A GINASTA REBECCA ANDRADE.
Temos, sim, que reconhecer o valor da ginástica de Rebecca Andrade, a bela negra de Guarulhos que, primeiro, ganhou medalha de prata e, depois, ouro, nas Olimpíadas de Tóquio. Não há como discutir o talento ágil da menina que, de fato, realizou uma grande performance.
No entanto, a escolha da música "Baile de Favela", do MC João, foi bastante infeliz, sendo mais um gancho para a choradeira de sempre que gourmetiza um dos ritmos mais medíocres do Brasil.
A vitória de Rebecca capitalizou mais uma vez aquele discurso choroso e vitimista dos funqueiros, que tentam compensar o baixíssimo talento musical com um discurso coitadista e aquele papo de serem "vítimas de preconceitos".
E para reforçar o discurso em prol da música, que mais parece defender a "favela-instituição", coisa que em nada resolveu, de verdade, em favor do povo pobre, temos mais um exemplo de retórica apologética, agora numa dimensão relacionada ao contexto olímpico.
Trata-se do coreógrafo Rhony Ferreira, que treinou Rebecca e as demais atletas da Seleção Brasileira de Ginástica Olímpica.
O COREÓGRAFO RHONY FERREIRA.
Repetindo a retórica surrada daqueles que defendem o "funk" - que, agora, enfatiza a cena paulista - , Rhony disse ao portal G1 que escolheu a música para "mostrar ao mundo a cultura brasileira".
""Quando faço coreografias para Olimpíadas e Pan-americanos, penso que ali é a grande chance que a gente tem de mostrar para o mundo inteiro a nossa cultura, porque todos os olhos estarão voltados para nós.
Esse funk retrata uma realidade brasileira porque, às vezes, o baile na favela é o refúgio ou o cantinho que o brasileiro tem para se divertir, para sorrir, pra esquecer as mágoas, os problemas, é uma festa".
O discurso soa bonito, faz muita gente, mesmo de esquerda, ir para cama dormir tranquila, mas vamos combinar que o "funk", tão comercial quanto o Banco Safra e o BTG Pactual, não representa a cultura autêntica, mas um mero entretenimento sem valores profundamente sociais.
O "Baile de Favela" é mais um do já longo repertório funqueiro que glamouriza a pobreza e espetaculariza a vida nos morros cariocas.
A declaração do coreógrafo, aliás, sinaliza que o "funk" é "válvula de escape", nem de longe se tornando símbolo de ativismo sócio-político a que tanto se atribui ao gênero.
Seria, portanto, uma forma de "esquecer as mágoas, os problemas", em vez de combatê-los.
Já andei em favela em Salvador, observo a realidade dos pobres, e ela não é essa "coisa linda" que a suposta "nação-favela" tanto mostra, com festinhas com gente rebolando e pessoas fazendo até trenzinho humano.
"Funk" é consumismo, é pop comercial suburbano, mas infelizmente os mileniais não conseguem entender o que é música comercial.
Devem pensar que "música comercial" é Eric Clapton falando mal de vacina. Mas esquecem que o pop comercial que consomem, seja o juvenil dos EUA, os brasileiros "funk", "sofrência" e "pisadinha" e o k-pop da Coreia do Sul, são tão comerciais como a Bovespa.
O terraplanismo cultural que os hormônios e a catarse juvenil causam é que faz com que o pop comercial seja visto como "não-comercial", através de desculpas identitaristas que, em países menos ignorantes, seriam pouco convincentes, mas aqui soam como "verdades absolutas".
Enquanto o "funk" mostra sua choradeira para o Brasil e para o mundo, a miséria continua inalterada. Fica aquela coisa do sucesso seletivo de um punhado de negros e pobres para dar a impressão de que se vive uma "democracia racial".
No passado, os intelectuais e jornalistas mais sérios e respeitáveis viam nas favelas um problema habitacional. O povo pobre era obrigado a construir moradias precárias, mas isso nunca foi uma boa escolha.
Pelo contrário, a precariedade das moradias e dos locais escolhidos frequentemente dez ocorrerem desastres como deslizamentos de terras, matando muita gente boa.
A espetacularização da pobreza, ao promover o "ufanismo das favelas", fez piorar as coisas até para uma parcela do povo pobre, que antes de virar favelado era vítima, na maioria das vezes, do êxodo rural para fugir da miséria no campo.
As favelas se transformam, aos poucos, em paisagens de consumo, cenários de safáris humanos, e os barracos, promovidos a pretensa arquitetura pós-moderna, se tornam caros.
E aí tem uma outra realidade que é a dos sem-teto, vivendo nas ruas ou sob as pontes. Gente que perdeu até mesmo o direito de ter moradias, mesmo precárias, e agora, se tiver sorte, vive em acampamentos.
A pobreza piora cada vez mais. E as favelas, embora pareçam quilombos modernos, mais parecem senzalas de um sistema de valores dominado pela "casa grande" e seus intelectuais paternalistas.
Essa é a realidade que o "funk" não mostra, porque "realidade", para os funqueiros, é apenas uma mercadoria a ser vendida para a sociedade do espetáculo, para o consumo de uma classe média que considera a pobreza linda, desde que não seja para a própria classe dos abastados.
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