Infelizmente, as esquerdas médias, ou esquerdas mainstream, estão voltando a assumir abertamente o culturalismo vira-lata da defesa da bregalização cultural, num contexto em que o rapper Filipe Ret, multado pela Operaçao Lei Seca, tem apreendido um carro avaliado em R$ 3 milhões e quando o artista pernambucano Otto troca o mangue beat pelo tributo ao ídolo brega Reginaldo Rossi.
A bregalização possui um poderoso lobby que envolve poderosos empresários, grandes fazendeiros, chefões da grande mídia, representantes de empresas multinacionais, comprometidos em promover um culturalismo pelo qual o povo pobre é feito refém de sua própria mediocridade, através de músicas comerciais de concepção artístico-cultural bastante precarizadas, sob diversos aspectos.
Que fosse um plano a ser executado pela mídia conservadora e respaldado pela direita moderada, faz um enorme sentido. O grande problema é que as esquerdas acabam também apoiando esse viralatismo cultural enrustido, por parecer desprovido de uma retórica abertamente raivosa e por apresentar uma imagem supostamente positiva do povo pobre.
A pobreza deixa de ser vista como um problema para se tornar uma "identidade". Nossas esquerdas médias agem com muita hipocrisia, e por isso importam as ideias identitárias do direitista "neoliberalismo progressista", que combina valores econômicos conservadores e antipopulares com um culturalismo identitário relativamente libertário. Todavia, essas ideias, que nos EUA são próprias de quem apoia o Partido Democrata, são adaptadas aqui como se fossem do "mais puro esquerdismo socialista".
A bregalização, foco prioritário da campanha do dito "combate ao preconceito", é apenas o principal e mais problemático elemento desse "neoliberalismo progressista" à brasileira, pois gourmetiza a mediocridade cultural e transforma os problemas próprios da pobreza em pretensas "identidades culturais", e medidas que seriam "males necessários" para geração de renda, como o comércio clandestino e a prostituição, são tratados como se fossem "processos de autoafirmação social".
Sim, essa é a tal farsa do "combate ao preconceito", que transforma as favelas, antes um sério problema habitacional, em "aldeias pós-modernas". É um discurso difundido por antropólogos, historiadores, jornalistas culturais, cineastas de documentários, ou seja, a "nata" da intelectualidade "bacana", uma elite que se acha "a mais legal do país" e é composta por burgueses politicamente corretos que pensam ser "mais povo que o povo" e se julgam "especialistas em povo pobre".
Essa elite faz parte dos 30% dos (de)formadores de opinião, a "boa" sociedade que se acha dona da verdade, dona do mundo, dona do futuro, dona da História, dona do povo pobre. Só porque possui muito dinheiro - embora, admitimos, abaixo do grande empresariado e do setor financeiro - e algum consumo de entretenimento cultural, essa elite do atraso enrustida acha que tem o mundo na palma de suas mãos.
É triste ver que essa "generosa" elite ainda se gaba em achar ótimo ver pobres dançando e rebolando de maneira caricatural, reduzidos a algo não muito diferente de miquinhos de realejo ou bichinhos fazendo gracinhas no Instagram. Afinal, sob a mesma lógica do título da marchinha "Índio quer apito", os favelados apreciados pela nossa intelligentzia não são mais do que projeções ideológicas partidas de atrações como novelas televisivas e programas humorísticos, mostrando um povo pobre estranhamente "feliz".
Caindo no canto de sereia da intelectualidade "bacana", que ajuda a pagar as rodadas de cervejas dos esquerdistas de plantão, as esquerdas, confundindo "direitismo não-raivoso" com "esquerdismo democrático", caem nessa narrativa da bregalização, exaltando a mediocridade musical de diversos matizes enquanto trata o povo pobre como uma "tribo", que "até merece" receber muito dinheiro, ter o consumismo estimulado e ter medidas de infraestrutura atendidas (como saneamento básico, energia elétrica e Internet mais moderna), mas desde que mantenha a pobreza simbólica.
A pobreza simbólica se refere à estética da pobreza, à inferioridade social marcada pelas casas de construção precária, pelo ranço suburbano das comunidades, pela baixa escolaridade, pelo comportamento grotesco e outros aspectos simbólicos similares.
Só que aceitar isso não é romper o preconceito. É o contrário disso tudo. E ver que essa linha de pensamento pequeno-burguesa está voltando é como o cachorro correndo atrás do seu próprio rabo. Foi esse culturalismo pró-brega que fez Dilma Rousseff cair, enquanto as esquerdas falaram sozinhas porque o povo foi se divertir com o "funk", o tecnobrega, o brega do passado, a axé-music etc. Vamos repetir a mesma tragédia de apoiar a bregalização e deixar que um novo golpe tome conta do Brasil?
Pensemos nisso.
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