Há trinta anos, ocorreu o primeiro Rock In Rio, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, um evento que, no contexto de provincianismo que até hoje atinge o Brasil, teve seus méritos transformadores. Afinal, era o primeiro grande festival dotado de uma grande estrutura administrativa e um complexo comercial que incluía sobretudo lanchonetes e que se tornou referência para nossos dias.
O evento, sabemos, foi marcado por atrações não necessariamente roqueiras, em boa parte desatualizadas e hoje datadas, que incluiu de um cantor de jazz fusion como Al Jarreau até um nome exótico mas no fundo inócuo, como Nina Hagen.
Em que pese uma parcial defasagem, o evento teve nomes de grande talento e que, embora veteranos, se tornam referência para as gerações atuais, em boa parte nem nascida e nem sequer nas barrigas de suas mães naquele ano de 1985: AC/DC, Iron Maiden e Ozzy Osbourne.
Tinha o Queen, com o carismático Freddie Mercury mostrando que entende de palco, interagindo prontamente com o público, e que compensou a ausência da banda no Rio de Janeiro três anos antes, quando foi se apresentar em São Paulo, quando a música "Love of My Life", em versão acústica, foi considerada definitiva pelo trecho cantado apenas pela plateia.
Havia também o grupo feminino Go-Go's, cujas integrantes são gatíssimas até hoje, e, de nacionais, nomes como Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens (o grupo ainda não havia abreviado seu nome e Leoni estava ainda na formação), Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso (este seguro em seu primeiro concerto para grandes plateias) se confirmaram com referencias nacionais até hoje.
A Blitz, do ator e cantor Evandro Mesquita e que tinha Fernanda Abreu (hoje conhecida por fazer lobby aos funqueiros) como uma das vocalistas, já havia vivido seu auge em 1984 e seus integrantes já estavam estressados com o sucesso, causando divergências. Mas o grupo ainda conseguiu manter o sucesso que o consagrou no Rock In Rio, mas meses depois se dissolveu, só levando muito tempo para retomar as atividades atuais (Fernanda não voltou, preferiu se manter solo).
O evento também marcou por ter sido um dos últimos dos B 52's com seu guitarrista fundador Ricky Wilson, bastante doente e que viria a falecer poucos meses depois, com apenas 32 anos de idade. A perda do músico foi dolorosa, principalmente para a irmã, Cindy Wilson, uma das vocalistas, mas o grupo tomou coragem e deu uma brilhante volta por cima fiel ao seu estilo.
OUTROS CONTEXTOS
O Brasil vivia ainda a fase terminal da ditadura militar, sob o governo do general João Figueiredo (nenhum parentesco comigo, apesar de eventuais piadas de colegas de escola), e o período nascido no turbulento abril de 1964 preparava seu melancólico fim causando uma crise maior do que aquela que prometia acabar.
O Rio de Janeiro, aliás, era governado pelo mesmo político que havia enfurecido os militares, Leonel Brizola, o mesmo que em 1961 havia liderado uma cadeia de rádio para garantir a posse de João Goulart para a presidência, garantia feita apenas sob a condição do parlamentarismo, num acordo com as forças direitistas.
E o primeiro dos Primeiro-Ministros de Jango, o mineiro Tancredo Neves (que os mais jovens conhecem como o avô do tucano Aécio Neves), foi o mesmo escolhido, por voto indireto, para presidir o Brasil em 1985, mas em março adoeceu e um mês depois faleceu, tendo que se contentar em ter chefiado o Executivo federal entre setembro de 1961 e junho de 1962.
Nessa época estava na moda os chamados yuppies, homens de em média 30 anos que glamourizavam o fato de terem uma profissão liberal ou serem sócios de empresas. São os mesmos homens que, hoje, lá pelos 60 e tantos anos, com suas esposas ou namoradas mais novas, pensam que são mais velhos do que realmente são, impressionados demais com seus cabelos brancos.
Nos tempos do Rock In Rio, esses homens estavam ocupados demais em escritórios, consultórios ou cursos de pós-graduação para frequentarem os festivais, mas, em que pese suas realizações profissionais terem deixado marcas positivas nas suas carreiras, eles parecem sentir ojeriza ou desprezo aos anos 80 e só vão a um festival musical similar quando puxados por seus filhos.
O empresário do Rock In Rio, Roberto Medina, da Artplan e detentor da marca do festival, por incrível que pareça é um empresário convencional, não um rebelde progressista. E seu irmão político, Rubem Medina, ainda havia trocado o PMDB pelo PDS, para complicar ainda mais as coisas.
Outro aspecto a constatar é que o evento, embora representasse um filão que tempos depois favoreceu a vinda de artistas de rock para o Brasil, não teve o patrocínio da Fluminense FM, importante rádio de rock do Grande Rio, mas da rádio popularesca 98 FM (a hoje extinta Beat 98), além da promoção da Rádio Cidade.
A Fluminense FM vivia seu auge de prestígio e popularidade, mas vivia péssima situação financeira e não recebia investimentos do Grupo Fluminense de Comunicação (que achava muito caro investir no crescimento da emissora). Isso estagnou a emissora e causou um sério prejuízo para o radialismo rock.
Isso porque o sucesso do Rock In Rio fez com que rádios pop pegassem carona no filão rock e virassem, anos depois, "rádios rock" sem qualquer linguagem apropriada para o gênero, rádios que são o inverso da Fluminense, com departamento comercial forte e de programação fraco.
A 89 FM de São Paulo, um dos produtos do sucesso do Rock In Rio e cujo dono foi um político da ARENA / PDS paulista, começou sendo apenas uma versão domesticada da Fluminense FM, mas já terminava a década de 1980 sendo uma rádio pop com vitrolão "roqueiro", praga que atualmente domina o radialismo rock no país.
Se antes a Fluminense FM tinha uma equipe de produtores e locutores com muita vivência no rock, mas tinha um departamento comercial deficiente e estéril, hoje as "rádios rock" possuem um departamento comercial impecável, mas seus produtores e locutores (estes com vozes afetadíssimas e irritantes) não têm vivência no rock e recebem o playlist pré-selecionado pelas gravadoras.
As "rádios rock" de hoje - 89 FM e Rádio Cidade e qualquer similar que aparecer - são preparadas para ter alta potência, estrutura para reportagens no exterior, publicidade ambiciosa e uma permuta com a Artplan e outras empresas congêneres. No entanto, não possuem qualquer vivência nem personalidade como rádios de rock.
Efeitos colaterais do Rock In Rio num país confuso como o Brasil.
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