ZIRALDO EM 1958 E EM 2018.
O falecimento do genial cartunista, jornalista e ativista da causa infanto-juvenil, Ziraldo Alves Pinto, aos 92 anos incompletos, nos põe a pensar, fora dos clichês da comoção popular - estimulada pela hipocrisia da cultura de massa, a chorar lágrimas de crocodilos pelos mestres que irão esquecer depois - ocorridas em razão de seu óbito.
Para o público comum, Ziraldo foi apenas criador do Menino Maluquinho, amigo do também desenhista Maurício de Souza e um dos últimos entrevistados do Programa do Jô, o icônico talk show do saudoso Jô Soares, capaz de estabelecer uma ponte entre o hoje pouco conhecido Silveira Sampaio e o hoje aposentado David Letterman.
Mas Ziraldo, natural da minha adorada Caratinga, cidade que fazia parte dos trajetos de parada do ramal Rio de Janeiro x Salvador da Viação Itapemirim, era mais do que isso, um grande intelectual e uma figura humanista, que até pouco tempo atrás era sobrevivente de um tempo em que se discutia cultura de verdade.
Ziraldo alcançou os tempos contemporâneos como foram, algum tempo atrás, Millôr Fernandes e Oscar Niemeyer, além do próprio Jô Soares. Uma geração de intelectuais que, no fim dos anos 1950, era até boêmia, mas no fundo usavam os bares do Rio de Janeiro para falar de vida, da maneira mais orgânica possível, e pensar num projeto de país.
Eles conviveram com outros que nos deixaram muito antes: Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Sérgio Porto - do qual pude ler, meses atrás, a coleção que reuniu os três volumes de FEBEAPÁ - , Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino. Eram homens, mas, se a gente botar a cabeça para fora dos bares da vida, havia mulheres grandiosas, como Elza Soares, Sylvinha Telles, Elizete Cardoso, Leila Diniz, Cacilda Becker, Clarice Lispector, Carolina Maria de Jesus e que também conta com suas sobreviventes, como Fernanda Montenegro e Alaíde Costa.
Ziraldo dava sua contribuição fazendo literatura infanto-juvenil, que o fez um dos pioneiros das revistas em quadrinhos brasileiras, com a divertida Turma do Pererê - que se baseava em ícones do folclore brasileiro - lançada em 1959. Ziraldo sempre defendeu que as famílias estimulassem os filhos a lerem livros e buscar o Saber e o Conhecimento através do hábito da leitura.
Mas Ziraldo também fez humor político, e foi um dos fundadores do Pasquim, o brilhante periódico de humor e cultura tão subestimado e mal compreendido que a elite do bom atraso pensava que o grotesco tabloide sensacionalista Meia Hora era um misto de Última Hora com Pasquim. Comparação burra e fora da realidade, coisa de quem só lê livros hoje para fugir do Conhecimento em vez de buscá-lo, para assim não deixar as zonas de conforto das redes sociais.
Ziraldo, que foi preso durante um momento da ditadura como sua geração que fazia crítica política foi - até tentou, com seus colegas remanescentes do Pasquim, criar um periódico derivado, o Bundas, em 2000 e 2001, cujo nome parodiava a Caras, então um reduto de granfinos.
Embora muito bom e tenha conseguido restaurar boa parte do antigo espirito do Pasquim, Bundas faliu atropelado pelo culturalismo burro mas pragmático dos anos 1990 brasileiros, marcados por uma cultura popularesca, pelo rock sequestrado pela Faria Lima (então divulgando uma nova gíria "balada") e pelo culto às subcelebridades, na época de surgimento da franquia Big Brother Brasil.
Na literatura infantil, Ziraldo era um dos ativistas que sempre defenderam que as famílias deveriam estimular seus filhos a lerem bons livros e revistas, a estimular a curiosidade das crianças pela literatura e pela busca do Saber e de valores sociais sólidos. Ziraldo acreditava que o estímulo à leitura ajudava na educação dos futuros cidadãos e no fortalecimento da cultura do nosso país.
Nossa cultura perde grandes nomes e Ziraldo, genial também por seus desenhos de estilo muito pessoal e arrojado, se junta aos que nos deixam. É a vida, mas temos que reconhecer que hoje vivemos uma catástrofe cultural que impede o Brasil de virar país desenvolvido.
Ziraldo foi de um tempo em que se respirava humanismo, inteligência e busca de progresso, diferente da bregalização, da hipocrisia pseudolibertária do "funk" e do humanismo de araque da LBV e do Espiritismo brasileiro. Todos estes subprodutos de um culturalismo decadente que se tornou o maior legado da ditadura militar.
Resta então ficar com o rico legado que Ziraldo Alves Pinto deixou para nós e aprendermos que talento surge naturalmente, como a geração do saudoso cartunista, e não se fabrica talento com mais verbas do Ministério da Cultura.
Fica aqui nossa profunda gratidão e saudade por Ziraldo, e que suas lições possam gerar bons frutos na posteridade.
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