OS NETOS DA GERAÇÃO GOLPISTA DE 1964 SE ACHAM OS PREDESTINADOS E "DONOS" DO FUTURO DO BRASIL.
O nosso país vive uma não declarada pandemia do egoísmo. A "liberdade" desenfreada de quem quer demais na vida, de uma elite que não se sentiu representada por Jair Bolsonaro e que viveu as limitações da Covid-19, mostra o quanto o Brasil preferiu, de 2022 para cá, viver em ilusões, a ponto de haver um novo "isentão", o negacionista factual, que sente fobia de senso crítico e mede a qualidade da informação pelo prestígio de quem diz, pouco importando se o fato é verídico ou não (e, se for, é mera coincidência).
Como jornalista, minha missão é juntar as peças dos quebra-cabeças e não me contentar com a realidade fragmentada que confunde contradição com equilíbrio ou versatilidade. Criando uma "linha do tempo" da elite do atraso, vejo que não há contraste entre a "democracia" pedida pelos que defendiam a queda de João Goulart em 1964 e a "democracia" exaltada pelos lulistas desde 2022.
Trata-se de uma "democracia" para poucos, uns "pouco mais" do que nos tempos do bolsonarismo, mas mesmo assim uma sociedade seletiva, apenas uma frente ampla social, "limpinha" mesmo quando tenta parecer "miserável" ou "molambenta" - como no caso, respectivamente, dos ex-pobres remediados e na juventude identitária atual e sua estética de "hippies de butique" - , que inclui gente que compartilha ou consente com os privilégios dos mais ricos.
A tentativa de ressignificar a burguesia, para que ela se torne invisível a olho nu, faz com que os estereótipos da burguesia se estacionem na visão ortodoxa satirizada pelo cinema europeu, principalmente na obra surreal de Luis Buñuel.
Esquecemos que, depois da ascensão da elite empresarial do Vale do Silício, a burguesia passou até a usar sapatênis, a princípio a contragosto, pois muitos burgueses não entendiam por que o uso obsessivo de sapatos de couro, até nos encontros informais, passou a ser alvo de duras críticas. E mudou drasticamente o figurino, primeiramente usando camisas polo, mas hoje esbanjando nas camisetas comuns de algodão.
A velha ordem social que se ascendeu em 1964 no Brasil procura se manter no poder, cumprindo a meta de "substituir" o povo brasileiro para daqui a alguns anos, através de um sistema de valores que permite a velha necropolítica de exterminar mulheres, camponeses, moradores de rua, proletários e outros agentes socialmente "incômodos" ou "subversivos".
Junta-se a isso todo o esforço de fazer prevalecer a deterioração cultural, sempre impondo "novas normalidades" a partir de situações aberrantes, dentro de um contexto em que os jovens se tornam cada vez mais infantilizados, a ponto de analistas se preocuparem até com um simples fato da geração Z ter aprendido a escrever à mão.
O culturalismo vira-lata ocorre de forma tão avassaladora que é preciso, dentro da natureza dissimuladora da elite do bom atraso, apenas admitir como tal uma pequenina parte, geralmente associada a fenômenos e personalidades associadas a um reacionarismo raivoso e tão histérico que soa caricato. Só que esses aspectos nem de longe representam 1% do que é realmente o culturalismo vira-lata.
O cuturalismo vira-lata envolve também a bregalização cultural, o obscurantismo religioso travestido de "espiritualismo filantrópico", o hedonismo exacerbado que chega a ser autodestrutivo com o culto a cervejas e cigarros, a supervalorização de nomes estrangeiros medianos (como Michael Jackson e Guns N'Roses e, no plano humoristico, o seriado Chaves) e o modo de vida fútil das subcelebridades, pessoas "comuns" que vivem a obsessão da fama e do luxo.
Mas como se tratam das "boas coisas da vida", isso não é visto como culturalismo vira-lata, por mais que apresente caraterísticas bastante explícitas neste sentido. E vemos o quanto esse "bom" culturalismo, que a elite do bom atraso empurra para ser uma quase unanimidade para a população brasileira, reflete os interesses privativos dessa velha ordem social no poder há seis décadas.
Muitos estranham por que associo as elites que derrubaram Jango e foram premiadas com os privilégios do "milagre brasileiro" com a "nata" de apoiadores do presidente Lula. Uma classe que não suportava um minuto de João Goulart na presidência mas que, agora, torce para que Lula seja reeleito.
Muitas pessoas se revoltam quando se refere a elas como parte da burguesia. Daí a histeria do burguês enrustido, que se "esconde" no meio de pessoas comuns para não mostrar seu caráter de classe. A velha ordem que está obcecada com o "ter", que agora se vê na realização plena do sonho de dominar o Brasil, depois daquele Primeiro de Abril de 1964, lutou para sobreviver em 2024, mesmo quando o senso crítico voltou a respirar, ainda que sob aparelhos, depois da cegueira eufórica de 2023.
É a primeira vez que as classes dominantes exercem o poder pleno no Brasil em tempos de paz, sem os cenários de conflitos sangrentos e tensões sociais preocupantes que seus antepassados, dos fidalgos, bandeirantes e senhores de engenho aos aristocratas e beatos de rosários na mão enfrentaram ao longo de todo esse tempo dos quase 525 anos de nação brasileira.
Por isso, a velha ordem social da elite do bom atraso não quer que se revele a verdade, ela precisa investir no mundo da fantasia, a ponto de, contraditoriamente, investir pesado em eventos internacionais para distrair a juventude e, por outro lado, em promover as demissões em massa de jornalistas experientes, substituídos, por salários cada vez menores, por repórteres com a vivência superficial de um influenciador digital de quinta categoria.
Hoje, repetindo, o pensamento crítico voltou em 2024, ainda que respirando com a ajuda de aparelhos. O ano que se encerra foi marcado por um clima de cegueira emocional e cognitiva ainda grandes, mas com um índice menor e menos "absoluto" do que em 2023. Vamos ver se em 2025 o Brasil comece a deixar de ser um gigante abobalhado a viver deitado eternamente em berço explêndido, esperando sua entrada no banquete do Primeiro Mundo.
Vamos desejar um Brasil melhor para 2025? Sim, mas não a ponto de entrar no Primeiro Mundo, porque isso será uma tarefa dificílima de se realizar. Preferimos ficar no realismo e reconstruir o Brasil de verdade, em vez de muita gente se apegar de forma doentia aos velhos entulhos socioculturais associados às "boas coisas da vida".
Que em 2025 a realidade não seja escrava da fantasia em nosso país. Boas festas e mais reflexão sobre a vida.
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