O CANTOR OTTO, ÍCONE DO MANGUE BEAT, ENCANOU EM FAZER TRIBUTO AO ÍDOLO BREGA REGINALDO ROSSI.
A bregalização musical domina o Brasil e isso não é bom. É péssimo. É uma catástrofe cultural e não é por envolver, em tese, o povo pobre como suposto público-alvo. É porque a bregalização musical revela um viralatismo cultural associado a relações entre o bairrismo popular, a colonização cultural, o poder do coronelismo midiático nacional e regional e do comercialismo da chamada indústria cultural, que já ultrapassa os limites das grandes gravadoras.
A campanha do tal "combate ao preconceito" dos intelectuais da bregalização - comandada pela "santíssima trindade" de Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna, mas também sustentada por "coitadinhos" como o acadêmico Thiagsson e arrogantes porraloucas como Eugênio Raggi - fez o desserviço de deteriorar a cultura musical brasileira, enquanto idiotizava o povo pobre e o tirava de sua mobilização sociopolítica, isolando as esquerdas e abrindo caminho para a queda de Dilma Rousseff e a ascensão de Jair Bolsonaro.
Hoje nossa MPB está velha, morrendo aos poucos, com pelo menos três grandes nomes do mainstream emepebista falecido nos últimos meses: Gal Costa, Erasmo Carlos e Rita Lee. É coisa de fazer um mudo sair pela rua correndo com vontade de gritar com a voz que não tem. E o que temos de MPB contemporânea hoje compactua com a breguice reinante, até por sobrevivência econômica.
Afinal, não é a breguice musical a verdadeira coitada, apesar de tanta choradeira intelectual se queixando de suposto preconceito. Não. Toda a música brega-popularesca, dos primeiros ídolos cafonas do passado a tendências recentes como o arrocha, o piseiro e o "funk" atual com batida de lata de conservas, passando pelos pretensamente sofisticados axé-music, pagode romântico e "sertanejo" dos anos 1980-1990, é que detém o poder e é apoiado por grandes empresários, grandes fazendeiros e até por multinacionais e grandes chefões da mídia corporativa.
A Virada Cultural é uma boa ideia, mas torna-se um mercado usado pelo establishment brega-popularesco por dois motivos: reciclar os nomes da música popularesca que não conseguem retomar o sucesso comercial de antes, e dar a eles a falsa impressão de que seriam "não-comerciais", num contexto em que o terraplanismo cultural define, num erro propositalmente pejorativo, como "comercial' o Rock Brasil e a Bossa Nova, demonizado pelos fascistas mirins das redes sociais.
Na edição da Virada Cultural de 2023, há pouca MPB no sentido robusto do termo. MPB sem risco de hibridismos bregas, só poucos, como Ivan Lins, Tom Zé (este no clima de luto pela perda da amiga Rita Lee, sua parceira na música "2001") e Alceu Valença (que denunciou o esquema do hoje "gênio injustiçado" Michael Sullivan em destruir a MPB).
A maioria dos emepebistas, surgida a partir dos anos 1990, em que pese o talento indiscutível, eventualmente compactuam com a breguice reinante, até para furar o cerco do mercado fechado. Nomes como Maria Rita Mariano, Céu e, principalmente, um Otto que trocou o mangue beat pelo tributo ao ídolo brega Reginaldo Rossi, são mais "receptivos" aos ídolos popularescos, porque necessitam tocar em lugares onde o acesso da MPB autêntica é proibido.
Nota-se que no mercado paralelo da Virada Cultural, em que nomes do popularesco que estão na "segunda divisão" do sucesso atual precisam sobreviver sob subsídios estatais, que há até a mentira descarada de certos cantores, como Luís Caldas e Leandro Lehart, de se julgarem "anticomerciais", quando sabemos que as músicas dos dois são tão comerciais quanto o neoliberalismo do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Até o grupo de "pagodão" baiano Psirico, sustentado pelos mais ricos empresários da axé-music em Salvador, vai se apresentar na Virada Cultural paulista, assim como uma cantora que faz tributo à ultracomercial Beyoncé Knowles, numa postura "colonizada" herdada de Gaby Amarantos que cumpriu o "mesmo papel" no Pará, há cerca de dez anos.
É preocupante a supremacia da música brega-popularesca, a multiplicação, feito um câncer, de seus ídolos, pelos quais há a ilusão de que verbas do Ministério da Cultura irão transformar, como no conto da Cinderela, a mediocridade musical brega-popularesca numa hipotética genialidade emepebista. Isso não vai ocorrer porque a música brega-popularesca é muito ruim e já se tentou emepebizar alguns ídolos brega-popularescos (alguns, depois, bolsonaristas declarados) e foi um fracasso.
Enquanto muitos insistem em acreditar num "culturalismo sem cultura", como um eufemismo para o trinômio jornalismo-propaganda-pedagogia para definir o culturalismo vira-lata, a bregalização cultural, com muito consumismo e nenhuma cidadania e nenhuma serventia cultural (no sentido de transmitir conhecimento e promover progresso social), tenta se passar por uma das "melhores coisas da vida" nas mentes da elite do atraso enrustida.
Mas quem observa bem as coisas e vê as atrações que prevalecem nas viradas culturais, fica questionando o sentido de Virada Cultural e pergunta se, em vez de "virada", não se poderia definir como "viralatismo cultural".
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