Único membro vivo do super trio Cream e solista convidado na música "While My Guitar Gently Weeps" dos Beatles, Eric Clapton, de grandiosa carreira, sem dúvida é um dos maiores músicos de rock.
Mas eventualmente é capaz de decepções constrangedoras. E não se fala da fase comercial que ele viveu na segunda metade dos anos 1980 nem na parceria com Babyface em "Change The World", composição menor da carreira do guitarrista britânico.
Fala-se de duas coisas. Uma é o espantoso racismo que Clapton manifestou numa declaração em 1976, durante uma apresentação ao vivo.
Ele defendeu o político extremo-direitista britânico, Enoch Powell, que defendia a proibição de imigração de negros e árabes na Grã-Bretanha. A declaração de Clapton era chocante:
"Vamos impedir o Reino Unido de virar uma colônia negra. Expulsem os estrangeiros, mantenham a Inglaterra branca. Os negros, árabes e jamaicanos não pertencem a este país e nós não os queremos aqui".
Isso choca porque Eric Clapton sempre baseou sua carreira no blues e parecia ter em Robert Johnson, músico estadunidense, um músico negro de pele bem escura, como seu mentor espiritual.
Um clássico de Johnson, "Crossroads" (originalmente chamada "Cross Road Blues", de 1936), foi gravado por Clapton mais de uma vez (inclui uma versão com o Cream) e foi nome até de uma caixa contendo raridades do músico inglês.
Daí que não dá para entender como um sujeito que se identificava com Robert Johnson foi pedir, anos depois, a expulsão de negros do Reino Unido.
E o irônico é que o blues, originalmente uma música de negros estadunidenses, foi apresentado para os brasileiros através da música de Eric Clapton.
Foi por intermédio dele que os músicos negros de blues, como B. B. King (que gravou um disco com o inglês), passaram a ser ouvidos no Brasil. E, mesmo assim, blues no Brasil virou coisa de branco.
Recentemente, Eric Clapton veio com mais uma decepção, que resgatou o episódio lamentável do racismo do músico britânico.
Ele foi endossar com uma composição de outro grande músico, o irlandês Van Morrison - conhecido pela música "Glória", gravada pelos Doors, cujo vocalista Jim Morrison não tem parentesco algum com o autor da canção - , que todavia se converteu, ao lado do ex-Cream, em um negacionista rabugento.
A composição do ex-Them, "Stand and Deliver", compara o isolamento social preventivo da Covid-19 a uma escravidão.
Aparentemente, é um lamento contra a impossibilidade dos artistas se apresentarem ao vivo e Van montou um fundo para assistir os artistas prejudicados pelo isolamento social.
Assim como Van, Eric Clapton andou falando mal do isolamento social ao abraçar visões negacionistas da Covid-19, tal como os bolsonaristas no Brasil.
Clapton acredita que a Covid-19 torna as pessoas estéreis e que a vacinação contra a doença é perigosa para a saúde humana.
De vez em quando, famosos admiráveis decepcionam, e muito. O recente apoio de Morrissey ao movimento extremo-direitista For Britain me frustrou bastante, eu que era fã fervoroso do ex-Smiths e o via como um letrista certo para minhas frustrações na adolescência.
Ultimamente Morrissey recuou um pouco, à maneira de Stacey Dash - a Dionne de As Patricinhas de Beverly Hills (Clueless) - , embora tanto o cantor britânico quanto a atriz estadunidense tenham permanecido conservadores, apenas moderando um pouco suas posições.
Mas isso não quer dizer que os ídolos popularescos sejam a salvação da lavoura.
Só porque Eric Clapton errou feio, isso não significa que um funqueiro possa ser considerado um gênio visionário.
Ou então um nome como Leandro Lehart, ou Luís Carlos do Raça Negra, ambos promovidos a "salvadores da humanidade".
Sim, temos roqueiros frustrados e roqueiros frustrados.
Uns virando cidadãos reacionários, racistas, negacionistas, obscurantistas, rabugentos.
Outros, recorrendo à "psicologia do contra", que em breve detalharei melhor.
Neste caso, só porque se decepcionaram com o rock, um arquipélago de rebeldia cercado de mares de Paulo Ricardo (direitista "isento") e Roger Moreira (bolsomínion) ao redor, certos ex-roqueiros ficam enumerando qual funqueiro, vivo ou morto, irá salvar o planeta.
A cada temporada de um ou dois meses surge um nome do "funk" anunciado como o próximo guru visionário, o novo profeta dos últimos tempos.
Pode ser um MC Fioti relançando sucesso antigo, pode ser um MC Kevin que acabou de falecer, mas, mesmo assim, ainda é anunciado como a "salvação da humanidade".
Também não dá para reagir assim. Seria forçar a barra, seria, sim, ter uma raiva generalizada contra o rock, só por conta de algumas amostras de reacionarismo.
Mas se até Arnaldo Antunes cantando "O que não é que não pode ser que não é" faz o roqueiro ressentido correr à procura de qualquer disco do Raça Negra que encontrar na frente, então precisamos resolver os problemas no Brasil rapidamente.
Caso contrário, até nossos esquerdistas podem virar, um dia, gente tão reaça quanto Eric Clapton.
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