O festival Rock In Rio 2024 representa o apogeu de uma ordem social que se ascendeu em 1964, se consolidou em 1974 e se repaginou nos últimos dez anos, agora convertida numa "classe legal", com ambição de dominar o mundo e substituir a espécie homo sapiens - que muitos alegam ter sido "corrompida" por distopias existencialistas europeias - pelo homo ludicus.
A sociedade identitarista, de um lado, e o empresário "bacana" da Faria Lima, de outro, representam apenas alguns dos matizes da elite do bom atraso, mais preocupada com o consumismo hedonista e o lucro financeiro, uns vendendo a alma para gastar tudo com supérfluos, outros vendo rios de dinheiro se desaguarem fácil nas suas fortunas.
Isso não faz o Brasil virar um país de Primeiro Mundo, com as personalidades estrangeiras esbanjando visibilidade no nosso país. Até porque, para os privilegiados que sempre detiveram e detém as narrativas nas redes sociais e nos espaços de opinião que se autoproclama "pública" (ou seja, a "opinião que se publica e lacra fácil"), o Primeiro Mundo sempre "existiu" para eles, com seus espaços de consumo e vivência parecidos com os dos países desenvolvidos, "recortes" que preenchem o imaginário dessa burguesia bronzeada do nosso país.
Por baixo dos panos, o Rock In Rio, como outros eventos similares, esconde a carestia abusiva dos produtos, a precarização do trabalho, a má qualidade dos serviços - um lanche teria sido flagrado com larvas - e o pouco caso do empresariado.
E temos ainda que ver a vassalagem do público brasileiro com os ídolos estrangeiros, que, independente do talento, sempre representam uma aura de "sonho e fantasia" para uma sociedade vira-lata enrustida, que prefere reconhecer como "culturalismo vira-lata" apenas uma parte escancaradamente nociva, como, no momento, o "influenciador do mal" Pablo Marçal.
Mas também há a supervalorização do ridículo trap e o vintage de araque de Xuxa Meneghel, num evento em que houve até o yuppismo brincando de ser roqueiro do Clevel Band. Isso tudo representa um estado de espírito de um país que luta para que a fantasia prevaleça sobre a realidade e que o pensamento crítico que seja deportado para as zonas mais frias da Europa.
Escrevo isso quando se observa que o Brasil está piorando em qualidade do ar e em convulsões sociais. Como é que tem gente ainda achando que nosso país será desenvolvido, apostando no bordão "primeiro vamos botar o Brasil no Primeiro Mundo e depois a gente conversa"?
Nosso país tem apenas 524 anos de existência e dificilmente terá a superioridade necessária para se tornar desenvolvido. Um país desenvolvido não se faz somente com economia supostamente em ordem ou com alguma relativa paz social. A situação é complexa e nosso país ainda precisa enfrentar muitos problemas para se tornar uma nação próxima da razoável.
Por ironia, o Brasil, com cem anos de atraso, está vivendo os "loucos anos 1920" que os EUA viveram sob o nome de roaring twenties. Hoje tudo é consumo, festa, hedonismo, gente caindo na gargalhada e tudo mais. O Brasil virou um parque de diversões. E festivais como o Rock In Rio comprovam isso. Mas parque de diversões é lugar para brincadeira, não dá para levar a vida a sério com isso. Mas, lamentavelmente, muita gente ainda acredita que nosso "parque de diversões" está pronto para comandar o concerto das nações desenvolvidas. Quanta ilusão...
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