Quando ocorreu o incêndio na Cinemateca, há poucos dias, houve muitos lamentos do meio artístico e de intelectuais sérios.
A tragédia se soma a tantas outras semelhantes, e devolveram o país à realidade, depois de achar que tocar o "Baile de Favela" numa performance olímpica fosse salvar o Brasil e garantir a derrubada de Bolsonaro e a posse de Lula.
Tivemos incêndios em igrejas, museus, depósitos de emissoras de TV, bibliotecas e outros. O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1978, e o Museu Nacional, também no Rio, quarenta anos depois, também viram um grande acervo ficar perdido para sempre sob o fogo.
Perdemos filmes pioneiros do nosso cinema, dos anos 1920 e 1930.
Perdemos a fase inicial das chanchadas e do cinema dos anos 1940, em maioria comerciais, mas artisticamente mais digna do que muita coisa comercial enrustida, vendida como se fosse uma pretensa vanguarda, sobretudo dos anos 1990 para cá.
Perdemos uma grande parte dos acervos televisivos dos anos 1950 e 1960, que poderiam fornecer subsídios para melhorar a programação de nossa TV, cada vez mais debiloide.
E, agora, perdemos muita coisa dos anos 1940 a 1960, entre outros materiais mais antigos, com o incidente recente da Cinemateca.
Assim como no Museu Nacional, também se perdeu, na Cinemateca, consideráveis documentos que poderiam servir para pesquisas acadêmicas futuras.
Sim, desprezamos o passado, e boa parte desse desprezo é fruto não apenas do descaso de desgovernantes como Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas de boa parte dos brasileiros, em sua tradicional hipocrisia.
E isso vale para homens granfinos de seus 60 e 70 anos que se autoproclamam "cultos" mas em nenhum momento se empenharam para apreciar de verdade a boa cultura e os valores sólidos e muito menos transmiti-los para seus filhos, hoje em uma média de 40 e tantos anos de idade.
E vale também para a chamada classe média feliz com o culturalismo conservador e brega que só permite patrimonializar uma parcela imbecilizada dos ditos "bens culturais" que têm trânsito fácil na grande mídia.
E essa hipocrisia é tanta que essa cultura brega-popularesca, comercial até a medula, é vista como "não-comercial" ou "anti-comercial".
Cheios de pretensão, tivemos que aguentar um Leandro Lehart se autoproclamando "artista alternativo" e um Michael Sullivan, que nos anos 1980 era um produtor prepotente que queria destruir a MPB, forjar coitadismo e tentar se passar por "MPB de vanguarda" com suas músicas deploráveis.
E temos que aguentar choradeiras sucessivas que gourmetizam a brutalidade sonora do "funk", seja o carioca ou a "ostentação" paulista, há uns 20 anos.
E isso quando intelectuais "bacanas" ou "isentões" ficam exaltando a imbecilização cultural, sob a desculpa do "combate ao preconceito".
As pessoas têm medo de ler livros como Esses Intelectuais Pertinentes... porque eles falam de realidade.
É vergonhoso ver que pessoas preferem "resolver" mistérios fictícios de romances medievais - para que tanta obsessão pela Idade Média? - do que ler livros que explicam a crise cultural de nosso país.
Vergonha ver que as pessoas estão pensando que o Brasil está bem, apesar de haver uma figura politicamente ameaçadora como Jair Bolsonaro.
Isso é constrangedor. E o pior é que as esquerdas, que deveriam reagir a isso com dignidade e cautela, são as primeiras a assinar embaixo dessa presepada toda.
O fogo fez perder uma considerável parte de nossos bens culturais. Mas quem sai queimado mesmo é esse Brasil festivo que se apega a modismos supérfluos e sem dignidade artístico-cultural nem serventia social.
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