O Rio de Janeiro está decadente desde os anos 1990, mas a chamada opinião pública levou anos para admitir isso. "Capital" dos "tribunais de Internet", dos blogues ofensivos, das milícias, das máfias do jogo-do-bicho e do narcotráfico, reduto de jovens reacionários que ofendem quem discorda deles, a ex-Cidade Maravilhosa parece ter esperado três décadas para despejar sua dose de vômito acumulada desde o ressentimento sofrido em 1960, por ter deixado de ser capital do Brasil.
Nem o "consolo" da (con)fusão dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara, imposta pela ditadura militar em 1975, rebaixando a vizinha Niterói, antigo Eldorado do povo fluminense, em um balneário com jeito de roça - com direito a dois bairros vizinhos, Rio do Ouro e Várzea das Moças, que não possuem via de ligação direta entre si - , fez acalmar os ressentidos cariocas, que hoje se tornaram retrógrados e agressivos, compartilhando esse triste exemplo para o pessoal do resto do atual Grande Rio.
Giovanna Gold, atriz e modelo que foi um ícone dos anos 1980, deu uma amostra dessa situação decadente quando, após o luto da perda de um colega e amigo, o ator Roberto Frota, que contracenou com ela na novela Chiquititas, ela decidiu caminhar pela orla de Copacabana, na Zona Sul carioca, horas antes de ir ao crematório.
No caminho, ela foi xingada por um transeunte que não aceitava ver uma pessoa tocando a vida para a frente, mesmo numa situação de dor. Na sua visão estreita, o transeunte, desses que seguem o chamado "pragmatismo carioca" - a ilusão de que, piorando a curto prazo, se tornará melhor a longo prazo - , achava que Giovanna deveria ficar trancada em casa na situação do luto.
Giovanna, que não descarta deixar o Rio de Janeiro onde mora, fez o seguinte desabafo na postagem em que lamenta a morte de Roberto Frota:
"Ele (o transeunte) fez isso porque sou mulher, sou bonita, sou idosa e sou livre. Eu não suporto mais esse Rio de Janeiro agressivo do jeito que está. Recebi ofensas na Praia de Copacabana. Ele me xingou por que sou artista. Estou cansada de agressões. Estou cansada dessas coisas. O que está acontecendo com a humanidade? Quero ficar em silêncio. Não quero conviver com gente medíocre, burra. A morte do Frota é o fim. Fim de uma etapa feliz da minha vida em que trabalhei com anjos".
Com essa decadência, o Rio de Janeiro já está perdendo o status de capital cultural e lúdica do Brasil para São Paulo. A ex-Cidade Maravilhosa está se isolando do país, a exemplo do que também ocorre em Salvador, a "cidade dos homens" que está pagando caro pelo êxodo rural ignorado pelos recenseadores.
E é irônico que as duas antigas capitais do Brasil, Salvador e Rio de Janeiro, estejam hoje vivendo, cada uma ao seu modo, uma decadência em trágicas dimensões, o que mostra que nosso país não está bem, e que não adianta se refugiar no otimismo tóxico das redes sociais. A realidade cruel sempre aparece mesmo quando tem gente fazendo cara feia para o senso crítico. Foi, aliás, essa intolerância à visão alheia que está acabando com o Rio de Janeiro.
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