De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos?
A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.
E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos.
Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalistas culturais, acadêmicos e cineastas, que veem a bregalização como uma "novidade", mesmo quando seus sucessos sempre soem velhos depois de seis meses de execução nas rádios. "Macetando", de Ivete Sangalo, por exemplo, já soa como se tivesse sido gravada há 34 anos.
Temos uma classe média que se mimetiza sob o disfarce de "gente simples", se misturando entre o povo em geral para não ser identificada nem desmascarada. É a mesma elite que, há exatos 60 anos, conemoravam a queda de João Goulart, mas hoje querem a eleição de Lula, convertido desde 2021 em uma mascote servil da burguesia ilustrada.
No mercado de trabalho, nem mesmo os novos conceitos socioculturais fizeram romper velhos preconceitos. Paciência, as elites que tomam as rédeas no nosso país são as mesmas de 50 anos atrás. Se Belchior, nos anos 1970, se queixava da acomodação dos jovens hippies da época, imagine hoje, sete anos após o falecimento do compositor, com a juventude brasileira parecendo ter saído da tela de TV do seriado Malhação?
Tudo porque hoje as atuais gerações são conservadoras funcionais, modernas por fora, antiquadas por dentro. Adolescentes vindos do seriado Malhação, jovens adultos alternando entre o perfil "ixperto" dos comediantes do CQC (tiramos a lúcida Mônica Iozzi dessa parada) e o perfil chique-festivo dos farialimeiros (farialimers, traduzido para o portinglês). E o povo mais próximo do caipirismo blasé dos peões de Barretos. Como imaginar um novo Brasil, um país desenvolvido com essa gente tão retrógrada?
Lula decepcionou porque está fazendo o jogo da burguesia. Por mais que os adeptos de Lula gastem palavras, textões e desculpas para dizer que o atual presidente brasileiro continua sendo o "esquerdista popular de sempre", nota-se que Lula regrediu, até mesmo em relação aos mandatos anteriores, com o agravante de que seu atual mandato é o mais ambicioso e o presidente prometeu que "não iria cometer erros".
No emprego, é inútil abrir vagas se os critérios de admissão de empregados continuam servindo de barreira para os que mais precisam trabalhar. Nossos empregadores e recrutadores, santificados pelo moralismo meritocrático, são tomados de tantas frescuras e ganâncias que comumente acabam empregando as pessoas erradas, deixando quem realmente quer e precisa trabalhar na rua da amargura, com risco de contrair dividas e ter seu bome na SERASA, ter a luz cortada em casa e isso quando não perde a própria casa.
Para um país que acha um retrógrado Michael Sullivan "artista de vanguarda" - algo que soa como classificar Richard Nixon como "guevariano" - , nossos empregadores dão vez a quem não quer muito trabalho e ganha dinheiro mais preocupado com a turnê Florida-Nova York-Los Angeles de fim de ano de ano, mas tira de quem tem contas para pagar.
Os preconceitos envolvem vários critérios. O etarismo, o pior deles, sucumbe à estupidez, pois prefere empregar um jovem que fuma e tem menos resistência física do que um homem com mais de 50 anos com vigor físico e muita lucidez mental para fazer um trabalho de primeira.
No meu estágio de corretor de imóveis eu vi um funcionário responsável por transportar pacotes de centenas de panfletos para uma promoção de vendas de imóveis. Pacotes pesados, que o funcionário, aparentando cerca de 55 anos, carregava com vigor e agilidade naturais. Eu mesmo tenho, aos 53 anos, mais resistência em carregar compras do que há 20 anos. Um garotão sarado de 25 anos que adora fumar seu cigarrinho iria desmaiar carregando metade do peso das compras que trago do supermercado.
Outros preconceitos envolvem aparência, pois se você não parece, na pior das hipóteses, com um Felipe Andreoli, você leva fora nas entrevistas de emprego. Sem falar da equação surreal da pouca idade e muita experiência, que impede a entrada no mercado tanto para quem é novo e inexperiente quanto para quem, independente de ser experiente ou não, já é visto como "muito velho para a função".
Isso é tão doido que, no caso do meu trabalho, o corretor de imóveis fica trabalhando de graça até conseguir a comissão da primeira venda. Até lá, é um drama tristonho e tenso, que desfaz o glamour da profissão de corretor de imóveis, que muitos acham que "nada em dinheiro". O pessoal não pensa, mas um corretor de imóveis tem que enfrentar até mesmo a demora ou a desistência daqueles que prometeram adquirir uma residência ou sala comercial.
E isso sem falar que a legislação de corretagem de imóveis é do tempo da ditadura militar, o ano de 1978, época do governo Geisel, onde eram lançados valoes socioculturais caquéticos mas até hoje vistos como "atemporais", apenas porque agradam à elite que domina as narrativas que prevalecem no imaginário geral do Brasil.
Outro dado surreal é que quem procura gente talentosa é arrivista. A Rádio Metrópole, de Salvador, até por sua origem espúria de um esquema de corrupção, precisava equipar seu quadro jornalístico com profissionais competentes. Até eu fui aconselhado duas vezes para manar currículo para lá. Isso porque o astro-rei da Metrópole, o filhote da ditadura Mário Kertész, é um canastrão radiofônico que precisa ser rodeado de jornalistas de verdade para simular um radiojornalismo "sério" e "correto", na ironia do Jornalismo propriamente dito ter virado uma panelinha tão impiedosa que até veteranos de grande talento perderam o emprego devido a interesses empresariais em jogo.
E o pior é que, com o Jornalismo em decadência - culpa da supervalorização do "opinionismo de FM" que abriu caminho para o achismo opinativo e noticiosamente fraudulento dos influenciadores digitais - , vieram influenciadores e comediantes se passando por "jornalistas" só porque "comentam" os fatos do dia. E eles levam a melhor no emprego ligado à Comunicação porque "interagem com o público", quando, no emprego, eles se limitam a acariciar o rosto e perder tempo páginas de futebol no computador enquanto fazem um trabalho qualquer nota, com produtividade lerda e sem muita criatividade.
E ainda tivemos a moda dos aplicativos, exigência que marcou o mercado de trabalho até dois anos atrás. É aplicativo que você não ouviu falar, no qual poucos realmente existiam, como o Canva, editor de imagens e vídeos. O resto era fruto da imaginação do recrutador para eliminar candidatos.
O aspecto mais dramático, no caso do etarismo no mercado de trabalho, é que o recrutador e o empregador, muitas vezes, também têm mais de 50 anos de idade, e se num dia eles podem eliminar empregados, demitindo ou recusando contratações, noutro podem cair na falência ou no desemprego.
Há também a tendência recente dos patrões rejeitarem candidatos muito bons para o emprego, pelo medo de serem passados para trás. Daí a preferência de contratar profissionais medíocres, porque são mais obedientes, maleáveis e, no caso de empresas corruptas, podem ser cúmplices ou passar pano nas roubalheiras que forem feitas.
Enquanto isso, é vida que se segue, e se preparar para uma entrevista de emprego, nesse Brasil que parece nunca sair da Era Geisel, é mais difícil do que ensaiar uma peça de Shakespeare. E, mediante as injustiças que o mercado de trabalho comete com quem mais precisa de emprego, é humilhante ver que os melhores profissionais estão no olho da rua ou, quando muito, só servem para trampolim de empresários arrivistas.
Dessa forma, não há como abrir vaga de emprego se o mercado de trabalho anda bem fechado.
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