Foi exagerada a declaração do economista-chefe do Instituto Internacional de Finanças (IIF), o estadunidense Robin Brooks, de que o Brasil será a "Suíça da América Latina". "O Brasil está a caminho de se tornar a Suíça da América Latina. Está surgindo um enorme superávit comercial, diferente de qualquer outro país da região. Isso vai dar ao Brasil estabilidade externa e uma moeda forte, diferente do resto da América Latina. O Brasil será a âncora da região...", declarou Brooks.
A reconstrução do Brasil, na narrativa das esquerdas médias, parece ter ido rápido demais. Uma reconstrução que nem começou e já acabou. É uma narrativa precipitada, vaga e especulativa, mas ela faz muita gente dormir tranquila a ponto de poucos quererem parar para pensar e ler textos realistas como este aqui.
É um cenário confuso no qual o governo Lula enfrenta brigas internas - como no caso da exploração de petróleo na Amazônia - e as relações problemáticas do Congresso Nacional, só excetuadas pela aprovação do arcabouço fiscal.
Claro que alguma coisa é feita: queda do preço dos automóveis para movimentar a indústria automotiva (embora sob o preço de provocar mais congestionamentos nas ruas e avenidas), incentivos à reindustriaização, fim da dolarização dos combustíveis, relativa ajuda salarial (R$ 1.320 mais os R$ 672 do Bolsa Família) e controle dos preços, que ainda não caíram de maneira definitiva.
No entanto, muita calma nesta hora. O Brasil precisa resolver pendências socioculturais bastante profundas, já que os resíduos socioculturais existentes remetem não apenas ao bolsonarismo, mas a governos socialmente conservadores que vão da Era Geisel à Era FHC.
A mediocridade artístico-cultural é gritante, as convulsões sociais, o machismo estrutural presente até na sexualização do corpo feminino, a bregalização musical, o pobrismo (a tranformação da miséria em "identidade" em vez de problema), tudo isso faz o Brasil mais próximo de uma republiqueta bananeira do que de uma Suíça dos trópicos.
Para os 30% que já vivem privilégios significativos, podem passear de SUV em todo o Brasil, podem viajar de avião para Paris como quem pega um ônibus da Praça 15 para o Rio Comprido, no Rio de Janeiro, tanto faz toda uma cosmética de desenvolvimento: centros históricos de cidades arrumados, moeda estável, bares, restaurantes e boates da moda, tecnologia de ponta para Internet, entretenimento pleno.
Mas o buraco é mais embaixo e o povo pobre não é um bando de bichinhos a serem julgados pelo solipsismo pedante da "classe média de Oslo" (ou não seria "classe média de Zurique"?). O povo pobre pensa, age, deseja, protesta, pede, e não é o povo pobre das propagandas políticas do PT. É um povo pobre que vai além da propaganda política, do Instagram, das novelas de televisão, da carnavalização identitária da música brega-popularesca etc.
Por isso é que o Brasil ainda não será a "Suíça latino-americana". A questão não é só econômica, política ou sociológica. Tem a ver com problemas sociais, culturais, educacionais. Mas a "classe média de Oslo" com seu português mal-falado recheado de "dialetos" em inglês - body, dog, boy, bullying etc - e fala expressões horrorosas como "balada" (no sentido de agitos noturnos) e "forçação" (um falso neologismo que força a barra com dois estranhos "ç") não tem como ficar apitando.
Essa elite é que tem que baixar a crista e aceitar abordagens realistas e pensar nos problemas do Brasil, que não estão "magicamente" resolvidos só porque Lula está no poder. Não há como virar a Suíça latino-americana se o Brasil não tem um quadro social, cultural e educacional que fossem compatíveis com os padrões do mencionado país europeu. Deixemos de fantasia, vergonha gente bem crescida e até idosa acreditar no Brasil como a Cinderela dos trópicos.
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