O SAUDOSO PETE SHELLEY, LÍDER DOS BUZZCOCKS.
Ando ouvindo muito os Buzzcocks, seja porque eu gosto muito da banda - é uma das favoritas - , seja porque eu vou fazer um concurso público em Aracaju e não quero ouvir axé-music nem pisadinha, fixando canções de rock na minha mente.
A seminal banda de Manchester é criminosamente desprezada no Brasil, cuja cultura rock já começa mal com o império radiofônico das "Jovem Pan com guitarras".
O pior é que bandas de expressão bem menor lá fora, como o Outfield - que foi uma banda mediana de Londres, espécie de pastiche do Police - , são superestimadas nesse país provinciano que é o nosso.
Os Buzzcocks vieram ao Brasil algumas vezes, e, mesmo assim, a narrativa padrão do roqueiro médio metido a sabichão despreza totalmente a banda do saudoso guitarrista e vocalista Pete Shelley.
A narrativa preguiçosa da história do punk rock vinda desses caras que aprenderam a ouvir rock com a 89 FM, daqui de Sampa, sempre costuma ser essa:
"Aí, galera, você sabia que o punk rock começou em 1976, quando, nos EUA, os Ramones, e no Reino Unido, os Sex Pistols e o Clash, sacudiram o mundo com sua sonoridade de três acordes? Pois é, o punk mudou o mundo e, como se não bastasse, tivemos também um cenário hardcore, com bandas como Dead Kennedys e Bad Religion até chegar à cena dos anos 1990 com Green Day e Offspring".
Correto, mas incompleto. Mas tem gente que vai pra cama dormir tranquila achando que punk rock foi só tudo isso.
E olha que os Buzzcocks vieram pela primeira vez ao Brasil em 1995, e depois voltaram algumas vezes depois, creio que em 2001, 2007 e 2010.
A banda tem até um público cativo, com fãs fiéis como eu, mas de que adianta? A cultura rock que predomina no nosso país, infelizmente, é muito superficial e só pensa naquilo que faz sucesso nas paradas.
Buzzcocks tocando na 89 FM? Nem se rezar novena (se é que roqueiro faz oração como todo religioso careta faz)!
Até porque o locutor "estilo putz-putz" e dublê de cantor de rock Tatola Godas, tão punk quanto um personagem de A Praça É Nossa, estava preocupado com coisas "mais importantes" para o cenário "rardicór", bandas do nível dos Mamonas Assassinas e dos Raimundos.
E o pior é que, se não fosse a banda de Pete Shelley, não teríamos sequer Green Day e, por procuração, nem sequer coisas medíocres como o CPM 22 haveria.
E olha que os Buzzcocks eram uma banda excelente, brilhante, que no Brasil só rolou de forma direta duas vezes: músicas como "Promises", via Fluminense FM, e "Do It", via MTV Brasil.
E, de forma indireta, através do Camisa de Vênus, com a cover não creditada de "I Believe", que virou "O Adventista". Marcelo Nova participou da apresentação dos Buzzcocks em São Paulo, em 1995.
Os Buzzcocks falavam de temas cotidianos da juventude, não se preocupavam formalmente com a politização, o que não impediu que sua missão não fosse importante.
Afinal, os Buzzcocks falavam sobre aqueles jovens sem privilégios na vida, como eu havia sido naqueles tempos de adolescência, entre 1984 e 1987, sobretudo.
E o som dos Buzzcocks era bem vibrante, e a simplicidade do grupo difere das pretensões dos grupos brasileiros de poppy punk mais rasteiros e pós-Raimundos.
Afinal, havia a diferença da performance singela mas vibrante de Pete Shelley com os vocalistas brasileiros que parecem almoçar o microfone.
É deprimente, também, que a turma do brega-popularesco, inclusive jornalistas e intelectuais "muitíssimo bacanas", comparar o "funk" ao punk rock.
Isso é um acinte, um desrespeito. "Funk" é tão pró-sistema quanto o bolsonarismo, o neoliberalismo e o terraplanismo. Nada a ver com mudar o mundo.
Mas, paciência, o Brasil é um país atrasado, preso na mistificação religiosa, no pragmatismo obsessivo, no Tribunal do Umbigo, na Síndrome de Dunning-Kruger que contagia mais do que a Covid e outras pandemias juntas.
Daí que os ouvidos de muitos brasileiros não estão preparados para os Buzzcocks. Que esses ouvidos sujos fiquem então ouvindo "Your Love" do Outfield em alguma coletânea perdida da Som Livre e sonhem com um Brasil ainda mais provinciano.
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