Se achar o "cara mais legal do mundo", só porque ganha mais de R$ 10 mil por mês, tem carrão do ano, tem mais de 10 mil seguidores no Instagram dos quais uns 400 ou 500 sempre concordam com o que o cara pensa, não o faz com autoridade para julgar o mundo e muito menos a realidade dos fatos.
Para mim, nunca fui obrigado a ser o "cara mais legal do mundo". Quando eu fazia o Mingau de Aço, meu blogue era o "patinho feio" da mídia esquerdista. Para lacrar, eu tinha que falar bem do "funk" e exaltar a bregalização cultural, caso contrário teria dificuldade de atrair mais leitores.
Se eu não acho "Evidências" e "Um Dia de Domingo" clássicos da música brasileira, se eu não gosto de cerveja, se eu não desejo a loura do Tchan para namorar, se eu, formando uma banda de rock, me recuso a mandar demo para a Rádio Cidade ou 89 FM e se não ponho frases de "médiuns" mistificadores para "alegrar o dia" e, muito menos, se eu não curto futebol, então eu sou a última pessoa a ser considerada "legal" no Brasil, onde a regra, para lacrar e agregar, é querer "tomar no cool" mesmo.
A arrogância de uma elite que queria se esconder na multidão e que, agora, ao ser desmascarada, dá piti e manifesta seu horror ao senso crítico reflete um DNA golpista que corre nos sangues dos que agora se autoproclamam "democráticos", "gente como a gente" e até "de esquerda".
A felicidade, mesmo tóxica, está nas mãos de uns poucos, que apenas "abriram a rodinha" para alguns pobres estereotipados identitaristas, concretizando a "partilha do bolo" nos padrões sonhados pelos seus avós que defenderam o golpe de 1964 e foram premiados pelas benesses do "milagre brasileiro".
PARA A ELITE DO BOM ATRASO, O PARAÍSO FOI ALCANÇADO
Agora que, para os olhos da elite do bom atraso, a burguesia repaginada na "classe mais legal do planeta", o paraíso foi alcançado em novembro de 2022, quando Lula foi eleito presidente depois que o petista teve que negociar sua soltura com a direita moderada, representada juridicamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Não podemos questionar isso sem sofrer cancelamento. Para lacrar, temos que acreditar que a fantasia vale mais do que a realidade, sobre a desculpa de que o sonho intervém no realismo. A burguesia de chinelos só quer ler textos otimistas e, por mais que se autoproclame "democrática" e "de centro-esquerda", seu DNA golpista continua correndo solto nos seus sangues quentes.
A submissão a instituições, marcas e personalidades supostamente consagradas, com base na ilusão de que a quantidade de apoio é necessariamente a manifestação da sabedoria, é ilustrativa. Daí que essa elite não aceita questionar relatórios. Batem o pé, arrogantes, dizendo que relatórios substituem a realidade, sim.
Isso é um medo inconsciente ou, talvez, até consciente, embora não assumido, de conhecer a verdade. Ver que o suposto sucesso do governo Lula não reflete nos cenários distópicos que se vê, por exemplo, nas Avenidas Rio Branco carioca e paulista, uma próxima da Candelária, outra da Estação da Luz, lugares onde miseráveis não têm o chão simbólico de suas vidas e são forçados a morar no chão concreto das calçadas sujas, revoltados e desesperados.
Para eles, nem parece que o Governo Federal mudou de Jair Bolsonaro para Lula. Tudo para esse pessoal permanece a mesma tragédia. Os sem-teto do bairro de Santana, em São Paulo, os pobres revoltados que anoitecem nas calçadas sob os prédios da Avenida Ernâni do Amaral Peixoto, em Niterói, os infortunados que se drogam nos cantos da Rodoviária Novo Rio ou dos terminais Israel Pinheiro, em Belo Horizonte, e Rita Maria, em Florianópolis, os excluídos que furtam e assaltam pedestres na Rua Carlos Gomes, em Salvador.
Pergunta para essas pessoas se relatórios substituem a realidade. Eles nem sabem que relatórios são esses. E se descrevê-los para esses miseráveis - que, por mais maltrapilhos que pareçam, são seres humanos dignos de atenção - , eles não vão acreditar.
E aí vemos o quanto a "sociedade do amor" briga com os fatos. Boicota textos que não lhe agradam, mesmo que esses textos sejam avisos de uma catástrofe futura. Mas, até a casa do "bacana" ser atingida, por exemplo, por um temporal, ele vai bater os pés e achar que a advertência é "mimimi de alguém que não tem o que fazer na vida", e que o que o "cara legal" quer mesmo é ler coisas agradáveis, como dizer que "Lula vai transformar o Brasil na maior potência do Primeiro Mundo" em 2026.
O AI-5 continua batendo nesses corações "democráticos". A submissão às instituições a ponto de, sem sair de casa, acreditar que relatórios substituem a realidade concreta e que supostas pesquisas de opinião, que talvez mal chegam a interrogar umas dez pessoas (apesar do número declarado de "duas mil"), falam em nome de toda a população, é uma herança dos devaneios tecnocráticos das elites durante a Era Geisel.
A "boa" sociedade insiste em brigar com os fatos, porque quer ocultar seu passado. Para essa elite, é cômodo pedir para "esquecermos tudo" e "irmos em frente", exumarmos os cadáveres de índios, negros, mulheres, crianças e outros inocentes mortos por diversos motivos, sejam por movimentos bandeirantes, escravidões, ações do DOI-CODI, feminicídios, a opressão da fome e outros flagelos.
Por isso o DNA golpista bate ainda forte nesses corações burgueses. A censura a textos que fogem das narrativas oficiais e podem desestabilizar a ordem social que lutou para se estabelecer em abril de 1964 e, dez anos depois, "desenhou" o Brasil que agora conhecemos. Por isso essa elite tem fobia pelo senso crítico, que iria relembrar o passado que a burguesia atual quer esconder e cuja lembrança pode comprometer a conquista da felicidade plena desses privilegiados.
Daí o esforço hercúleo dessa elite em fazer prevalecer o sonho sobre a realidade. E a burguesia de chinelos dorme tranquila quando vê os proletários e camponeses abandonados e desacreditados e estudantes, em vez de se mobilizarem como em 1966-1968, agora estarem mais preocupados em contar piadas e se divertir como crianças de 12 anos no recreio escolar.
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