O mercado de trabalho, no Brasil, está ingressando numa situação louca, sob a qual, mesmo com ou sem rigor, não se contratam os profissionais certos. Coisa de fazer careca mudo sair desesperado correndo pela rua, arrancando os cabelos que não tem e gritando com a voz que não possui.
Num quadro em que jornalistas de grande talento são demitidos em massa e substituídos por novatos de vivência tão superficial quanto a de um influenciador digital de hoje em dia, e quando comediantes passam a levar a melhor em empregos sérios num contexto em que o politicamente correto está banindo o humor mais crítico. Hoje em dia, um livro como o Febeapá, coleção que estou lendo atualmente, de Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto, que teria 100 anos este ano), simplesmente seria boicotado pelas editoras
A vitória eleitoral de Lula só melhorou a barra dos 30% de brasileiros que votaram nele e integram uma classe média que se julga e autoproclama "predestinada" e "iluminada", a elite do bom atraso que se acha "esclarecida" e pensa que tem a verdade na palma de suas mãos (quando a única coisa que possuem é uma capacidade hercúlea de argumentar para blindar suas convicções meramente subjetivas e solipsistas).
São os 30% de "iluminados", de uma classe média abastada e medíocre, que ouve música brega-popularesca ou, quando muito, MPB mais inócua, e cultuam "médiuns espíritas" que são a mediocridade até no nome, com seus mortos fake e uma prática de caridade tão fajuta quanto a de Luciano Huck, uma "caridade" que blinda mais o suposto benfeitor, trazendo muito poucos, digamos quase nenhuns, benefícios para a população pobre que não integra essa "boa" sociedade.
O mercado de trabalho segue o ritmo do mercado literário tenta fugir de toda forma da transmissão crítica de Conhecimento e Saber (ambos em maiúsculas), criando modismos que vão de estudantes-vampiros a "livros para colorir", passando por cachorros com nomes de músicos, dramalhões de garotas perdidas em lagos e florestas sombrios, cavaleiros medievais atormentados e romances de novos autores independentes que soam pastiches de seriados ianques da Netflix e do HBO. Tudo com o objetivo de evitar que o cérebro exerça atividades "complexas" como o pensamento crítico.
Por um lado, se exige no emprego o conhecimento de aplicativos de Informática que ninguém ouviu falar. Você já tem experiência com Cuddle, SpiroSet, Navy X, Bubbleweb (exemplos inventados por mim, mas que podem valer nas próximas ofertas de emprego)? E aí lhe pedem uma redação sem especificar o tema, você se esforça, escreve bem e não é aproveitado no emprego.
É como um homem conquistar uma mulher hoje em dia. Não se pode elogiá-la, não se pode ser sensível nem carinhoso, mas também tem que dar atenção a ela. Não pode ser sério, mas tem que ser viril, ou ao menos possuir uma barbinha esperta, ser o protetor e provedor, ser sócio de uma empresa, daí o Sebrae ser o "santo casamenteiro" dos homens brasileiros, num tempo em que as mulheres do mundo inteiro tem em George Clooney seu "santo casamenteiro". Qualquer mulher que aparece ou estabelece conexão com o marido de Amal Clooney desencalha sem demora.
A situação se complica quando se vê que comediantes agora conquistam posições sérias no mercado de trabalho, numa época em que o presidente da Ucrânia, país que Lula quer reconstruir antes do Brasil, é um comediante de stand up. Tomei conhecimento de um humorista de cerca de 40 e tantos anos, boa pinta, barbinha esperta, que alegou ter uma experiência jornalística invejável, um currículo que mais parece de um jornalista de 60 anos, e a estória bem contada teria lhe garantido um bom emprego.
E como falamos em Lula, ele quer mudar as regras dos concursos públicos, que já viveram tempos tenebrosos, quando se exigia conhecimentos de Direito para gente com apenas o ensino médio completo e cobrava Raciocínio Lógico até para funções como Jornalista e Técnico em Ciências Sociais, o que fazia com que quem levasse a melhor fossem formandos em Advocacia e Matemática.
As novas regras preverão mais etapas de seleção para novos servidores públicos, incluindo exames psicológicos, além de outros critérios mais rigorosos para avaliar a "competência profissional" do servidor. Ou seja, até para um simples trabalho que só exige especialização em Ciências Humanas se voltará a exigir, muito provavelmente, o Raciocínio Lógico, até para a Comunicação Social se exigirá mais saber operações de Álgebra do que dos elementos constituintes de uma notícia (como lide, por exemplo). Há um risco de haver critérios burocráticos mais complexos para admissão de servidores.
A proposta ainda está em estudo, mas como Lula está a serviço não ao povo em si - em que pese todo o discurso "em favor dos mais pobres" - , mas à "classe média de Oslo" (essa elite do bom atraso que se acha predestinada ao "paraíso na Terra"), então tudo poderá ir no sentido da meritocracia, não voltado necessariamente a quem é realmente competente, mas quem tem "muito jogo de cintura". O acesso ao serviço público poderá ser mais difícil.
Seja em critérios rigorosos mas flexíveis, o mercado de trabalho investe até em etarismo (sobretudo com base no mito fantasioso do trabalhador "com pouca idade e muita experiência") e na falácia do "espírito de equipe" (que faz colegas de trabalho andarem juntos que nem gado na hora do almoço, para comerem naquele restaurante caro que o salário do pobre funcionário não consegue cobrir direito) para selecionar os "mais capazes".
Vale até o "robô" atuar de maneira pândega de vez em quando, quando, no concurso público, a leitura ótica das folhas de respostas "escorrega" de vez em quando, de forma com que aqueles que, com muita intuição e atenção, juram ter acertado 93% da prova, levam apenas 65% de gabarito e perdem, sob o consolo paliativo de "dormirem" na lista de espera dos "cadastros" até que a validade do concurso se encerre de vez.
Nas provas de concurso público, esqueça a regra de que dois mais dois se igualam a quatro. O caminho é complexo e o resultado é inesperado, pois, para o espírito da burocracia meritocrática pode afirmar que dois mais dois é 2,99999992, enquanto a maquininha de leitura ótica parece ter vindo de uma rodada de cerveja antes de verificar digitalmente as folhas de respostas das provas.
Parece haver algum critério surreal no qual o mercado de trabalho favorece quem não precisa, como humoristas que trabalham com Jornalismo, quando poderiam viver como influenciadores e monetizar com suas piadas, ou por "atletas de concurso público" que, com um emprego estável num Ministério Público da vida, arriscam uma prova do IPHAN só para "sacanear", são aprovados, passam a servir a autarquia e vão falar mal do trabalho nas redes sociais.
O que resta para quem sabe trabalhar, que espera uma oferta de emprego que combine simplicidade com competência e não exija coisas fora da realidade e do preparo mental de alguém? Empregos de telemarketing cujo expediente vai a altas horas da noite, com pouca ou nenhuma remuneração? Empregos em empresas corruptas, cujos donos, arrivistas, precisam de gente realmente talentosa que faça o que estes patrões não têm a menor capacidade de fazer?
A situação do Brasil está ficando pior porque as vantagens sempre caem nos 30%, na classe média abastada cujos avós pediram a queda de João Goulart, o AI-5 e o "milagre brasileiro" e inspiraram as pessoas a pedir o "Fora Dilma", para em seguida voltar atrás e sentir obsessão por um Lula domesticado pela Faria Lima e que finge ser o "esquerdão corajoso" que mais fala do que age, preocupado em ajudar outros países enquanto o nosso país ainda sente as chagas do pesadelo bolsonarista que só as pessoas que estão fora da "boa" sociedade conseguiram sentir de verdade.
Já a "boa" sociedade, não. Ela sempre viveu a doce vida, sob Médici e Geisel, sob Collor e FHC, sob Lula e Dilma, sob Temer e Bolsonaro. Nunca sofreu de verdade, apesar de se achar dona dos pobres e se julgar "tudóloga" e predestinada a "tudo de bom" que seus confortáveis privilégios da elite abastada e mediocrizada que é podem lhe oferecer. E até elas levarão a melhor no serviço público, estando de acordo com a burocracia existente.
Cérebro só serve para dizer "sim" e contar piadas, num país em que espertos e comediantes sempre se dão bem, sob a luz artificial da meritocracia e da burocracia.
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