e comendo Nescau às colheradas, como se ele fosse um potencial autor de um massacre em planejamento.
Mas se esquecem, mesmo as pessoas de esquerda, que o feminicida geralmente é o piadista da boate, o folgazão da noitada, que sabe muito bem conquistar e começar uma relação, mas não sabe como terminá-la.
E aí vamos para um outro motivo, ainda maior, que favorece feminicídios.
É a cultura do "amor sem afinidade". Um pretenso amor que, supostamente, surge para superar divergências, e que parece uma coisa fácil para o discurso e o raciocínio obtuso do internauta médio das redes sociais.
Já vi muito isso. Gente defendendo que os casais não devem ter afinidade porque "o amor está aí justamente para superar as diferenças".
E é isso que faz estourar os assassinatos de mulheres em todo o país. Cria-se uma "cultura da divergência" que só o moralismo religioso acredita que irá se resolver "pela força de Deus".
Mas como falar é fácil, a realidade prática desmente esse papo, que só faz sentido em palavras arrumadinhas difundidas nas redes sociais e apoiadas pela unanimidade forçada do "efeito manada" do "gado" digital.
Cita-se passagens da Bíblia, textos de auto-ajuda, teorias "espiritualistas" e tudo o mais para dizer o quanto casais sem afinidade são "o máximo".
Na vida real, o buraco é mais embaixo e o que se vê são cônjuges que apenas se suportam e que, depois do breve verão das afinidades postiças - tipo ver os mesmos filmes e frequentar os mesmos lugares - , surgem os conflitos, que crescem com o tempo.
Me lembro de um caso raro da atriz Nicette Bruno, falecida há alguns dias, famosa pelo harmonioso casamento com Paulo Goulart, que se foi seis anos antes dela, e eram unidos por muitas afinidades e uma cumplicidade ímpar.
É bem difícil haver casais afins e a "cultura" de pseudo-humanistas de Orkut, Facebook e WhatsApp só faz complicar criando teorias dóceis sobre a falta de afinidade conjugal.
A teoria é fácil e bonita, e a beleza das palavras cria a ilusão da unanimidade a uma ideia sem prática na realidade.
Isso porque a realidade é mais cruel e escapa de qualquer efeito manada das palavras bonitinhas apoiadas sem questionamentos.
Comentários
Postar um comentário