THE CLEVEL BAND - Bandinha de rock de bar chique, feita por empresários e dedicada à burguesia que de vez em quando brinca de ser rebelde.
Nada menos rebelde do que submeter o rock ao domínio e deleite do empresariado, esvaziando de vez a essência do gênero. E digo isso num dia posterior ao que, há 54 anos, perdemos Jimi Hendrix, um músico que praticamente reinventou o rock com seu talento peculiar de guitarrista, cantor e compositor.
É vergonhoso ver que nossa cultura está sob o controle do empresariado, seja ele do entretenimento, seja da mídia e seja das empresas patrocinadoras. Estamos num cenário de deterioração cultural pior do que o que se via justamente no começo dos anos 1970 ou, mais ainda, em relação a 1964, quando a burguesia que hoje se empodera se passando por "democrática" se empenhou em derrubar João Goulart.
Percebemos o quanto a Faria Lima define costumes, hábitos, crenças, gírias etc para o público jovem, que aceita tudo de bandeja como se esse culturalismo farialimeiro fosse tão fluente quanto o ar que respiramos. E é assustador a comodidade e a naturalidade dos jovens de hoje, que parecem adolescentes ou, pior, até crianças pequenas quando ficam cantando aos berros os sucessos do trap, seja em plateias de eventos musicais, seja nas abusivas festas que perturbam o sono das pessoas que querem descansar.
Vemos uma "cultura popular" privatizada em tendências popularescas que, de tanto crescerem, se tornam totalitárias, expulsando a MPB de seus próprios espaços e deixando os emepebistas morrerem aos poucos, sem uma renovação musical que seja ligeiramente próxima do relevante. Enquanto isso, nomes popularescos se multiplicam como câncer terminal se espalhando por todos os cantos.
No rock, a coisa não é diferente. A burguesia boçal que adora os horrendos "parquiletes" (parklets), currais humanos que dão um aspecto falsamente californiano com aquele pretenso clima "Route 66" e a propaganda enganosa de que esses locais seriam "praças públicas e gratuitas" ("gratuitas" até elas serem totalmente ocupadas por gente pagante que usa os estabelecimentos mantenedores desses trambolhos, não existe almoço grátis), também é afeita a uma "cultura rock" pasteurizada que capricha na forma para esvaziar o conteúdo e a essência.
Podem os internautas virem com textões falando de roqueiros que se enriqueceram, de movimentos de rock que viraram "negócio", de músicos antigos de rock brigando de dinheiro etc. Não vão convencer essa coisa de aceitar que o rock seja tratado como um segmento de mercado da Faria Lima.
Também não vão convencer os "donos da verdade" que justificam a horrenda onda de "rádios rock" dos anos 1990, com seus locutores engraçadinhos ("loucutores"?) e o repertório só de hits, com seus mandamentos de que "rádio rock tem que vender" ou "rádio rock tem que interagir com o público jovem", porque esse falatório todo não tem pé nem cabeça, além de não contribuir para o desenvolvimento da cultura rock como um todo.
Vemos então que, lamentavelmente, a "maior rádio rock do Brasil", ou seja, o dito maior canal de expressão da rebeldia juvenil e da divulgação da cultura rock no nosso país é uma emissora comandada pelo chefão da Faria Lima e filho de um empresário apoiador da ditadura militar que fundou a tal rádio, a 89 FM, A Rádio Rockefeller.
Dá pena ver que, com essa onda de saudosismo do rock no Brasil, com direito a apresentação da formação clássica do Deep Purple, com a nova orientação de portais de rock em falar de informações biográficas da história do rock e, além disso, do retorno do Oasis, alguns bacaninhas espalharem nas redes sociais que estão com saudades da 89 FM.
A 89 FM foi muito fraca como rádio de rock. Só valia, mesmo, pelos programas específicos, aqueles programas que são transmitidos geralmente no fim de noite ou, às vezes, no fim de tarde de domingo, horários que destoam do clima de "matinê" que as programações diárias das "rádios rock" passaram a ter a partir do fim dos anos 1980, comandadas por locutores tão especializados em rock quanto Clodovil Hernandez foi um especialista em física nuclear.
Hoje em dia, roqueiro nem ouve mais rádio. Quando muito, alguns se arriscam a ouvir a Kiss FM, esforçada mas muito aquém das históricas rádios de rock dos anos 1980 que, até hoje, soam insuperáveis e insuperadas.
Desde 1991 os roqueiros do Rio de Janeiro não conseguem mais ouvir uma rádio à altura da Fluminense FM, se perdendo na zona de conforto do rock mainstream, de tal forma que, quando informamos a esse público que um ex-integrante da banda de shoegaze Ride, Andy Bell, integrou quietinho uma das formações do Oasis, é como se estivéssemos falando idioma eslavo para essa patota que acha que um medíocre Guns N'Roses faz "rock clássico".
A Fluminense FM pode ter tido um dono de origem udenista, Alberto Francisco Torres - homenageado pela avenida da Praia de Icaraí - , mas ele era tão liberal que a antiga Maldita abrigava profissionais que eram descendentes da geração que apoiou João Goulart.
E isso é muito diferente de uma 89 FM que apoiou a ditadura militar, com seus donos vivendo no colo político de Paulo Maluf, depois mamando das verbas do governo Collor nos anos 1990 - foi aí que a 89 se ascendeu de vez, sob as bênçãos do marajá das Alagoas - e cujo atual dono, João Camargo, não esconde seu poder de chefão das elites empresariais de São Paulo e apoia até as fortunas dos super-ricos.
Como um jovem vai canalizar sua rebeldia apoiando uma rádio dessas? Quando muito, esse jovem teve e terá que ver em nomes como Raimundos e Charlie Brown Jr., confusos na sua rebeldia tão sólida quanto um sal de cozinha dissolvido num copo d'água, únicas possibilidades de alguma contestação que, na prática, nada contesta senão a necessidade de contestar sobre os reais problemas da vida.
A privatização de tudo pela burguesia enrustida que controla a "democracia" atual brasileira é capaz de barbaridades como o brega vintage de Sullivan, Massadas, Chitãozinho, Xororó & É O Tchan, da falsa rebeldia do trap e seus milionários MC's (aspirantes a super-ricos?).
No rock, cria essa rebeldia de mentirinha que faz tiozões cheios da grana darem seus sorrisos cínicos e fazerem sinal de "capeta" com as mãos, enquanto promovem eventos caríssimos que são esses festivais de música que forçam os frequentadores terem que levar marmita ou lanche de casa para não pagar caro para comer e beber.
E ver que a Faria Lima foi brincar de rock a ponto de empresários montarem uma banda de rock, The Clevel Band, no Rock In Rio, tão rebelde quanto uma folhinha de árvore caindo pelo chão, é mais digno de lamento do que de alegria. Já nos basta o pop mal-disfarçado de rock do Jota Quest e o punk de araque Tatola, da 89 FM, com seus projetos tipo Não Religião e Essa Nem Liminha Ouviu.
Tudo um yuppismo muito mal disfarçado, fundamentando essa "cultura rock de coquetel" que elimina de vez qualquer chance de contestação roqueira visceral e original. E quem tem saudades da 89 FM é essa burguesia que finge ser roqueira, a elite on the rocks segurando com seus copos de Moët & Chandon enquanto cantam, sentados nos seus parquiletes, "Uouin' At De Ribo", versão balbuciada de "Proud Mary" do Creedence, cantada sob medida por quem não entende inglês direito mas é capaz de falar um portinglês do tipo "troquei meu boy por um dog e fui passear de bike pela city".
Com uma conduta roqueira assim, os "sertanejos" que dominam o Rock In Rio agradecem.
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