A revista Veja, nessa época, já era bem conservadora, mas como na imprensa da época, quando o Brasil vivia a campanha pela redemocratização, ainda havia espaço para reportagens objetivas e para o bom jornalismo, mesmo em veículos claramente reacionários.
É o caso de uma reportagem interessante publicada na revista, décadas antes de aderir ao mais rabugento e doentio reacionarismo, e que descreve uma pesquisa de pós-graduação em Antropologia que estudava a prostituição sem a glamourização claramente marqueteira dos acadêmicos da mesma área, hoje em dia.
A reportagem, intitulada "Sexo em Tese", relata o projeto de pós-graduação em Antropologia, promovido pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro e feito pela pesquisadora Maria Dulce Gaspar, hoje professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que depois lançou o livro baseado no trabalho, intitulado Garotas de Programa.
O trabalho vai muito longe da visão moralista e preconceituosa em relação às prostitutas, mas também não investe no "bom preconceito" dos intelectuais "bacanas" de hoje. A pesquisa buscou como foco o trabalho de prostitutas pelas ruas de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
A ANTROPÓLOGA, HOJE.
Acompanhando a rotina das prostitutas, Maria Dulce perguntava sobre a vida cotidiana das jovens, e observou que elas em maioria tinham, na época, entre 18 e 25 anos, trabalhavam de forma autônoma sem vínculo exclusivo com algum cafetão. Geralmente seus fregueses eram homens casados com mais de 35 anos de idade.
Várias prostitutas se comportam como moças normais fora do horário noturno em que comercializam o sexo. Vestem roupas da moda e se comportam de maneira discreta, enquanto as prostitutas tradicionais, pelo contrário, se vestem de maneira exagerada até mesmo fora de seu horario.
A maior parte das entrevistas afirmava que estava na prostituição de maneira provisória, ainda que as oportunidades de arrumar outro tipo de emprego fossem escassas. É uma visão bem mais realista, diferente do simulacro de militância que uma facção de prostitutas apreciada pela intelectualidade "bacana" faz hoje, transformando a função num "emprego permanente".
É claro que essa postura, com um quê de politicamente correta e falsamente progressista, que dá às prostitutas até estrutura sindical e rádio comunitária (tocando, é claro, música brega), visa tão somente interesses turísticos, para ter um quadro permanente de prostituição para garantir o recreio sexual de investidores casados ou até mesmo de intelectuais divorciados.
É o mesmo que se faz com as favelas, residências que deveriam ser provisórias, mas transformadas em "cenários permanentes", em pseudo-arquitetura pós-moderna, a alimentar o turismo das chamadas "paisagens de consumo" e garantir o paternalismo de supostos ativistas sociais, em boa parte financiados por gente como George Soros e os executivos das fundações Ford e Rockefeller.
Isso não se observa no trabalho de Maria Dulce, que buscou apenas um realismo neutro, sem sucumbir a tendenciosismos falsamente ativistas. O que ela realizou foi um trabalho acadêmico objetivo, pesquisando a prostituição através de personagens que contavam seus anseios, seus problemas, suas alegrias e suas frustrações.
A reportagem, por conseguinte, mostrava a objetividade jornalística tão rara hoje, mesmo se considerarmos que a imparcialidade é uma utopia inatingível, um jornalismo honesto que hoje ocorre apenas muito esporadicamente, escondido nos piores panfletos rancorosos da grande imprensa de hoje.
E pensar que esses tempos eram há três décadas atrás. Hoje a nossa realidade parece surreal, com jornalistas ultrarreacionários e intelectuais comprometidos com a degradação sócio-cultural das classes populares...
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