Foi bastante infeliz a iniciativa da atriz e produtora Rita Guedes em se lembrar de um religioso de lamentável trajetória.
Ontem ela publicou, no seu perfil do Instagram, uma frase justamente daquele "médium" que agora tenta ser reabilitado nas redes sociais e cujos seguidores fazem isso para surfar no desgaste das seitas "neopenteques" para impor a religião do seu ídolo, o deturpado Espiritismo feito no Brasil.
É o mesmo "médium" que apoiou a ditadura militar e foi condecorado pela Escola Superior de Guerra como se premia um soldado que cumpriu um serviço militar de grande envergadura.
É também o mesmo religioso que ainda dá nome a uma avenida em Piratininga, Niterói, e, para desespero de muitos, começa a campanha para a retirada do seu nome. Razões não faltam, aliás uma razão das mais fortes.
A frase é simplória, dessas em que se força a barra tentando "teorizar" o amor e a alegria: "Deixe algum sinal de alegria onde passe".
A mensagem soa bonitinha para muita gente, mas reflete aquilo que se chama "positividade tóxica".
Quem conhece a fundo o "médium" - o que é meu caso, infelizmente, daí que larguei a religião "espírita" há nove anos - sabe que ele sempre pregava para as pessoas que sofrem a resignação do sofrimento, mesmo na pior das desgraças.
A ideia, fundamentada na Teologia do Sofrimento, era continuar sofrendo até Deus permitir que tudo acabasse, podendo a desgraça durar décadas. E isso sem reclamar, sem manifestar dor, sem atrapalhar a felicidade alheia, sem dar um grito de socorro. O único socorro é a prece em silêncio.
Sim, li isso na obra do "bondoso médium". É doloroso para muitos, porque nas redes sociais o "médium" é algo como um personagem de contos de fadas, nivelado a uma fada-madrinha, ursinho carinhoso ou princesa da Disney, mas o "médium", na verdade, era ranzinza, farsante e reacionário.
Até a "caridade" dele não tem provas, não tem imagem, não tem prática, não tem fundamentação, não tem resultados. Pelo que se fala da "caridade" dele, Uberaba teria sido a Oslo brasileira. Só que não.
Pelo contrário, Uberaba mais parece uma versão piorada de uma cidade do interior paulista, com a população se sentindo desprotegida por causa da violência. Meses atrás houve até feminicídio com requintes de crueldade. E não é por falta de idolatria ao tal "médium".
E por que a "simpática" frase do "médium de peruca" que encerrou a vida parecendo o Eustáquio do desenho Coragem o Cão Covarde reflete positividade tóxica?
Simples. Positividade tóxica é aquele mal em que a pessoa tenta forçar a barra tentando expressar uma alegria exagerada, sem motivo nem contexto, uma alegria sádica, dessas que desprezam a tristeza.
Afinal, o "médium" que dizia para os sofredores ficarem calados em sua desgraça para não prejudicar a felicidade alheia tinha que dizer para "darmos algum sinal de alegria onde passarmos".
Rita Guedes publicou, antes de tal postagem, uma comentando sobre o assassinato de Kathlen Romeu, durante uma operação policial em Lins de Vasconcelos, no Rio de Janeiro.
Será que ela teria coragem para "dar algum sinal de alegria" passando pelos arredores do bairro do Lins, área que eu conheço bem desde minha infância e que sei o quanto está decadente e perigosa?
Ela daria "sinal de alegria" para os familiares de Kathlen, traumatizados com a perda da querida moça?
Para o "médium querido" da atriz, certamente os familiares de Kathlen deveriam ficar calados, agradecer a Deus por ter perdido a jovem - que deve "ter pago dívidas morais passadas" ou "ido para uma vida melhor", de acordo com o moralismo punitivista "espírita" - e sorrir feito idiotas.
Rita Guedes está bem de vida, está rica, tem uma empresa produtora de filmes, pode muito bem publicar frases do tal "médium" que, em vida, nunca passou de um lambedor de botas e colarinhos brancos, enquanto sua "caridade" era se promover às custas das doações dos outros.
Mas o pobre que mora numa favela e vai trabalhar (se consegue ter um emprego), e que não sabe se vai voltar vivo para casa, ou se vai encontrar algum familiar vivo, para essa pessoa o "médium" não diz uma vírgula sequer.
Constantemente, pobres e negros morrem em vários subúrbios e roças em todo o país, em quantidade grande que os noticiários não dão conta, e o sofrimento de seus entes queridos é tão grande que não dá para ficar em silêncio.
Não dá para fingir que está tudo bem, esconder a dor até de si mesmo e ficar olhando passarinhos voando.
Se as pessoas sofrerem caladas, cruzando os braços ou dando murro em ponta de faca para superar dificuldades, nada ocorrerá de merecidamente bom em suas vidas.
Além disso, se as pessoas se calarem em suas tragédias, o mundo não ouve. As entidades de direitos humanos não saberiam sequer das mortes de Marielle Franco e milhares de anônimos que se chamam Ágatha, João Pedro, Kathlen e muitos e muitos outros.
Triste religião esta que usa atrizes como garotas-propagandas de seu obscurantismo medieval repaginado. Quanta ilusão reinante nas bolhas das redes sociais.
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