Ontem ocorreu uma reviravolta dos fatos políticos dos últimos seis anos.
Depois de cerca de uma semana de adiamento, o Supremo Tribunal Federal parecia que iria favorecer o juiz Sérgio Moro, depois que o ministro Kassio Nunes Marques decidiu pedir visto da petição dos defensores de Lula.
Nunes Marques fez empatar a votação, ao declarar seu voto contra a suspeição e a favor de Moro. Além dele, Luiz Edson Fachin também manifestou-se a favor do ex-juiz.
Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram a favor de Lula e da petição pela suspeição de Moro.
Com isso, imaginava-se que Carmen Lúcia, que muitos viam como uma quase tiete de Sérgio Moro, iria dar vitória ao magistrado que foi um dos artífices do golpe de 2016.
Só que Carmen acabou mudando seu voto e seguiu Mendes e Lewandowski, optando por reconhecer a parcialidade de Sérgio Moro na condução da Operação Lava Jato.
"Alguns dados novos foram sendo introduzidos para clarear alguns dados que não tinham, na minha compreensão, uma comprovação inicial", disse a ministra, em sua argumentação.
Ela admitiu que Moro cometeu abuso quando mandou interceptar os telefonemas dos advogados de Lula e determinou a condução coercitiva do ex-presidente - o que trouxe um trauma que abalou a saúde da esposa do petista, Marisa Letícia - sem qualquer intimação para um depoimento pacífico.
O resultado então foi de três votos a favor da suspeição e dois contra.
Com isso, ocorre a "morte" do mito de Sérgio Moro, como um pretenso herói do Brasil. A mídia venal teve que engolir.
Oportunista, a Folha de São Paulo foi a primeira a desembarcar do apoio que ela deu, com fervorosa paixão, à Lava Jato, admitindo não só os abusos de Moro como também os abusos dos procuradores, como Deltan Dallagnol, conforme divulgaram conversas do aplicativo Telegram.
A própria Folha chegou a ser parceira da série da Vaza Jato do Intercept Brasil, jornal que acabou também sendo desacreditado por não avançar nas matérias investigativas.
Inicialmente definido como "criminoso" por ter haqueado as conversas de Dallagnol e seus "caros", Walter Degatti Neto tornou-se hoje respeitado por ter revelado um esquema criminoso.
Afinal, procuradores trocando mensagens privadas humilhando Lula são coisas que ofendem a natureza do processo jurídico, e mostram o quanto a Operação Lava Jato não mediu escrúpulos ao querer humilhar e depreciar o ex-presidente.
A dupla dinâmica do golpe de 2016, Moro e Dallagnol, viram se encerrar seus cinco anos de fama como supostos salvadores da pátria brasileira, com seus diversos abusos, de consequências nefastas para a população, foram divulgados até por parte de antigos apoiadores.
Afinal, os dois não só ameaçaram a soberania nacional, colaborando com o Departamento de Estado dos EUA - Moro servindo órgãos de informação e Dallagnol combinando com os EUA um acordo com a Petrobras que favoreceria o procurador - como derrubaram a economia.
DesMOROnaram a Petrobras e empreiteiras como Odebrecht e OAS, que estavam envolvidas em obras de grande envergadura.
Derrubaram empregos, técnicos tiveram que arrumar bico como vendedores ambulantes.
A Lava Jato provocou o golpe político que, através de Michel Temer e Jair Bolsonaro, criaram políticas econômicas que favoreceram os banqueiros.
E aí aumentou a pobreza, os sem emprego, sem terra, sem teto e tantos miseráveis enlouquecidos falando sozinhos e andando pelas ruas com justificada irritação.
A situação foi tão grave que o sociólogo Jessé Souza, muito sabiamente, teve que lançar livros falando da tradição escravocrata das elites brasileiras, que nunca apoiaram políticos progressistas que promovessem a real emancipação do povo pobre.
Enquanto isso, os verdadeiros criminosos se revelaram em "cidadãos de bem" que surtaram. Tinha militar matando filha adulta por pouca coisa, engenheiro matando ex-mulher a facadas, cidadão de elite matando o outro que apenas lhe pediu para usar máscara anti-Covid.
E teve empresário mostrando arma se dispondo a atirar em Lula.
Gente supostamente direita, que poderia conversar com a gente de forma amistosa e simpática. O engenheiro feminicida "Horrornezi", da Barra da Tijuca, praticava esportes na praia antes de cometer o seu crime hediondo.
O golpismo de Temer já empoderou esses sujeitos. O bolsonarismo, então, mais ainda.
Claro que boa parte dessa turma da pesada também vê o Coronavírus lhe dar um olhar de paquera. E tantos bolsomínions, negacionistas, feminicidas da safra mais recente, também foram mortos pela Covid-19, vários sob o silêncio da imprensa.
A pandemia atingiu 3.158 vítimas fatais só ontem, e isso coloca Bolsonaro no auge de sua crise política.
Juntando essa crise com a decadência de Moro, o momento, no entanto, não é de comemoração.
Afinal, não estamos em 2002. Assim como a Covid-19 não é uma gripezinha, ela também não é a Plataforma P-36 que, em sua tragédia, derrubou o governo Fernando Henrique Cardoso.
Portanto, muita calma nessa hora. A declaração de inocência de Lula e de suspeição de Sérgio Moro são apenas pequenos passos de um longo caminho para as forças progressistas.
A situação está complexa. Os bolsomínions estão empoderados.
Eles podem ser poucos, mas podem praticar estragos enormes. Como um atentado, por exemplo.
A situação não está como em céu de brigadeiro para Lula. Creio até que ele sabe bem disso.
Não se sabe como se vai dar o jogo político dos próximos meses. A situação está imprevisível. E há um risco da direita moderada se infiltrar nas esquerdas - se é que não se infiltrou, há tempos, como no caso da intelectualidade "bacana" - para enfraquecê-las por dentro.
Tudo ainda pode acontecer.
O momento não é furar a bolha pelo lado que quiser, e nem ficar festejando achando que amanhã será a posse de Lula como presidente do Brasil.
Não vamos precipitar. Se as forças progressistas querem retomar seu espaço, será com muita luta em vez de lacrações nas redes sociais.
O momento não está para brincadeira. E lembremos que os fatos recentes soam bons demais para ser verdade, na hipótese de que o golpe de 2016 caminharia para o fim.
De repente, as esquerdas se esqueceram do golpe de 2016, do poder abusivo da mídia venal, da necessidade de resgatarmos as causas trabalhistas.
E partiram para um perigoso otimismo nos moldes de 2002.
2002 já passou. Temos agora outros problemas, muito mais complexos. O Brasil não é para amadores. E muito menos para lacradores da Internet.
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