Na véspera de complegar 58 anos, a apresentadora Xuxa Meneghel fez um comentário muito infeliz, uma deplorável demonstração de higienismo social.
Sob o pretexto de evitar que os animais fossem usados como cobaias de vacinas, ela sugeriu que presidiários fossem usados para esses testes.
Foi uma laive da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro nas redes sociais que ela manifestou a seguinte opinião:
"Acho também que, com remédios e coisas, eu tenho um pensamento que pode parecer muito ruim para as pessoas, que pode parecer desumano. Na minha opinião, eu acho que existem muitas pessoas que fizeram muitas coisas erradas que estão aí pagando seus erros em ad aeternum, para sempre em prisão, que poderiam ajudar nesses casos aí, de pessoas para experimentos. Acho que, pelo menos, eles serviriam para alguma coisa antes de morrer, entendeu? Para ajudar a salvar vidas, com remédios, tudo".
O apresentador, Tiago Azevedo, concordou com ela, mas advertiu que a posição é controversa: "Vai vir um pessoal que é dos direitos humanos e vai dizer: 'Não, eles não podem ser usados'".
Mas aí a apresentadora insistiu:
"Se são pessoas que já estão provados (sic) que vão viver 60 anos na cadeia, 50 anos na cadeia, e vão morrer lá, acho que poderiam usar um pouco da vida delas pelo menos para ajudar algumas pessoas, provando remédios, provando vacinas, provando tudo nessas pessoas para ver se funciona, entendeu? Essa é a minha opinião, já que vai ter que morrer na cadeia, que pelo menos sirva para ajudar em alguma coisa".
Xuxa até foi uma das minhas musas de pré-adolescência, mas não deixo de ter posturas contrárias a respeito de certas atitudes.
Primeiro, é sua atuação no que eu, aos 16 anos em 1987, já considerava ser o processo de "adolescentização" das crianças, através do Xou da Xuxa.
Musicalmente, Xuxa era o suprassumo da mediocridade extrema e era um dos principais veículos da máquina de fazer sucessos do produtor e compositor Michael Sullivan, o mesmo agora que posa de coitadinho e usa a mesma MPB que quis destruir para salvar sua carreira.
Xuxa já manifestou anti-petismo e, quando parecia uma "quase progressista" nos seus comentários anti-Bolsonaro, ela veio com um comentário duplamente equivocado.
Primeiro, foi um comentário de profundo preconceito social e de uma visão perversamente elitista, contra os presidiários que, em grande maioria, é de pessoas inocentes ou de criminosos leves. E, na sua imensa maioria, são de negros, índios e mestiços de origens pobres.
Segundo, pelo seu desconhecimento da prisão perpétua, que não existe oficialmente no Brasil, com a ressalva de que existe uma "prisão perpétua" informal para pobre que não tem advogado para lhe ajudar a sair da cadeia.
Ao ver a repercussão negativa, Xuxa, já no dia de seu aniversário, gravou vídeo tentando pedir desculpas e, no seu perfil oficial, botou um vídeo dela ao lado de criancinhas negras.
Lembremos que ela também foi noiva do craque Pelé, um negro que, no entanto, sempre foi conservador e com um perfil de sucesso que destoa da realidade de sua raça, que mostra uma negritude que não existe no show business nem houve na Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel.
Afinal, o buraco é mais embaixo. Racismo e escravidão continuam ocorrendo no Brasil. O golpe político de 2016, apoiado por Xuxa, foi feito para remover as conquistas trabalhistas obtidas sob o suor e o sangue de muitos manifestantes.
Infelizmente, se um pobre negro e faminto, numa zona rural, chama seus amigos para roubarem galinhas para alimentar eles e seus familiares, eles são vistos como criminosos perigosos, quando a verdade era que eles estavam desesperados com a fome e as dificuldades pesadas na vida.
E isso quando, até pouco tempo atrás, ricos homens cometeram feminicídio e, ao sair da cadeia, arrumavam novas namoradas, de personalidade admirável e quase feminista! E davam entrevistas como se fossem coitadinhos sofridos.
A situação é grave nesse brasil cujo golpe político de 2016 faz cinco anos e poucos conseguem ter consciência desse triste episódio.
XUXA APADRINHANDO DJ MARLBORO, UM DOS PRINCIPAIS NOMES DO "FUNK".
A propósito, Xuxa Meneghel, bem antes de Luciano Huck, foi embaixadora nacional do "funk", quando o ritmo estava começando a fazer sucesso, nos anos 1990.
Apesar de tantos anos com as esquerdas passando pano no "funk" - sobre isso, ler Esses Intelectuais Pertinentes... para entender melhor o assunto - , o ritmo na verdade sempre foi uma ferramenta das elites do atraso para domesticar o povo pobre, como os demais fenômenos popularescos.
Rômulo Costa e DJ Marlboro se ajoelharam diante da "rainha dos baixinhos", expandindo seu mercado.
Nessa época, não havia o verniz socializante nem o papo-cabeça de apelos politicamente corretos - a falsa atribuição do "funk" à negritude e ao ativismo popular - , e o ritmo era assumido como um fenômeno comercial como sempre foi.
Em todo caso, Xuxa impulsionou a expansão do "funk" até que, já com Luciano Huck como embaixador nacional do gênero, é que se construiu um discurso "populista-intelectual" montado pela Rede Globo, Folha de São Paulo e ideólogos associados.
Em que pese toda essa verborragia em prol do "funk" - do qual o caso recente foi uma tese do musicólogo Thiagson - , o ritmo nunca foi mais do que uma ferramenta de elites paternalistas preocupadas em evitar a verdadeira mobilização das classes populares.
Dentro daquela proposta demagógica de vender o "funk" como um pretenso ativismo sócio-político, o que estava em jogo é deixar o povo pobre ocupado no divertimento popularesco que enriquece os empresários do setor, gente mais próxima dos latifundiários e barões de mídia do que do povo.
Tudo isso quando a agenda esquerdista foi contaminada por visões estranhas trazidas pelo mito da "pobreza linda".
Era uma visão que defendia o "ufanismo das favelas", achava legal haver prostituição e alcoolismo nas populações pobres, o tal "orgulho de ser pobre" era servido nas páginas esquerdistas como um pretenso "combate ao preconceito".
Ou seja, "romper o preconceito" era aceitar fenômenos popularescos que já tratavam o povo pobre de forma preconceituosa.
Havia a objetificação do corpo feminino, herança da erotização trazida pelo Xou da Xuxa, e que o discurso da intelectualidade pró-brega tentou vender como "feminismo popular".
Só agora, quando se criticam os assédios e a violência sexuais que a objetificação feminina travestida de "feminismo" é que a hipersexualização teve que parar.
E aí vemos o quanto o "funk" fez no seu discurso que dizia que "a favela é linda".
É uma forma de "prender" o povo pobre nesses cenários. E, como todo fenômeno popularesco, o de manter o povo pobre refém de sua própria condição miserável, pelo menos de forma simbólica.
E, "prendendo" os pobres nas favelas, vai a violência policial cumprir o seu papel perverso de prender gente inocente, sob a desculpa de "combater o crime organizado", não raro matando pobres negros, mesmo crianças, pessoa realmente de bem, gente honesta e batalhadora.
É justamente nesse cenário de "pobreza linda" cantado pelo "funk" que se "colhem" os pobres inocentes que, por crimes pequenos motivados pela fome, superlotam as prisões.
A demagógica aceitação das elites pelo "funk" tem dois propósitos: um é porque as elites se divertem com a imagem domesticada do povo pobre transmitida pelo gênero, outro é "isolar" as classes pobres e desviá-las dos verdadeiros protestos sociais.
E aí vemos o quanto a conexão entre a Xuxa do "funk" e a Xuxa dos comentários eugenistas não são cotnraditórios assim.
O "funk" só conseguiu vender sua falsa imagem de "movimento libertário" porque as correntes identitaristas, que estão pouco se lixando com a questão do trabalho e das lutas de classes, monopolizaram as agendas esquerdistas durante anos.
Mas logo vemos que isso é mera falácia: funqueiros e barões da mídia abraçados, cúmplices, no espetáculo do consumismo popularesco. Cadê a luta de classes? Cadê a apropriação versus enfrentamento, que sugeriria tensões e conflitos que a gente não vê no "funk" que aparece na mídia?
Quanto à Xuxa, ela se limitou a pedir desculpas pelas "palavras usadas". Parece não ter mudado de ideia.
E aí vemos o presente que Xuxa recebeu de aniversário: o cancelamento de boa parte dos internautas.
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