Ficou marcado, pela mídia esquerdista, o estigma negativo da ação, direta ou indireta, da intelectualidade "provocativa" que defendia a bregalização cultural e via na supremacia do "mau gosto popular" como seu ideal de cultura brasileira.
Pessoas como Paulo César Araújo, Pedro Alexandre Sanches, Denise Garcia, Eugênio Arantes Raggi e outros pareciam vinculados a um esquerdismo no qual nunca fizeram parte, porque todos eles pegaram carona numa onda de dissidentes da grande mídia que debandaram quando os grandes veículos de comunicação se tornaram abertamente reacionários.
Podemos admitir que pessoas como Paulo Henrique Amorim, os irmãos Paulo e Kiko Nogueira, Rodrigo Vianna, Marilene Felinto, Juremir Machado da Silva, Luís Nassif e Luiz Carlos Azenha sejam dissidentes da grande mídia que de fato se tornaram mídia de centro-esquerda, pela adesão sincera ao novo plano ideológico.
Mas a migração de andorinhas para um outro hemisfério ideológico contou com a carona de muitos corvos direitistas que, por alguma conveniência ou oportunismo, tentaram embarcar na onda da intelectualidade de esquerda para obter vantagens pessoais.
De Mário Kertèsz a Eugênio Raggi, a revoada de corvos midiáticos e intelectuais sob qualquer pretexto inclui uma facção de jornalistas, cientistas sociais, cineastas e outros "especialistas" que passaram seus conceitos e preconceitos - apesar de se autoproclamarem "sem preconceitos" - de suas visões etnocêntricas como deveria ser a cultura popular.
Gente que veio das Organizações Globo, da RBS sulista, da Folha de São Paulo e outros cenários midiáticos conservadores, mas que, em vez de mudarem o ponto de vista na mídia esquerdista, se fingiam de progressistas defendendo a degradação cultural no Brasil.
COMO A FOLHA DE SÃO PAULO "INVENTOU" OS "BACANAS" PRÓ-BREGA
Um pouco de memória não faz mal algum e desfazer a memória curta pode incomodar as pessoas tiradas de suas zonas de conforto, já que relembrar o passado pode representar a traição de muitas simpatias pessoais obtidas no momento recente, diante do vazio da lembrança do ontem.
Se observarmos bem, Paulo César Araújo, queira ele ou não, era um intelectual orgânico da Era FHC. Não há como escapar e ele que mantenha sua revolta contra a censura do "rei" Roberto Carlos e choramingue ao (procurar) saber que Zezé di Camargo & Luciano viraram "tucanos" e fazem covers das músicas do cantor capixaba, duetando até com o próprio.
Ele, Pedro Alexandre Sanches, Eugênio Raggi, Denise Garcia e muitos outros que apostam na bregalização do país e na manutenção da mediocrização cultural do povo pobre - amenizada com verbas federais (ou não seriam verbas repassadas por George Soros?) - , eram intelectuais orgânicos que seriam a comitiva cultural de um possível governo José Serra.
Mas houve um "acidente de percurso", que foi a crise do governo FHC, e já em 2001 os intelectuais orgânicos que faziam uma espécie de versão tropicalista e tardia do IPES (o "instituto" que defendeu "cientificamente" o golpe militar de 1964) tiveram que passar para o lado oposto e fingirem que são uma intelectualidade de centro-esquerda.
Só que todos eles tiveram sua formação ideológica na Folha de São Paulo ou num padrão universitário que era ditado pela ala "tucana" da USP e que criaram um padrão de raciocinar o futuro da cultura popular dentro de um modelo ideológico que mantivesse os padrões domesticadores da "cultura de massa" e reduzisse a cultura popular às leis do mercado capitalista.
Pedro Alexandre Sanches era o símbolo máximo disso e, se a memória curta queria fazê-lo o paradigma de "intelectual de esquerda", ele, no entanto, era um claro produto de um projeto nada esquerdista da Folha de São Paulo, conhecido veículo da direita midiática brasileira. Daí termos que relembrar os fatos e encaixar as peças do quebra-cabeças histórico.
Infiltrado em quase toda a mídia de esquerda ("passeou" pelas redações de Carta Capital, Caros Amigos e revista Fórum), Sanches era jornalista da Folha de São Paulo desde 1995. O que nos leva a desmascará-lo pelos fatos concretos através da combinação de detalhes "soltos".
José Arbex Jr., editor de Caros Amigos, havia detalhado o surgimento do Projeto Folha de Otávio Frias Filho, o chefão da FSP, em 1984, como forma de eliminar os vestígios de esquerdismo jornalístico de suas redações. O projeto era claramente neoliberal e se tornou ainda mais radical na década de 1990, quando tornou-se a base de apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Junta-se o histórico do "esquerdista" Sanches. Ele estudou na USP, no final dos anos 80, quando aprendeu as ideias de Fernando Henrique Cardoso, "líder" naquelas plagas, e depois, na década seguinte, entrou na Folha depois que a esquerda foi expurgada de lá. Nesse caminho todo, também teria aprendido as ideias de seu ídolo não-confesso, o historiador ianque Francis Fukuyama.
Sanches deixou claro seu apreço por Fukuyama. Não o apreço teórico, que provavelmente seria desmentido com falsos ataques (Sanches fazia falsos ataques à direita midiática para tentar agradar as esquerdas), mas o apreço orgânico, de ideias, de conteúdo, uma prática que vale mais do que todas as poses e declarações contrárias.
Sanches, que sonhava com um padrão de cultura brasileira vigente durante a ditadura militar - MPB para as elites, brega para o "povão" - , pregava que a era da MPB vigente até os anos 60 "acabou", lembrando uma tradução pós-tropicalista da visão de "fim da História" do historiador neoliberal.
Segundo ele, a MPB "tal como conhecíamos" acabou e agora o que se terá é a expansão do brega antigo, do "funk", do "sertanejo", do tecnobrega, do "forró eletrônico" e outros ritmos "do povão". A ordem é transformar a música brasileira numa Disneylândia, numa McDonalds. Não teremos mais Jackson do Pandeiro, nem Edu Lobo, Elza Soares e Chico Buarque deixarão seguidores.
Isso é Fukuyama puro. Por mais que Sanches depois escreva mil ataques verbais ao historiador ou xingue a mãe dele. Porque Sanches não consegue enganar com seu neoliberalismo cultural, o que ele quer é que a cultura "transbrasileira", como ele define sua ideologia, se fundamente no consumismo, no sensacionalismo e na polêmica, como no mais rasteiro pop comercial dos EUA.
Sanches até parece divulgador da Globo, porque o que ele promove como "revolucionário" hoje amanhã estará ao lado de Faustão, Fátima Bernardes, Luciano Huck e Ana Maria Braga. Foi assim com Gaby Amarantos e MC Guimê, que tiveram também o carinho da Veja e da Caras. Sem falar do caso Mr. Catra, que virou BFF de Luciano Huck (também BFF e, ao que parece, dublê de fonoaudiólogo de Aécio Neves).
TAVINHO, O "INTELECTUAL"
Culto e vaidoso, Otávio Frias Filho, o antigo chefe e mentor ideológico de Pedro Alexandre Sanches - que, nos seus falsos ataques à grande mídia, não chegou à covardia de atacar seu antigo patrão e mestre - , é autoproclamado um "importante intelectual" paulista que chegou mesmo a namorar uma conhecida atriz.
Frequentador do Instituto Millenium, Tavinho, como é conhecido, teria sido o mentor de um padrão de abordagem da cultura popular brasileira na imprensa, primeiro difundido pela grande mídia direitista, depois empurrado para a mídia de esquerda, em que a domesticação do povo pobre e o fortalecimento de intenções mercadológicas fossem os princípios fundamentais.
Ele intermediou uma visão neoliberal que era difundida por "pensadores da cultura" como Francisco Weffort e Sérgio Paulo Rouanet, que traduziram para o âmbito cultural as ideias de Fernando Henrique Cardoso e a forma como ela deveria ser difundida pela mídia.
Otávio Frias Filho criou um modelo de pensar a cultura brasileira - povo "cordeirinho" e submisso às regras de mercado - que mobilizou uma geração de professores, cientistas sociais, jornalistas e cineastas, produzindo de artigos e reportagens até documentários e monografias, criando uma "etnografia de mercado" que as conveniências erroneamente associaram ao esquerdismo.
Mas não era esquerdismo. Até pelo seu caráter neuroticamente neoliberal, que nem alegações como "autossuficiência das periferias" nem o apelo "populista" dessas elites intelectuais conseguem disfarçar. Todos seriam intelectuais orgânicos do PSDB não fosse a crise do racionamento que desgastou FHC e a eleição de Lula.
Pode até ser um Paulo César Araújo que se sente ofendido por ser chamado de "intelectual símbolo da Era FHC", ou um Eugênio Raggi que diz não ir com a cara de Aécio Neves, ou um Pedro Alexandre Sanches com obsessões de ser "o pensador máximo das esquerdas". Cada um esconde como quer a ponta do bico de tucano que cada um possui em suas caras.
Só que não adianta espernear, porque todo mundo está aí graças aos valores ideologicos que Otávio Frias Filho, simplificando a cartilha do PSDB, criou para a intelectualidade elitista dar seus pitacos na cultura popular brasileira.
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