A década de 90 foi a década perdida no Brasil. Pouca gente percebe, até porque muitos viveram a euforia comparável ao dos estadunidenses da Era Reagan ou mesmo da euforia financeira pré-colapso de 1929 os chamados "Ruidosos Anos 90" (Roaring Twenties).
No rock, a coisa não foi diferente. Se tudo de ruim e corrompido, mas "rentável" e até "divertido" vindo dos anos 90, com seus músicos e cantores canastrões, políticos neoliberais corruptos, empresários gananciosos e mídia totalitária, deixou saudades em muitos incautos "bovinos", não é exceção o lamentável cenário roqueiro que tomou conta da década noventista.
Eu confesso que tentei verificar as bandas novas surgidas na década, mesmo em eventos do chamado rock de garagem que ocorriam em Salvador, onde morava na época, e as referências musicais eram primárias. Guns N'Roses, Nirvana, Faith No More, gente que, independente da qualidade, povoava o hit-parade roqueiro, o que não acrescenta muito na formação de novos roqueiros.
ÓTIMO MOMENTO?
Afinal, é tudo mais do mesmo. E tudo culpa de rádios supostamente roqueiras, com locutores animadinhos mas sem muita especialização no gênero, que surgiram do nada por influência do Rock In Rio e de uma indústria de eventos que escolhia qual rádio deveria assumir o rock, não vendo a competência e sim o departamento comercial.
E aí, o que tivemos? Rádios de hit-parade com vitrolão roqueiro. Igual ao que se tenta reviver hoje, com a dupla emoneja 89 FM / Rádio Cidade, que só divulgam os tais "sucessos" roqueiros. A desculpa para se endeusar essas "rádios rock" se dá por causa da degradação cultural tão extrema que um popirroque chinfrim é "melhor do que nada".
É aquela mania: justificar a validade do ruim pela existência do pior. Isso num país tomado de memória curta, de "jeitinho", de vontade "bovina", e de uma simbiose estranha entre o politicamente correto e a cultura trash que gerou a onda da bregalização defendida por intelectuais "bacanas".
Passado o oba-oba que endeusava a breguice generalizada até por meio de monografias e documentários, agora vamos enfrentar o roquinho burocrático que predominou nos anos 90, com bandas prometendo uma revolução sonora, mas fazendo sempre o mais do mesmo com algum barulho e muitos sorrisos arreganhados.
E aí chegam os jornalistas e vão falando do "ótimo momento" que acreditam estar próximo de vir para o rock. Com muito exagero, chegam mesmo a dizer que a cena será comparável aos anos 80 e ficam fazendo apostas a cada semana sobre qual vai ser a "maior sensação do Rock Brasil".
A CENA DOS ANOS 90 NÃO FOI AQUELA MARAVILHA TODA
E aí houve quem definisse a cena dos anos 90 como "genial", "profícua" e "muito popular". Nem aquilo, nem isso, nem isto. Não é desaforo nem pessimismo, pois isso pode ser constatado por motivos bem simples.
Primeiro, porque o rock dos anos 90 se servia puramente de hit-parade roqueiro, sem oferecer um diferencial criativo. Isso foi uma queda de qualidade, comparado com a geração 80 que queria romper com os excessos do rock progressivo numa época em que havia punk e pós-punk. A geração 90 não quis romper com a mesmice do poser, do grunge e do poppy punk e foi beber nessas fontes.
Segundo, apesar da grande quantidade de bandas, todas elas alvo do oba-oba da crítica musical e despejadas em programas "roqueiros" da MTV Brasil (quando ela pensava ser um "edifício-garagem"), elas não faziam coisa muito diferente, entre um roquinho pragmático dotado de mais humor do que música.
Terceiro, sua popularidade não era tanta assim. Isso era papo furado de crítico musical com rabo preso. As bandas apenas atingiam uma parcela de jovens abastados e pseudo-rebeldes, que precisavam apenas de catarse para seus hormônios juvenis. Só que era um quarto da juventude total, porque os outros 75% exerciam catarse com axé-music, "pagode", "funk" e "sertanejo".
O QUE REALMENTE ACONTECEU
A mídia dedicada ao rock declinou porque os jornalistas e radialistas que realmente entendiam do ramo foram afastados, dando lugar a "aventureiros" que davam seu pitaco naquilo que não entendiam. A decadência da Bizz, que virou um antro de punheteiros hit-parade sob a batuta de André Forastieri, agravou demais as coisas e agravou o clientelismo na imprensa musical.
O jabaculê piorou. Com isso, aquele jornalista alternativo passou a elogiar o produtor tal para ganhar discos de graça de determinadas bandas. A "rádio rock" canastrona com seus locutores animadinhos caprichava no cardápio musical no fim de noite (quando os jornalistas musicais sintonizam a emissora) e colocavam nomes "mais difíceis" para arrancar elogios da imprensa.
Assim, por exemplo, a 89 FM transformava a programação diária numa matinê eletrônica com seus locutores engraçadinhos com voz irritante. Mas, à noite, criava programas "especializados" para colocar nomes nem tão obscuros assim, mas o suficiente para arrancar elogios dos jornalistas musicais.
Assim, por exemplo, alguns sucessos do Sonic Youth, Nine Inch Nails ou Nick Cave and The Bad Seeds, ou então alguma música mais "visceral" dos Lemonheads, era tocada lá pelas 21:30 em diante, para assim o jornalista antecipar na sua coluna em O Globo, Folha de São Paulo ou similar, o chamamento do público para a sintonia radiofônica.
Aí o pessoal fica com a falsa impressão de que essas "rádios rock" tocam Sonic Youth o tempo inteiro e sintonizam a programação matinal e vespertina e têm que aguentar locutores engraçadinhos, medalhões e bandas comerciais. Mas, de maneira "bovina", fica feliz acreditando que no mês seguinte o Sonic Youth vai aparecer nesses horários, o que quase nunca ocorre.
Tudo virou compadrio no cenário "roqueiro" dos anos 90. Os jornalistas elogiam os produtores. Os produtores elogiam os radialistas. Os radialistas se entrosam com os promotores de eventos. As bandas entram nesse processo elogiando ou sendo elogiadas por uns e outros (e os Uns e Outros entraram nessa, no começo daquela década).
"ESQUEMÃO"
Empresas promotoras de eventos. Rádios ditas "roqueiras". Jornalistas culturais. Músicos e cantores. MTV. Na era pré-Internet, todo esse esquemão dominava o clientelismo que dava a falsa impressão de que o rock estava em alta, entre 1990 e 2005, quando na verdade ele estava num desempenho pior do que a crise que atingiu o Rock Brasil depois do fim do Plano Cruzado.
Nos anos 90, o rock não era suficiente para barrar o caminho dos trios elétricos baianos que passaram a dominar o país, e a empurrar axé-music até em capitais antes hostis como Florianópolis e Porto Alegre. O rock não era suficiente para ter o apelo popular do brega-popularesco, que, com toda a canastrice irritante dos neo-bregas, pelo menos conseguia atrair grandes plateias.
O Rock Brasil dos anos 90 falava para o próprio umbigo. Nesse esquema clientelista, era proibido falar mal das bandas. Ostheobaldo era horrível, mas a crítica musical só poderia elogiar o grupo e apenas fazer algumas pequenas críticas (tipo "descontando o excesso de distorção sonora, o disco é bom"), para não desagradar o "esquemão".
Da mesma forma, um grupo que tentava fazer sucesso como os Virguloides - espécie de Sambô às avessas, pois os Virguloides eram uma banda que juntava um samba mal tocado a um rock ruim, e o Sambô junta um rock mal tocado a um samba ruim - não poderia ser sequer implicado por algum jornalista.
Senão, adeus discos gratuitos do Dinosaur Jr. e das Breeders! Adeus viagens para ver o Soundgarden tocando na Califórnia. Adeus camisetas transadas do NOFX e dos Misfits. É a alma do negócio elogiar bandas ruins do rock noventista.
Por isso, tudo era narcisismo, compadrismo, clientelismo. E hoje eles falam que o rock estava em alta nos anos 90. Não estava. E é justamente esse quadro que pretende voltar com essas rádios (não) especializadas em rock e seus locutores animadinhos. Tudo vai se repetir como farsa, com uma sucessão de bandinhas roqueiras que não deixarão marca alguma para a posteridade.
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