Pouca gente sabe, mas a cena da agressão do temporário ex-apresentador do Brasil Urgente, José Luiz Datena, hoje candidato à Prefeitura de São Paulo, ao candidato extremo-direitita Pablo Marçal, com um golpe de cadeira, ocorre cerca de seis décadas depois da TV Cultura, uma emissora comprometida com o caráter educativo, ter investido no sensacionalismo midiático.
Foi em 1964 que a TV Cultura, então de propriedade de Assis Chateaubriand, dos Diários Associados (TV Tupi, revista O Cruzeiro etc), lançou o programa O Homem do Sapato Branco, apresentado por Jacinto Figueira Jr., pioneiro no formato consagrado hoje pelo Brasil Urgente e Balanço Geral.
Era o tipo de programa sensacionalista, erroneamente classificado como "jornalismo investigativo", pois a coisa que menos se observa ali era investigação jornalística. Era apenas o noticiário policialesco combinado com talk show sensacionalista marcado por brigas e agressões físicas, que se tornou, a partir dos anos 1990, um câncer incurável para a televisão brasileira.
Dito isso, vemos o quanto o nosso Brasil está deteriorado culturalmente. Tudo por conta da burguesia de chinelos e sua frente ampla que envolve os pobres remediados - consumidores desse tipo de programa - , as esquerdas identitárias de comportamento infantilizado, a própria burguesia heterodoxa da Faria Lima e similares, as subcelebridades e os famosos em geral com grana em excesso, mas sem poder para definir, por exemplo, os rumos de Wall Street para a economia planetária.
Esse sensacionalismo que tomou conta dos noticiários ontem, a cadeirada de Datena sobre Marçal - que, depois, forjou vitimismo e, feito um jogador de futebol fingindo sentir cãibra para exigir um pênalti, alegou ter sido internado "em estado grave" num hospital daqui de Sampa - , não pode ser visto como uma "coisa natural" do tipo dessa visão horrorosa e preconceituosa do mito da "gente como a gente", que trata a simplicidade humana como se fosse o lixo comportamental da humanidade.
Não há heróis nesse conflito todo. Datena é apenas um subproduto mais antigo de um culturalismo degradante que, nos EUA, gerou Donald Trump - que realizou a façanha surreal de transformar uma piada em fato, que é sua eleição para a Presidência dos EUA, anos atrás - e que, no Brasil, não se limita à escória da direita hidrófoba. E o mais curioso é que, dias atrás, nos EUA, Perry Farrell agrediu o parceiro Dave Navarro numa apresentação do Jane's Addiction em Boston, mostrando que baixaria não é coisa somente nossa.
Devemos nos lembrar que o viralatismo cultural que envolve bolsolavajatistas, datenistas e marçalistas também inclui muita "coisa boa": funqueiros, "médiuns" pretensamente filantrópicos, ídolos bregas usando a MPB para retomar carreira (vide Michael Sullivan), mulheres-frutas metidas a feministas, influenciadores digitais que tentam dar sentido à sua incapacidade de dizer alguma coisa minimamente relevante.
O ataque de Datena contra Marçal pode ser entendido, numa linha de interpretação, até como uma coisa relativamente boa, quando o temporário ex-apresentador do Brasil Urgente, que hoje simboliza um PSDB reduzido a uma ultradireita de fraldas - vamos combinar que o tucanato clássico está hoje apoiando secretamente o PT de Lula, hoje convertido num "Partido dos Tucanos" e acampamento do neoliberalismo progressista, o mesmo do Partido Democrata estadunidense - , precisa de uma atitude grosseira dessas para tentar frear a volta do fascismo ao Palácio do Planalto.
Isso porque o cargo de prefeito de São Paulo é apenas um trampolim para Pablo Marçal se candidatar à Presidência da República, traçando um perigoso itinerário de poder que possa ser mais perigoso do que Jair Bolsonaro ou uma hipotética candidatura presidencial de Sérgio Moro. Isso porque, perto de Pablo Marçal, Bolsonaro e Moro parecem politicamente mais "profissionais".
O nosso Brasil está vivendo um período muito tenso. Convulsões sociais explodem no país como se Bolsonaro ainda governasse a nossa nação. Lula está terrivelmente envelhecido e com pouca presença pública, eventualmente sumindo dos holofotes e, talvez, escondendo um câncer que ele tentou desmentir alegando ter "sofrido" de laucoplasia e dor no quadril, desculpas usadas para evitar a euforia bolsonarista, que poderia usar o câncer de Lula para criar um golpe pior do que o Oito de Janeiro.
A certeza é que o Brasil não vai chegar ao Primeiro Mundo nem se tornar um paraíso. A felicidade tóxica de uns poucos que obtiveram protagonismo pleno - a elite do bom atraso que compõe a aqui citada frente ampla da burguesia de chinelos e alguns beneficiados - não é motivo para o Brasil conquistar uma grandeza mundial, pois essa elite é uma velha ordem social, a mesma que derrubou João Goulart e que hoje tenta se passar por "legal" até para lacrar na Internet, monetizando uns trocados a somar à sua fortuna exorbitante escondida pelo verniz de "modéstia" dessa classe média extravagante.
Por isso, a cadeirada de Datena sobre Marçal é apenas um subproduto desse sistema de valores que cultua "médiuns" picaretas, funqueiros coitadistas, axézeiros canastrões, jogadores de futebol milionários, breganejos "evidentemente" pedantes, humoristas fingindo ser jornalistas para roubar emprego dos que mais precisam, influenciadores que tentam dar relevância ao irrelevante.
Portanto, um país claramente vira-lata, por mais que muito desse viralatismo pareça agradavel para muita gente. Afinal, vivemos numa sociedade vira-lata, não é mesmo? Ou não seria uma sociedade "doguinho"? Faz parte...
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