A situação não está fácil para as esquerdas, como parece.
Aprendi que as coisas não são fáceis, e não são os fatos que ocorrem hoje, aparentemente favoráveis a Lula, que já garantem, por si, seu lugar na Presidência da República em 2023.
Mídia empresarial, Judiciário, pesquisas de institutos, tudo parece indicar que Lula está "praticamente vitorioso" na sucessão presidencial. Como se não precisasse de votos para isso.
Não. O caminho não está fácil. O céu não está para brigadeiro. E o doce brigadeiro não está para diabético.
Ainda temos muito chão e, lamentavelmente, as esquerdas se iludem com esse clima de "já ganhou".
Tanto que deram um tiro no pé, ao marcarem para o distante 24 de julho o próximo protesto popular.
Ando fazendo campanha para o 26 de junho ser um protesto mais "informal", ao considerar o 24 de Julho um evento mais institucional, apesar da ampla participação popular.
26 de Junho lembra Passeata dos Cem Mil, um grande protesto contra a ditadura militar que ocorreu em 1968.
A ideia é celebrar os 53 anos da histórica passeata e explorar essa lembrança para o contexto dos novos protestos.
Esta semana, indígenas e trabalhadores em geral não esperaram o 24 de Julho para se manifestarem. Eles protestaram de imediato, nas ruas, sem a zona de conforto dos memes.
Em Jucurutu, no Rio Grande do Norte, Jair Bolsonaro inaugurou uma obra e fez discurso. Antes disso, ele ordenou a retirada de cartazes de protesto contra ele.
O povo de lá poderia ter esperado o 24 de julho, ver passivamente os outdoors anti-Bolsonaro serem retirados e proibidos e se refugiarem no conforto de casa produzindo memes e GIFs cômicos que são como fogo de palha no ativismo anti-bolsonarista.
Mas não. O povo se manifestou contra a proibição e expressou sua intenção de continuar protestando com cartazes de rua.
E Jair Bolsonaro continua confiante e arrogante. Ao ver uma menina recitando um poema, usando uma máscara de proteção contra a pandemia, o presidente interviu e baixou a máscara, ordenando a menina para ela não ficar mascarada.
Uma atitude prepotente, como se Jair fosse o dono da verdade de suas cloroquinas e os tratamentos precoces de eficiência duvidosa, se não nociva.
Mas Jair, por incrível que pareça, não está brincando. E quando ele parecia brincar mostrando cloroquina para emas e falando em pessoas virando jacarés ao serem vacinadas contra a Covid-19, ele estava fazendo uma pegadinha.
A lei anti-terror está sendo preparada e Bolsonaro pode armar um golpe e deixar de ser o "tiozão do pavê" para endurecer politicamente.
Não dá para as esquerdas ficarem com o clima de otimismo exagerado.
Achar que, agora, o Judiciário, a mídia venal, o mercado e toda a direita moderada se abriram de vez para apoiar Lula é um grande exagero.
Não se sabe com que condições esse apoio passou a ser exercido. Não existe almoço grátis.
A luta das ruas deveria ser mais constante, porque os longos intervalos entre um protesto e outro dão um caráter estranho de que os protestos populares são "encenações" negociadas com a direita moderada.
O dia 26 de Junho terá que ser um dia de o povo ir para as ruas, protestar contra Jair Bolsonaro, nem que haja um encontro improvisado, sem carro de som nem estrutura de comício, apenas combinado por internautas nas redes sociais.
Caso isso não ocorrer, as forças progressistas passarão por um grande vexame histórico, não notado no calor da hora, mas que será percebido na distância do tempo futuro.
Posso dizer isso porque, nos meus 18 anos de idade, eu notei fraudes na cobertura do debate eleitoral entre Collor e Lula pelo Jornal Nacional, em 1989. A edição de imagens dava a falsa impressão de que Collor estava "seguro" e Lula, "nervoso".
Parecia que era eu, um menino ainda com traços adolescentes e aparentando cinco anos a menos, que estava percebendo isso.
Mas não. A edição foi confirmada, depois, e se tornou um grande escândalo político, causando desgaste na imagem da Rede Globo, hoje uma suposta apoiadora da nova campanha de Lula.
Sem-teto morrem de frio aqui em São Paulo. Um político do PSB de Linhares foi morto por provável crime político. Favelados vivem clima de medo toda vez que veem uma viatura policial por perto ou escutam o som de suas sirenes.
A situação não está fácil. Só porque os personagens mais radicais do golpismo de 2016, a partir de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e Jair Bolsonaro, estão se desgastando, não significa que tudo passou a se tornar cor-de-rosa. Estamos muito longe disso!
A ideia de propor manifestações não-oficiais no dia 26 de junho é uma forma de não deixar o fogo das manifestações populares se apagar, e seria bom que as pessoas passassem a sexta-feira improvisando um protesto para provar sua espontaneidade.
Ficar em casa, na zona de conforto dos memes, das lacrações que só repercutem em poucos minutos, não vai adiantar.
Se produziu muitos memes nos governos Temer e Bolsonaro, que lacraram muito, mas seu impacto se evaporou rapidamente em menos de cinco minutos.
Será vexaminoso ver esse circo da lacração se repetir no 26 de junho.
Se não formos para a rua, deixaremos de ser gente no próximo sábado para sermos apenas os "jacarés", as "emas" e os "leites condensados" a provocar risadas e respostas esnobes de Jair Bolsonaro.
Se demorarmos para a volta às ruas, Bolsonaro não vai mais tirar máscaras anti-Covid de crianças. Ele irá tirar a nossa voz, a nossa ação, o nosso direito de ir e vir.
Ficarmos de braços cruzados, no sábado, esperando que uma torcida de um time de futebol exiba uma faixa anti-Bolsonaro na arquibancada ou um jogador em campo exibindo uma camiseta sob o uniforme do time com a frase "Fora Bolsonaro"?
Ficaremos felizes com um "ativismo de sofá" que só serve para monetizar as contas pessoais de uma meia-dúzia de personalidades com milhares de seguidores nas redes sociais?
Está em jogo a escolha urgente do povo brasileiro: ou improvisa um grande protesto nas ruas no próximo sábado, 26 de junho, ou, reduzindo seu ativismo à acomodação da memecracia, o "governo dos memes", acabará consentindo, mesmo sem querer, com as reações de Bolsonaro.
O povo brasileiro tem que fazer a hora e não esperar acontecer.
Deve aproveitar o sucesso do 19 de Junho para seguir com novas manifestações, em vez da ilusão de "tirar férias" para supostamente "não banalizar os protestos de rua".
Se descansar no 26 de Junho, estará caindo na ilusão da lebre da fábula que, por estar em vantagem na corrida, decide descansar no meio da competição achando que a vitória lhe está garantida.
Vai Bolsonaro com seu golpe passar a dianteira, e aí as esquerdas que pensavam que tudo se facilitava para o lado delas, veem tudo ser posto a perder.
Ficar descansando no sábado achando que o Judiciário, só por causa do escândalo da Covaxin, vai destituir Bolsonaro em seguida, será preguiçoso e perigoso.
Ir para as ruas no 26 de Junho é um meio de sair da zona de conforto e pensar no país.
Se ficarmos na memecracia nas redes sociais, será vergonhoso para todo o Brasil.
E deixará em branco a lembrança do legado deixado pela Passeata dos Cem Mil, a ser mencionada de maneira pálida pelos poucos antigos líderes estudantis de pijama e alguns analistas solidários.
Sem passeata nas ruas, 26 de Junho será um dia de causar constrangimento e vexame, para não dizer um perigo para nossa ainda frágil democracia.
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