Tentando ser grandioso demais, desde a campanha presidencial, Lula acaba obtendo o efeito contrário, perdendo boa parte do carisma conquistado por uma trajetória progressista que hoje esbarra numa confusão de contradições, pretensiosismo e alianças com uma frente ampla demais.
No começo do seu atual mandato, Lula cometeu o erro grotesco de priorizar a política externa e viajou tanto que, por conta disso, ganhou dois presentes amargos: o aumento do desemprego nos três primeiros meses de seu governo e uma cara feia das autoridades dos EUA por conta das posições que Lula manifestou nos casos do conflito Rússia x Ucrânia e da ascensão da China como potência econômica e uma das estrelas da chamada multipolaridade geopolítica.
Somente agora, depois de Lula se divertir muito nas viagens internacionais, é que o presidente brasileiro irá de fato governar. Mesmo assim, com medidas supervalorizadas e, lembremos, com mais uma viagem para fazer, já que Lula desistiu de desistir de comparecer à coroação do Rei Charles III da Inglaterra, no dia 06 de maio, aniversário do "santo casamenteiro" George Clooney (que, para quem não sabe, favorece a vida amorosa de quase toda mulher que aparecer ao lado dele).
Mas Lula não é o George Clooney nem o Brad Pitt brasileiro. Não vamos forçar a barra definindo Lula como um galã, ainda mais estando ele com aparência bastante envelhecida, mais velho do que sugerem os 78 anos (nos padrões de hoje, Lula aparenta ter 95 anos). Lula não tem que ser galã, sua tarefa é ser governante.
No evento do Vale do Anhangabaú, ontem, anunciado pelo pronunciamento em rede de rádio e TV no último domingo, Lula atraiu muita gente, mas não o suficiente para que fosse um evento histórico. Daí a morna repercussão do evento que contou com várias centrais sindicais na famosa praça do Centro de São Paulo, no Primeiro de Maio.
Sem mais a antiga cumplicidade com o povo que até 2018 dava demonstrações entusiasmadas de afeto, Lula, agora mais moderado do que antes da prisão, realizou o comício anunciando o novo salário mínimo de R$ 1.320 - supervalorizado até por técnicos do DIEESE, que definem o salário mínimo ideal como cinco vezes o oficial - , além do aumento de 9% para servidores públicos, e o lançamento de políticas para reajustar o salário mínimo acima da inflação.
"Nós instituímos outra vez o aumento real do salário acima da inflação. Daqui pra frente, o trabalhador receberá, além da inflação, a média do crescimento do PIB, como nós fazíamos quando fui presidente. Quando o salário mínimo aumenta, quem ganha não é só o trabalhador que ganha o mínimo. Porque o trabalhador, tendo mais dinheiro, compra mais. O comércio vai gerar emprego e vai encomendar coisa da indústria. A indústria vai gerar emprego e a roda gigante da economia começa a girar. Até os mais ricos ganham com o aumento do salário mínimo", disse Lula no seu discurso.
Lula fez um discurso de quinze minutos, num evento que teve também discursos de lideranças sindicais e atrações musicais. Mas o evento demonstrou que os tempos do Lula como líder sindical são coisa do passado.
Por medidas de segurança, Lula ficou distante da plateia, separada do palco por um cercadinho. Alguns participantes reclamaram da medida, alegando serem tratados como "gado", mas a separação é uma medida acertada, ante a ameaça bolsonarista que ainda existe em todo o Brasil.
Lula também fez críticas aos juros altos do Banco Central, e prometeu uma contrarreforma trabalhista "fatiada", para permitir aprovação no Congresso Nacional. Também anunciou novos empregos para obras de infraestrutura que serão retomadas pelo Governo Federal.
Não foi um Primeiro de Maio histórico e a comemoração dos 80 anos de criação da Consolidação das Leis Trabalhistas, a lei de Getúlio Vargas que foi ferida de morte por Michel Temer, mas que não irá retornar em toda sua essência, foi bastante morna.
Mas espera-se que, ao menos, Lula recupere os patamares moderados de relativo êxito econômico, sem sonhar demais. A reconstrução do Brasil não permite colocar o país no Primeiro Mundo, diante dos retrocessos que não ocorreram só sob Temer e Jair Bolsonaro, mas bem antes, sob a ditadura militar e sob governos neoliberais como os de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, com reflexos até mesmo na cultura e no entretenimento populares.
Dificilmente o Brasil irá para o Primeiro Mundo, com bregalização cultural, obscurantismo religioso e a supremacia do lazer tóxico da idiotização na vida noturna, do fanatismo pelo futebol e da mesmice mainstream das redes sociais. Mas se o Brasil tiver algum relativo desenvolvimento econômico e social, devemos dar um leve sorriso, nada que fosse a "felicidade plena" do imaginário lulista. O momento é menos sonho e mais realidade.
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