A situação está insustentável.
Jair Bolsonaro demonstrou, em dois momentos ontem, total insensibilidade ao ser humano.
Uma foi durante um discurso na cidade de São Simão, em Goiás, em total indiferença à tragédia vivida por milhares de brasileiros, entre mortos pela Covid-19 e seus respectivos entes queridos vivos.
"Vocês não ficaram em casa. Não se acovardaram. Temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?", disse Bolsonaro, zangado.
Ele tenta jogar a Economia contra a Saúde. Alega que o isolamento social, o lockdown, prejudica a Economia, compromete empregos etc.
Mas a contaminação pela Covid também prejudica empregos. Contaminações trazidas por aglomerações mataram muitos enfermos e, é claro, são menos gente trabalhadora no nosso país, ainda que fossem substituídos por outros.
Fernando Haddad, derrotado em 2018 por Bolsonaro, lembrou desse contraste, chamando o rival de serial killer por contrapor quem está com fome contra quem está doente.
Evidentemente, queremos muito que a Economia esteja em movimento. O isolamento social é desagradável até para quem defende. Mas é um mal necessário, diante do risco da pandemia.
E aí veio o outro momento: as depressões e suicídios causadas pela pandemia, cujo suposto crescimento foi ironizado por Bolsonaro, que estava ao lado do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas quando fez a sua famosa live (ou sit down comedy?) de quinta-feira.
"Fevereiro de 21... (risos). Pode sorrir, Tarcísio, pode sorrir, tem problema não. A coisa é séria, pessoal. Gazeta do Povo: 'Depressão e suicídio entre jovens aumentam durante a pandemia'. Aí o pessoal fala que eu tinha bola de cristal, eu não tinha não, sou não só tão burro quanto aqueles que me criticam".
O clima de tensão está tão grande que um anti-bolsonarista chegou a outro extremo, condenável pelo seu exagero odioso, de pedir a morte do presidente, em postagem no Twitter. Ele foi preso em Uberlândia, uma das cidades recém-visitadas pelo terrível governante (ou desgovernante).
"Gente, Bolsonaro em Udia amanhã... Alguém fecha virar herói nacional?", foi o que o jovem, conhecido como João Reginaldo da Silva Júnior, de 24 anos, escreveu, o que rendeu respostas de outros internautas falando em "atirar em Bolsonaro com sniper" e "Bolsonaro voltaria para casa num caixão".
Coisas reprováveis, por razões óbvias.
Silva Júnior talvez tivesse se preocupado com isso depois, porque alegou que sua mensagem tinha um "tom satírico".
Já outra prisão, do ativista representante dos favelados, o petista André Constantine, também colunista do Brasil 247, foi indiscutivelmente injusta.
Em um protesto contra o armamento da Guarda Municipal proposto pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, ocorrido no Centro da cidade, André estava falando o seguinte quando um policial lhe tirou o microfone e, após uma discussão, prendeu o manifestante:
"Temos que discutir o fim dessa instituição maldita que caça pretos e favelados todos os dias".
Paes, espécie de Joe Biden carioca, já pensa em retomar a guerra policial nas favelas, assim como o presidente estadunidense já ordenou um ataque na Síria que causou, pelo menos, 17 mortos esta semana.
Constantine, que também protestava contra Jair Bolsonaro, foi acusado de desacato à autoridade policial, mas não teve qualquer reação deste nível.
Ele foi solto horas depois. A prisão comoveu vários membros das forças progressistas no Brasil.
A situação do Brasil está tensa e, com toda certeza, não estamos em 1974, 1979 nem 2002.
Não podemos ficar tolerando um governo catastrófico que é o de Jair Bolsonaro, que nunca mostrou uma agenda que fosse minimamente positiva.
Se não dava para fingir que o governo Ernesto Geisel era um momento de "equilíbrio social" para o Brasil, pois as convulsões sociais eram muito intensas nessa época, imagine então o governo Jair Bolsonaro, com tudo escancarado.
E também não dá para pensarmos em soluções tipo 2002 ou 1985, fazendo alianças fisiológicas que sacrificaram campanhas de redemocratização e minimizaram o poder das forças progressistas do Brasil.
Apelar para os brinquedos culturais da centro-direita, que setores das esquerdas mantém enquanto ficam no colo dos neoliberais, não faz o menor sentido. De vez em quando, se deve romper com aquilo que soa muito agradável, pois a longo prazo isso pode se tornar bastante nocivo.
Não dá para furar a bolha no lado que se quer, porque até para combater a polarização tem que se tomar cuidado, porque os piores aproveitadores surgem nessa empreitada.
O melhor aliado de fora não é aquele que promove a "paz entre irmãos", ou que saúda as pessoas de forma efusiva e promete pagar às esquerdas um rodízio de chope por toda a madrugada.
O melhor aliado de fora, muitas vezes, é aquele que parece pouco simpático, mas que o contexto permite que se estabeleça, com ele, interesses comuns para combater um mesmo inimigo político, por meio do diálogo que não permite bajulações nem sorrisos arreganhados.
Vivemos impasses nesse desgoverno todo e o Brasil já não é mais uma das dez maiores economias do mundo, caindo para o 12º lugar, segundo dados oficiais. Se bem que esses dados são até generosos, acredita-se que foram lá para baixo.
Foi o que mostrou Eduardo Moreira, refeito daquela situação azarenta de invasão do seu canal, num cálculo sobre os efeitos econômicos devastadores do governo Jair Bolsonaro, em todos os aspectos.
Pandemia, incêndios na Amazônia, sucateamento da Petrobras, carestia de preços (o "Bolsocaro"), herança dos pacotes de maldade de Michel Temer, que já herdaram as pautas-bomba de Eduardo Cunha.
Isso derruba o Brasil, não perdendo duas posições, mas bem mais.
E daí que Jair Bolsonaro ultrapassou os limites do presidente insuportável que sempre foi.
O problema é que não dá para derrubá-lo com um cabo e um soldado, mas com uma mobilização organizada e sob o respaldo das instituições que, infelizmente, deixaram de funcionar de verdade há cinco anos.
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