Ontem perdemos o grande jornalista e historiador José Ramos Tinhorão.
Aposentado há alguns anos, ele ultimamente estava doente, tendo sofrido AVC e, nos últimos dois meses, estava sofrendo de pneumonia. Ele tinha 93 anos e morreu no Rio de Janeiro.
Nascido em Santos, Tinhorão iniciou carreira jornalística há 70 anos, e entre suas primeiras atividades foi a de ser repórter de Maneco Müller, colunista de Última Hora que, ao investir no colunismo social, adotou o pseudônimo de Jacinto de Thormes.
Não vou contar sua trajetória toda, porque não é o propósito desta postagem, mas apenas menciono que ele passou por vários veículos da mídia, como TV Excelsior, TV Rio e os primórdios da TV Globo, além de escrever para o Caderno B do Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Senhor, Veja etc.
Desde os anos 1960 ele era um pesquisador da cultura brasileira, não somente musical.
No livro que acabei de ler, o primeiro volume da série Escravidão, de Laurentino Gomes, incluiu dois livros de Tinhorão, Os Negros em Portugal: Uma Presença Silenciosa, de 1988, e Festa de Negro em Devoção de Branco, de 2012.
Sua grande importância foi documentar a história da cultura de raiz brasileira, e isso fez com que ele tivesse uma postura purista em relação à Música Popular Brasileira.
Seu maior sucesso, o livro Música Popular: Um Tema em Debate, originalmente lançado em 1966 e, três décadas depois, relançado com atualizações, foi produzido entre duas batalhas que Tinhorão fazia contra ritmos que acusava serem "estrangeiros", a Bossa Nova e o Tropicalismo.
Tinhorão acusava a Bossa Nova de ser um subproduto do jazz estadunidense e o Tropicalismo, um subproduto do rock pós-Beatlemania.
Eu discordo dessas abordagens, porque, a meu ver, ambos eram movimentos de antropofagia cultural, quando o elemento estrangeiro é assimilado de forma espontânea por ouvintes e criadores que somam a ele aspectos locais peculiares.
Mas respeito esses pontos de vista de Tinhorão, assim como o de Luiz Carlos Maciel quanto à sua desaprovação do rock dos anos 1980.
É porque, pelo menos, os dois tinham seus motivos pessoais para tais posturas, viveram tempos áureos da música e viram as novidades com certo ceticismo.
Tinhorão teve como virtude fazer críticas pesadas à música popularesca, como o "funk", o "sertanejo" e a axé-music, e suas críticas foram tão contundentes que ele investiu numa ironia.
Ao mencionar a música "I Was Born To Love You", da carreira solo de Freddie Mercury, do Queen, Tinhorão definiu a música como uma "marchinha de carnaval".
Era um contraponto que ele fazia às críticas à axé-music, que o jornalista também definia como um subproduto do rock.
Conhecedor de música caipira, Tinhorão teve conhecimento de causa ao acusar o "sertanejo" - e isso inclui Chitãozinho & Xororó, canastrões hoje tidos como "geniais" - de ser um pastiche de country music.
Tinhorão era esquerdista, marxista clássico, e como os esquerdistas mais veteranos, ele sempre adotava uma postura cética em relação à chamada "cultura de massa".
Muito diferente das esquerdas festivas de hoje e seu apego aos "brinquedos culturais" da direita.
E muito diferente da crítica cultural "isentona" que até faz excelentes trabalhos de música brasileira mais antiga, mas passa pano nas breguices e mediocridades que aparecem em quantidades industriais.
Daí que José Ramos Tinhorão foi um grande herói que se partiu, deixando seus livros e sua bússola para quem se recusa a sucumbir ao passa-pano cultural.
Eu li trechos de vários livros dele, entre 1999 e 2001, e pretendo comprá-los. Era legal ver questões que nem mesmo a mídia esquerdista hoje, que surfa na onda da complacência, têm interesse em abordar.
Pelo menos José Ramos Tinhorão deixa seu exemplo de tocar o dedo na ferida, mostrando que não ter preconceito não é passar pano na mediocridade reinante de hoje, mas antes rejeitá-la com base em conhecimentos sólidos e profundos sobre as tradições musicais brasileiras.
Valeu, Tinhorão!!!!
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