Que coisa humilhante sofre hoje a Música Popular Brasileira. Há 50 anos, a sigla MPB tinha sua força, evocava um processo de resistência artístico-cultural naqueles anos em que a ditadura militar "botava pra quebrar", conforme a gíria da época. Os festivais de música que ocorreram entre 1966 e 1968 não deixavam mentir.
Mas hoje MPB se reduziu a um significado bastante mesquinho que, nas comunidades dedicadas à MPB, há quem demonstre admiração por Michael Sullivan - o homem que quis destruir a MPB, conforme denúncia recente de Alceu Valença - e por canastrões do neo-brega como Alexandre Pires e Chitãozinho & Xororó.
Isso porque, para esse pessoalzinho metido a sabichão, dotado de alto poder aquisitivo, alguma instrução universitária mas pouco ou nenhum entendimento do que REALMENTE é MPB, a sigla se limita a ser um couvert artístico, coisa de vestir paletó, cantar ou tocar num cenário bem iluminado e interpretas músicas românticas. Só.
Isso virou uma grande estupidez, e faz a festa para a multidão de canastrões que são despejadas todos os anos pelas rádios popularescas, desde os tempos da Era Collor. Muita canastrice que as pessoas vão se acostumando. E os canastrões mais antigos, diante de tanta queda de nível, parecem ser MPB, mas não são.
Mas o que é definir alguma coisa hoje? A Internet já está deixando de ser uma mídia de debates e discussão e as pessoas agora só querem fazer o Holiday on App, do qual definiremos depois. Tudo virou questão de curtir e escrever poucos comentários que hoje as pessoas não sabem mais coisa com coisa.
E fala-se de pessoas consideradas bem informadas, mas que dão suas amostras de incompreensão constrangedora. Imagine, uma pessoa com nível universitário não saber o que é realmente MPB. Acha que é uma combinação de bom vestuário, boa iluminação e plateias lotadas e algum romantismo. Que coisa!
Levamos 500 anos para desenvolver um rico patrimônio musical, trabalhado às custas de muito sangue - é bom saber que boa parte de nosso patrimônio musical é de negros e índios maltratados pelos colonizadores e pelas elites - para, no caso da música, tudo se reduzir a um repertório chinfrim de canções românticas tocadas em ambiente de luxo sob sorrisos arreganhados.
Que até nossas elites "ilustradas" andam colocando sorvete na testa - regada a vodca, para estimular os "deitaços" - até na hora de definir o que pensam que é a "verdadeira MPB", isso se sabe. Paciência, é o sinal dos tempos. Brasil mergulhado em modernização conservadora, entre a bregalização e os "coxinhas", a tecnocracia da "mobilidade urbana", a teocracia espiritualista, mídia golpista etc etc.
As pessoas nem sabem o que é música de qualidade. Só querem saber da "água com açúcar" supostamente "bem tocada" e "bem cantada" (no padrão oversinging do termo), que fale de relações positivas ou negativas de amor enquanto as pessoas comem, bebem e descansam durante a digestão.
Nada que acrescentasse algo às suas mentes, nada que somasse à cultura musical, nada que pudesse revelar verdadeiros talentos, porque os "verdadeiros talentos" se limitam a ser sub-artistas amestrados e "treinados", que apenas fazem o "dever de aula" como crooners muito bem ensaiados, que sabem até o momento certo de saudar a plateia, mas fazer boa música, que é bom, nada fazem.
Crise de valores, em que as pessoas passam a endeusar hoje o algoz abominável que aprontou alguma ontem, e, por isso, faz a gente pensar sobre que país vivemos. E se vemos que as pessoas aceitam qualquer canatrice sob o rótulo de MPB, então estamos perdidos. Tem muita gente merecendo lavar os ouvidos.
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