O caso do ex-ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, que virou notícia ao ser acusado pela colega Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, de assédio sexual, causou escândalo nos bastidores do governo Lula. Devido às acusações, por enquanto sob investigação, Sílvio, notável intelectual brasileiro dos últimos tempos, foi demitido do cargo e substituído interinamente por Esther Dweck.
Em que pese a relevância pessoal dos dois personagens e seus envolvimentos respectivos na luta pelos oprimidos, o escândalo, sem que indique um desfecho definitivo apesar de aparentemente sinalizar circunstâncias que atribuam culpa a Sílvio, o que se percebe é que as esquerdas médias e o contexto da aparente democracia brasileira dos últimos anos vivem circunstâncias bastante tóxicas de uma forma ou de outra.
É um cenário bastante complexo, que os próprios lulistas não querem admitir. Afinal, eles não aceitam a realidade de que o lulismo só conquistou o comando da República brasileira por empréstimo, pois o suposto protagonismo das esquerdas no cenário político atual foi oferecido de empréstimo pelas forças neoliberais ligadas ao Judiciário e politicamente representadas historicamente pelo PSDB original e pelo MDB dos tempos das Diretas Já.
Não podemos falar a verdade porque há setores da sociedade que boicotam mesmo os textos críticos, pois mesmo aqueles que se dizem esperar um "jornalismo autêntico" e fingem apoiar o pensamento crítico preferem, todavia, desejar que blogues como este entrem no clima do conto da Cinderela em vez de trazer uma visão fidedigna, porém desagradável, dos fatos.
O próprio Lula voltou ao poder dentro de um clima de estranhas alianças políticas que, em nome de vantagens políticas, que foram da vitória eleitoral à governabilidade, fizeram o presidente abrir mão de seus princípios e sacrificar o apoio de aliados, distanciando o petista da boa performance dos dois mandatos anteriores.
Hoje o que vemos é um faz-de-conta político, com o simulacro de "realizações" trazido por relatórios que, com estranhíssima facilidade, anunciam "façanhas" rápidas e imediatas demais para um Brasil considerado arruinado por Jair Bolsonaro e precisando de uma cuidadosa reconstrução.
Ver os lulistas agindo como turrões como crianças birrentas acreditando em contos de fadas, recusando-se a admitir que uma coisa são os relatórios fantásticos e outra coisa é a realidade concreta que está longe de concordar com tais documentos, é muito triste.
E aí a gente percebe o quanto o lulismo está contaminado, aqui e ali, por um clima tóxico, pois o suposto protagonismo das esquerdas brasileiras foi conquistado não sem fazer amplas concessões ao status quo aqui e ali, reduzindo o antigo projeto progressista de 2003-2010, já moderadíssimo se comparado com as ousadias de um Leonel Brizola e a grandeza de Getúlio Vargas.
Independente de darmos um parecer definitivo ao caso de Sílvio Almeida, embora fosse provável que o assédio teria ocorrido e o caso chegou ao conhecimento do movimento Me Too - que ganhou visibilidade quando a atriz Alyssa Milano denunciou os assédios do produtor Harvey Weinstein a atrizes de Hollywood - , de toda forma deve ter havido algum atrito entre os dois então integrantes da equipe ministerial de Lula.
É, portanto, uma situação bastante complicada, num cenário em que o suposto protagonismo das esquerdas brasileiras não esconde sua ênfase nas causas identitárias que mostram o quanto as esquerdas médias dão prioridade excessiva à pauta de costumes, em detrimento das causas trabalhistas que, hoje, Lula finge atender mas está desprezando e jogando em segundo plano.
E vemos o quanto o ministério de Lula já não priorizava um espírito de equipe - vide a vexaminosa mudança ocorrida, por exemplo, no Ministério dos Esportes - , tanto que no ato da posse, o presidente preferiu investir numa festa desnecessária que desperdiçou tempo para a "urgente reconstrução do Brasil", adiando as posses ministeriais que antes eram imediatamente exercidas após a posse presidencial.
Lula tentou levar vantagem quando decidiu demitir Sílvio Almeida, procurando marcar ponto entre as feministas. O presidente tentou, portanto, se projetar positivamente no episódio, mas no último Sete de Setembro, o petista saiu-se apagado assistindo ao habitual desfile do Dia da Pátria, já que anda perdendo popularidade a cada dia, apesar da euforia ruidosa do fã-clube lulista.
Além disso, Lula agora sofre as pressões da comunidade internacional diante dos conflitos entre a Argentina do fascista Javier Milei e a Venezuela de um Nicolás Maduro desejando mais um mandato. O Ocidente quer que Lula atue contra Maduro cuja tentativa de reeleição, ironicamente, pode refletir também nas pressões para que o próprio petista desista da reeleição. Quem mandou Lula se intrometer na geopolítica internacional?
Comentários
Postar um comentário