Infelizmente, há no Brasil a tendência de se admirar o arrivismo, visto como pretensa virtude a partir de um termo muito conhecido e de valor bastante pragmático, o "jeitinho brasileiro". É aquela coisa de dizer: "Trapaceio primeiro para conseguir o que eu quero e depois resolvo se vou ser honesto ou não".
Neste Brasil cheirando forte a mofo, com os netos da geração do "milagre brasileiro" esbanjando um culturalismo vira-lata enrustido - aquele que não é definido como tal, porque, para os 30% dos (de)formadores de opinião, tratam-se das "melhores coisas da vida" - , ser arrivista, ou seja, se ascender de forma desonesta ou inconveniente para atingir uma vantagem tida como "nobre", é sinônimo de "honra" e "superação", além de estar de acordo com os padrões de meritocracia aqui prevalentes.
Caso pioneiro foi em 1932, um suposto "médium" charlatão, publicando um livro que é pioneiro em literatura fake, uma coletânea de poemas pretensamente de "vários autores espirituais", lançado com "párnaso" no nome, uma mostra de como o Espiritismo brasileiro, de tão antiquado, assimilava uma tendência fora de moda, o Parnasianismo, em que pese o livro de poesias fake predominasse no estilo do Romantismo.
E aí o "médium" de Minas Gerais escalou as diversas etapas de seu caminho arrivista para se tornar um pretenso "símbolo da caridade e amor ao próximo", às custas de cartinhas fake creditadas a familiares mortos de pessoas comuns ou de um assistencialismo fajuto que fornecia poucos mantimentos que mal conseguiam se manter nas casas de famílias pobres numerosas, onde essa suposta caridade só faz a fome sair dessas casas por uns dois dias, para depois voltar mais forte do que nunca.
Outro caso de arrivismo envolveu o então prefeito de Salvador Mário Kertèsz, que armou um vergonhoso esquema de corrupção, desviando uma grande soma de dinheiro que seria de grandes obras de infraestrutura, para a sua fortuna pessoal, através da qual adquiriu ações em rádios, TVs e imprensa. Hoje ele se passa por "jornalista honesto", sem no entanto disfarçar o "culto à personalidade" que exerce na sua Rádio Metrópole, e, mesmo assim, ele é blindado de tal forma que é quase uma "vaca sagrada" da mídia baiana.
Mas isso pouco importa. Arrivista vira "deus" e o rol de pessoas desonestas que dão certo na vida revela um elenco de "iluminados" que não podem ser criticados, até porque possuem esperteza suficiente para defender a conquista do sucesso como se fosse um "trabalho limpo", já que até a forma com que se ascendeu na vida, além de engenhosa, é sempre destinada ao esquecimento.
"Os fins justificam os meios", dizia, de forma crítica, Niccolo Macchiavelli, o "nosso" Maquiavel, no livro O Príncipe. Os meios se tornam inconvenientes, desonestos ou oportunistas, mas, uma vez conquistado o objetivo, as trapaças caem no esquecimento e o vitorioso ilícito recebe aplausos efusivos e, não obstante, ovacionados.
Escrevo isso porque estava ouvindo a seção "Pra Que Serve?", do canal do crítico Régis Tadeu, admirável e consistente a maior parte do tempo, mas que decepciona às vezes. Neste caso a decepção foi quanto aos comentários sobre a subcelebridade Geisy Arruda, símbolo da mulher-objeto, que começou de maneira estranha, quase que como uma pegadinha.
Em outubro de 2009 - nessa época, eu fazia o blogue O Kylocyclo - , Geisy apareceu numa universidade na Grande São Paulo usando um vestido muito justo, que causou reação de indignação dos colegas. Embora as reações, violentas, tivessem sido injustas, a gente fica perguntando se Geisy, por outro lado, não teria sido esperta para produzir uma situação em que ela fosse vítima, se valendo sempre naquela ideia de não culpar a roupa feminina pela perversidade dos machos, seja pela tara sexual, seja pelo juízo de valor supostamente moralista.
Régis Tadeu achou o máximo Geisy Arruda transformar "limão em limonada" com o episódio, só que ela se tornou uma subcelebridade que explora um único assunto: sexo. Ou seja, se oferece para fazer o papel de mulher-objeto, o que não é tão nobre assim. Até porque o problema não está em explorar a sensualidade, mas usá-la como ÚNICO ASSUNTO, caraterizando a objetificação do corpo feminino, prática mascarada pela retórica da "liberdade do corpo", que escraviza as mentes femininas.
Há uma grande seletividade no senso crítico das pessoas. A flanelização sociocultural do Brasil é notória, com gente até possuindo algum senso crítico expressivo, mas em dado momento passa pano em alguém ou alguma coisa. A forma como Geisy Arruda se ascendeu na vida não é diferente, em essência, das Luísa Sonza e Virgínia Fonseca da vida, e até essas duas parecem "intelectuais" diante do vazio "sensual" da outra.
Para complicar mais as coisas, até quem não parecia arrivista passou a ser, com Lula fazendo uma campanha presidencial cheia de trapaças - como o desprezo aos concorrentes e a ausência em debates estratégicos de TV - , usando a frente ampla demais para facilitar sua vitória eleitoral. Agora ele paga a conta dessa aliança, com dificuldades de obter uma base aliada no Congresso Nacional.
Mas não se pode criticar Lula, para seus seguidores, traumatizados pela campanha da Lava Jato, Lula é o único que pode errar a vontade que ele sempre será considerado "correto". "Estratégia" virou eufemismo para todo erro que Lula comete e lhe traz, depois, uma vantagem política.
Eu ainda vou entender por que a sociedade brasileira é seletiva e deixa passar pessoas que usam métodos desonestos para vencer na vida, num país em que o mercado de trabalho, salvo exceções, está preferindo contratar comediantes do que trabalhadores competentes. Será porque certos arrivistas inspiram simpatia, trazem alguma qualidade mais agradável a um grande grupo de pessoas? Porque eles prometem a "liberdade", a "paz mundial", o "progresso humano", a "interatividade midiática"?
O que se sabe é que isso ocorre em função dos 30% de brasileiros que se acham "iluminados" e se definem como "a humanidade". A elite do atraso que não quer ser conhecida por este nome porque senão ela chora. Afinal, é a gente "mais legal do mundo", que sonha com um Brasil virando potência do Primeiro Mundo com uma estrutura sociocultural catastrófica e precarizada. Por isso, ela prega a estranha meritocracia dos que trapaçam para vencer e são aplaudidos de pé. Estranho Brasil...
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