Nem de longe quero depreciar ou promover uma imagem negativa das pessoas do Rio de Janeiro, mas o que se observa, diante de vários fatos, é que o comportamento dos cariocas - e dos fluminenses, por conseguinte - de aceitar tudo que "vem de cima" sem questionar tornou-se uma mania preocupante nos últimos 15 anos.
A pintura padronizada nos ônibus, uma das piores e mais desastrosas medidas impostas (sem consulta popular e atropelando as leis, ferindo de morte o interesse público), passou a ser aceita bovinamente porque foi decisão de um grupo privilegiado de políticos, empresários e tecnocratas que assim quiseram.
O radialismo rock teve que se contentar com o péssimo trabalho da Rádio Cidade - a única "permanente" e que não tem problemas técnicos - , que só toca o hit-parade do gênero e possui uma equipe de "locutores engraçadinhos" que não tem a ver com o perfil roqueiro e cujas vozes são afetadas e lembram animadores debiloides das piores festinhas infantis. E olha que tivemos a Fluminense FM, que entre 1982 e 1985 ensinou como se faz uma boa rádio de rock, lições completamente ignoradas pela risonha (e bisonha) rádio dos 102,9 mhz.
A gíria "balada", patenteada por Tutinha (Jovem Pan) e Luciano Huck, é a tipica gíria dos "coxinhas" de São Paulo, mas sua divulgação se ampliou e se "popularizou" - como atribuir a isso uma verdadeira popularidade se isso contou com o apoio dos barões da grande mídia - no Rio de Janeiro, através de uma juventude arrogante e reacionária que mora na Barra da Tijuca.
As "mulheres-frutas", "musas" esquisitas de corpo siliconado tão exagerado que as faz parecerem bonecas infláveis que falam - mas não necessariamente raciocinam; as bonecas propriamente ditas parecem mais inteligentes - , eram durante um bom tempo "unanimidade" no Rio de Janeiro, local de sua ascensão. Quem dissesse que odiava "mulheres-frutas" era visto como "homossexual", como se gostar de mulher fosse gostar apenas desse tipo abominável.
O "funk carioca" não foi um ritmo que se impôs de baixo para cima. O ritmo nunca foi uma rebelião popular nem uma manifestação folclórica da era pós-moderna, mas tão somente um ritmo comercial sem muita serventia, artisticamente limitado (para não dizer precário) e de qualidade muito ruim. Mas o tal discurso "socializante" que atribuía ao ritmo virtudes que ele nunca teve nem vai ter ganhou terreno no Rio de Janeiro e há quem tente procurar no "funk" o glamour carioca perdido de 1958. Vá entender.
O fanatismo esportivo também é algo que se torna exagerado no Rio de Janeiro. Em vez de um carioca perguntar para você se você curte futebol ou não, ele vai logo perguntando: "qual é seu time?". Atitude mais bovina que isso, impossível. Você tem quatro tipo de gados pra seguir: flamenguista, tricolor, botafoguense ou vascaíno (principalmente quando o Vasco voltou para a série A com uma ajuda $olidária de Eurico Miranda). Senão, você é uma vaca de presépio rejeitada por todo gado bovino.
Há também a direita irracional carioca, em parte manifesta pelos mesmos pseudo-esquerdistas de dez anos atrás, gente que já era reacionária feito um Diogo Mainardi mas era obrigada, pelas conveniências sociais, a elogiar Lula e se dizer fã de Ernesto Che Guevara. Mas o direitismo enrustido deu lugar a um reacionarismo doentio, estúpido e fora da realidade, em que o autoritarismo de seus seguidores é tão forte que eles querem submeter a realidade ao que seus julgamentos imaginários julgam e imaginam.
Esse pessoal adora ser o gado de Jair Bolsonaro e fica espalhando pelos quatro ventos que querem o militar presidente do Brasil. Sentem saudades do "espetáculo" dos tanques chegando à Central do Brasil, no dia 01 de abril de 1964 - as Forças Armadas creditam ao dia anterior, para evitar piadas maldosas sobre o Dia da Mentira - e acham que a intervenção militar "redemocratizará o país". Se esqueceram que a ditadura que ocorreu de 1964 a 1985 prejudicou até mesmo vários de seus apoiadores e mesmo na direita houve gente cassada, presa e torturada.
O maior reduto de trolagens - espécie de vandalismo ideologicamente neutro na Internet, mas que em vários casos serve de "laboratório" para futuros direitistas - , o Rio de Janeiro tem a juventude mais arrogante que defende com mãos de ferro o que é estabelecido pelo poder da mídia, da política, do mercado e da tecnocracia. Quem questionar o que "vem de cima" é visto como idiota. É no Rio que, volta e meia, internautas ultrarreacionários criam até blogues caluniosos, até que algum bom samaritano denuncie tais páginas para o Safernet ou para o Ministério Público.
Isso preocupa muito. São amostras desse comportamento bovino que não acredito ser de todos os cariocas e fluminenses, mas partem de uma facção influente e dominante, ainda que relativamente minoritária, que sobrevive por que não temos reações organizadas contra eles.
Daqui a pouco, vão dizer que carioca aceita tomar sopa com mosca morta dentro só porque a gerência decidiu assim. Ou então vão cariocas tomando até cicuta (um tipo famoso de veneno, que teria matado o filósofo Sócrates) e se limitando a discutir animadamente apenas o tipo de sabor da bebida, sem questionar sequer a função venenosa do perigoso líquido.
Até mesmo o grupo político que domina, o de Eduardo Paes, Luiz Fernando Pezão e Sérgio Cabral Filho é o tipo que mais agrada os "cariocas bovinos". Para um Estado que se tornou o maior reduto do narcotráfico, da contravenção e das milícias, para compensar o coronelismo que aparentemente "inexiste" no Rio de Janeiro, um cenário político "fisiológico" se prospera nesse vazio de valores, e mesmo as alternativas políticas não ajudam, como o "fisiológico" mais à direita, César Maia, e o corrupto Anthony Garotinho.
Seria muito bom que houvesse reação das pessoas a todos esses absurdos. Uma reação organizada, contestatória que mostrasse que o verdadeiro carioca não é "mais um no gado", que não aceita as coisas mais abomináveis só porque "vêm de cima" e foram "testadas" ou "aprovadas" por supostas autoridades ou pelo mercado.
Se nem o Nordeste é mais tão "bovino" quanto antes, por que os cariocas têm que aceitar comodamente as coisas, só porque vieram de pessoas supostamente dotadas de alguma autoridade ou especialização, ou porque o mercado "comprovou" um (hipotético) sucesso?
Espera-se que neste ano os cariocas reajam a todo esse arbítrio, porque são atitudes "bovinas" como essas que transformam o Rio de Janeiro num Estado mais provinciano, destoando completamente de sua reputação e tradição (hoje infelizmente muito abalada) de referência de modernidade para todo o país, tornando-se um lugar "mofado", velho e decadente por causa desses absurdos todos.
Os verdadeiros cariocas, portanto, deveriam reagir a essa condição de "bovinos" que uma parcela influente de seus conterrâneos deseja para todo o Estado do Rio de Janeiro. Protestar na mídia, mas ruas, na Internet e chamar outras pessoas para reagirem. Ninguém ganha sendo "mais um no gado".
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