Fantástico guitarrista que tocou nos Yardbirds, John Mayall & The Bluesbreakers e no poderoso trio Cream, entre outros, Eric Clapton hoje é um reacionário que tem medo de vacina.
Grande cantor e letrista que me trazia lições de vida com os Smiths, Morrissey virou um reaça rabugento, do qual nem eu mesmo estou mais interessado em ouvir em sua carreira-solo.
Temos também exemplos de reacionarismo no rock, como a baterista do Velvet Underground, Mo Tucker, o finado guitarrista dos Ramones, Johnny Ramone, e os casos brasileiros de Marcelo Nova, Roger Moreira e o vocalista da banda punk Olho Seco, Fábio Sampaio.
Na literatura, temos também o caso do fim de vida reacionário de Jack Kerouac, que parece ter morrido odiando o mito que o cercou pelo prestígio do livro Pé Na Estrada (On The Road).
E aí pensamos que o reacionarismo é um patrimônio da cultura de vanguarda, da causa alternativa, da rebeldia ressentida?
Muitos pensam, mas a resposta é que não.
Creio que o reacionarismo eventual das personalidades citadas seja algo pessoal, talvez por ver que o mundo não esteja mudando de forma que eles esperavam ou que, tornando-se ricos e bem de vida, passaram a romper com as causas avançadas que defenderam no começo da carreira.
Mas que ninguém se iluda que o identitarismo que virou agora o gancho da cultura brega-popularesca brasileira tem um quê de inerentemente progressista e será assim até o fim dos tempos.
Um bom exemplo de como o identitarismo pode dar em reacionarismo está em Brigitte Bardot.
Ao longo da década de 1960, ela era não apenas a it girl dos sonhos dos jovens da época, mas também era a "moça livre" do imaginário identitário, que na sua vinda ao Brasil transformou a hoje cidade de Armação dos Búzios num paraíso dos descolados.
Ela foi o símbolo de uma aparente liberdade muito mal compreendida pelos identitaristas de redes sociais de hoje, ocupados numa "Contracultura de resultados".
Mesmo assim, Brigitte era a musa do imaginário livre do desbunde brasileiro, mesmo depois dela ter abandonado a carreira de atriz e passado a defender os animais.
E o que vemos em Brigitte Bardot hoje? Uma idosa que perdeu a beleza de outrora - o que, em si, não é um problema - , mas que se tornou deplorável por ser reacionária e conservadora.
Ela deve ter se desiludido com os rumos da humanidade, mas é simpatizante da extrema-direita e negacionista quanto às recomendações de prevenção com a Covid-19.
Sabemos da estranheza dos identitaristas brasileiros de hoje, mais identificados com uma hasbeen como Valesca Popozuda, quando se fala em it girl, porque esse termo está associado a personalidades discutíveis como Yasmin Brunet e Marina Ruy Barbosa.
Mas é justamente o "funk" que, com o tempo, produzirá mais gente reacionária, quando as coisas mudarem neste país.
Os funqueiros não aguentarão as mudanças de valores, quando uma geração posterior aos mileniais e primeiros pós-mileniais passarão a espinafrar essa "ótima cultura brasileira" endeusada por jornalistas culturais isentões, repletas de "funk", "pisadinha", "sofrência" e "bregas-vintages lacradores".
Pessoas que hoje têm até uns dez anos de idade vão estranhar, e muito, a mania do "brega-vintage" de atribuir pretensa vanguarda a nomes como Gretchen, Chitãozinho & Xororó, Wando (in memoriam), Raça Negra, Odair José, Grupo Molejo, Michael Sullivan e Art Popular.
Isso porque os valores sociais serão outros, sabe-se lá como eles serão desenvolvidos. Talvez após os estragos do pesadelo bolsonarista.
Mas, até lá, quando o Brasil brega-lacrador de hoje deixar de fazer sentido e as pessoas saírem das bolhas digitais das redes sociais, muito identitarista que hoje é só paixão por Lula, Dilma Rousseff, Ernesto Che Guevara, Paulo Freire e Karl Marx vai mudar de lado.
Funqueiros, piseiros e bregalhões estarão vomitando palavras contra as causas progressistas, algo que no calor do momento parece impossível, mas no futuro será inevitável.
Quando a vida não for um "baile funk" nem uma vaquejada sofrente-piseira, e nem mesmo a positividade tóxica do Instagram e o pedantismo dos textões encharcados de Dunning-Kruger no WhatsApp, muita gente vai virar reaça.
E isso vale tanto para pseudo-esquerdistas das redes sociais, cujo reacionarismo esnobe e festivo é camuflado por bajulações tendenciosas a Lula e ao PT, e que não precisarão mais disso para obter verbas estatais para seus "coletivos".
Comparar o frescor moderno e ousado de Brigitte Bardot no passado com a senhora reacionária que ela se tornou é um grande alerta para a mudança dos tempos que ocorreram lá fora e que terão seu reflexo forte no nosso Brasil.
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