Uma das muitas amostras de que o Brasil está culturalmente ruim é a disparidade entre um cenário de queda de circulação de jornais impressos e a multiplicação dos chamados "livros para colorir".
A realidade da imprensa física sinaliza uma decadência agravada pelo golpe político de 2016 e pelo triste pragmatismo dos cortes de gastos nos veículos de comunicação em geral.
Isso refletiu em dados divulgados hoje pelo Instituto de Verificação de Comunicação, o IVC, sigla que conheço desde a tenra infância, ao ver as fichas técnicas das revistinhas em quadrinhos que eu lia, ainda na primeira metade dos anos 1970.
No período que vai de 2016 até setembro deste ano, houve uma queda geral com mais de 50% da circulação de jornais impressos no Brasil.
Já no período de dezembro de 2020 a setembro passado, a queda média foi de 13%, variando o declínio entre 8,2% e 19%.
Vários jornais foram pesquisados: Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo, Super Notícia (MG), Zero Hora (RS), Valor Econômico, Correio Braziliense (DF), Estado de Minas, A Tarde (BA) e O Povo (CE).
O Super Notícia, ligado ao jornal O Tempo, teve maior queda (-19%) e O Povo, do Ceará, a menor (-8,2%).
Mesmo assim, o quadro assinala um declínio acelerado que pode dar fim a era do jornalismo impresso.
Vale lembrar que o Jornal do Brasil extinguiu a versão impressa que havia ensaiado uma volta em 2018, mas cancelou a experiência pouco depois.
O Globo já não distribui jornais impressos em locais como Brasília. E O Estado de São Paulo reduziu seu formato, do antigo estandarte ao tabloide.
O IVC lembra também que a imprensa digital, da parte dos veículos pesquisados, cresceu 6,4%.
O alto custo de impressão de jornais, em máquinas gigantescas dos parques gráficos dos jornais, é um problema muito antigo e, eventualmente, ocorrem "passaralhos" (jargão jornalístico que quer dizer "demissão em massa") para tentar aliviar as dívidas das empresas de comunicação.
Mas aí vemos o outro lado da questão, o que mostra o quanto o Brasil está culturalmente imbecilizado.
Os livros para colorir viraram uma praga num mercado literário já dominado por obras anestesiantes que vão da auto-ajuda de sempre, dos dramalhões juvenis (tipo "Quando ela desaparecer" etc) e das sagas de cavaleiros medievais atormentados e estudantes vampiros.
A desculpa da "literatura antiestresse" não justifica que tamanhas aberrações sejam incluídas na categoria de "não-ficção".
Além disso, o mercado literário privilegia cada vez mais obras que NÃO contribuem para o desenvolvimento do saber, e que tiram o ganha-pão de quem precisa pagar as contas vendendo saber a baixos custos.
Só com o que os brasileiros compram de livros anestésicos, dá para os autores comprarem à vista qualquer um dos castelos medievais existentes na Europa, que custam uma fortuna.
Fala-se em combate a fake news no Brasil, mas ninguém combate as obras literárias fake como as tais "psicografias", que por sua hiperglicemia religiosa e supostos fins filantrópicos, são tidos como "autênticos".
Um conhecido charlatão publicou mais de 400 livros farsantes e o pessoal sai babando. A principal editora da maioria dessas obras tem, infelizmente, instalações em tudo quanto é feira literária, só para sentir o drama.
Mas essa é a cultura brasileira que sofre uma queda vertiginosa, como um cofre de chumbo jogado do alto de um arranha-céu de mais de 200 andares.
Num contexto em que a MPB autêntica, depois que Marília Mendonça morreu, passou a flertar ingenuamente com o "sertanejo universitário", as pessoas acham natural, mesmo na era digital, que as gráficas desperdicem tinta e papel com tiragens gigantescas de livros para colorir.
E olha que o papel usado nos livros para colorir é melhor e muito mais caro do que o papel-jornal.
É por isso que as promoções de livros mostram sempre obras desinteressantes, que só tinham validade durante os fogos-de-palha dos modismos literários, como diários de youtubers, "romances" de Minecraft, cachorros com nomes de roqueiros etc.
Sobre os livros para colorir, o ideal seria que todos esses livros fossem 100% digitais.
A pessoa que quisesse adquirir um livro para colorir que fizesse uma assinatura cadastrando-se no portal de uma editora, e, mediante um pagamento, adquirisse uma obra disponível em arquivo PDF.
A pessoa que adquirisse o livro digital é que imprime a obra por conta própria, através de um serviço gráfico mais próximo de sua casa.
Não tem como reclamar da "falta de glamour". Num Brasil brega, as pessoas não se dão ao luxo de ouvir música de qualidade nem de ver filmes bons, por que vão reclamar de livros digitais para colorir?
Temos que ter um pingo de consciência. Se a imprensa física está decaindo, e o jornalismo tende a ser só digital, pelo menos os livros para colorir deveriam acompanhar essa tendência.
A presença de livros físicos para colorir só faz aumentar, e não diminuir, o estresse, principalmente de autores que não fazem parte da ciranda de livros anestésicos e que têm muita dificuldade para divulgar e vender obras com real compromisso em promover o verdadeiro Saber.
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