Eu e meu irmão estamos nos virando na São Paulo onde vivemos há poucos meses. E ficamos fora das bolhas sociais.
Não queremos ser mercadorias das redes sociais. Ficar fazendo plantão de quatro a oito horas por dia, sem saber que não passa de uma mercadoria humana nas mãos de Mark Zuckerberg e companhia, é assustador.
Fico desconfiado e preocupado com essa despreocupação nas bolhas digitais.
Está reinando uma grande felicidade nas redes sociais. Dentro das bolhas, está tudo bem.
Nas bolhas, a cultura está "ótima", a democracia está "segura", as instituições "estão funcionando" e Lula "vai voar em céu de brigadeiro" para governar o Brasil novamente.
Tanta gente feliz, se comunicando dentro da bolha. O Brasil virou um gigantesco Instagram.
Fácil sentar em algum lugar, na varanda ou na praia, diante do brilho do Sol, fazer pose de yoga e postar uma "frase de sabedoria" ou de "alegria" sem motivo.
Uma positividade tóxica, fingir que está tudo bem.
A coisa não está bem. Culturalmente, estamos péssimos. O que temos é um mega store de tendências que o crítico musical ou literário "isentão", embora muito competente, pode escolher bens culturais de envergadura e comprar, sem sair de casa, pelas lojas estrangeiras.
Isso não significa que se está culturalmente bem. Aliás, nunca estivemos tão péssimos, culturalmente falando.
Se não estivéssemos, Jair Bolsonaro não teria sido eleito em 2018. Tínhamos outras escolhas mesmo fora da esquerda. Podia haver até a "solução Pindamonhangaba", com o segundo turno entre dois nativos da cidade paulista, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin, se os anti-petistas quisessem.
Mas não. Lembra o radialismo rock no Rio de Janeiro, no qual tinha uma série de exemplos de rádios de rock competentes, mas os reacionários de plantão só queriam saber da Rádio Cidade.
Mesmo com tantas opções da direita moderada, o pessoal batia o pé e queria Bolsonaro.
Agora está difícil se livrar dele, até porque Bolsonaro parece "inofensivo" enquanto seus opositores ficam brincando no playground digital das redes sociais, num "ativismo de lan house".
Desde o governo Michel Temer, a "rebeldia" das redes sociais podia até repercutir, mas não trouxe, até agora, efeitos profundamente sérios, mesmo num intenso processo de lacrações e cancelamentos.
Jair Bolsonaro não parece preocupado com sua impopularidade ou com a ameaça da CPI da Covid investigar para valer os membros de sua equipe de governo.
Pelo contrário. Quando entrou num avião comercial para o Espírito Santo, onde encontraria com apoiadores, Bolsonaro recebeu vaias e gritos de "genocida".
Ele não se abalou. Irritado, o presidente disse para os vaiadores "andarem de jegue".
Ele nem está aí para a impopularidade, como Temer não estava.
E Bolsonaro prepara o pior. Fala-se que ele está montando um golpe. Está aparelhando, aos poucos, seu aparato jurídico, militar e parlamentar, de forma a ampliar mais poderes.
Não sabemos como esse golpe se dará, de forma definitiva. E é esse o medo.
A situação do Brasil está frágil, é preciso um pouco mais de pé no chão.
Ficarmos fingindo uma felicidade que não existe, apenas por conta do conforto das jornadas digitais, é uma grande ilusão.
O momento não é de esperança, mas de cautela.
Fora das bolhas, morre muita gente por causa da violência policial, do feminicídio, dos crimes do campo.
Fora das bolhas, muitas pessoas pobres moram nas ruas, arrumando empregos com dificuldade e cujos salários não dão sequer para alugar uma mísera casinha de bairro decadente.
Fora das bolhas, o reacionarismo dos bolsomínions está empoderado, diferente da lacração fácil das bolhas dos "70%" que acham que Lula vai brilhar com seu projeto político podado pela centro-direita.
Como Lula irá recolocar o Brasil na rota do desenvolvimento mantendo o teto de gastos públicos e se limitando a aplicar o Auxílio Emergencial de R$ 600?
Nem sabemos se haverá eleições em 2022, porque tudo pode acontecer e Jair Bolsonaro não parece se sentir decadente.
Ele dá sinais de que pode endurecer, e não sabemos como isso vai dar.
Talvez o melhor seria nos desligarmos um pouco das redes sociais e voltarmos a nos conectar com a realidade. Talvez isso nos faça capazes de nos prevenirmos contra o pior que está por vir.
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