AINDA HÁ MAIS CONSUMISMO DO QUE CIDADANIA, POR CORTESIA DA ELITE ABASTADA QUE DOMINA AS NARRATIVAS NAS REDES SOCIAIS.
2024 foi um ano menos ingrato do que 2023, pois o primeiro ano do atual mandato de Lula foi marcado de muita ilusão, de muitas desigualdades sociais mal-disfarçadas e de muita cegueira nas narrativas, com a "sociedade do amor" se nivelando ao apetite por fake news dos bolsonaristas, na medida em que se recusava a expressar o senso crítico.
A frente ampla socioeconômica dos ex-pobres remediados, da pequena burguesia, da burguesia propriamente dita e dos famosos e subcelebridades cheios da grana mostra o quanto o "milagre brasileiro" ficou repaginado, substituindo generais de plantão por um ex-sindicalista bonachão mas tornado pelego.
A mídia lulista, a partir de relatórios trazidos pelos órgãos do governo, aparelhados conforme os interesses do presidente brasileiro, mostram supostos recordes históricos do atual mandato de Lula que mais parecem um balé de números, gráficos, palavras e sinais (como o da porcentagem, "%") do que algo que se possa conferir com a realidade.
Isso lembra muito os governos dos generais Médici e Geisel, que falavam em "milagre", enquanto Lula, hoje, fala em "recordes". "Milagre" e "recorde" são palavras fortes usadas para definir algo fantástico, mas que não se reflete na vida cotidiana dos brasileiros.
O que vemos, nas "façanhas" econômicas do atual mandato de Lula, são a mesma narrativa do "milagre brasileiro" que, há 50 anos, também discursava sobre "crescimentos recordes" e "aumento de emprego, de consumo e poder aquisitivo". Coisa que com muita dificuldade pode ser observada no cotidiano dos brasileiros, a não ser no "pobre de novela", o pobre domesticado que é o único a ser contemplado pelos relativos benefícios do atual Governo Federal.
Só que os "recordes históricos" não falam em rombos de R$ 9 bilhões este ano. O dólar subiu para além de R$ 6, e, enquanto Lula tenta impressionar falando grosso contra os abusos de Roberto Campos Neto, no campo das ações ele passa pano e deixa o tempo passar para substituir o tecnocrata por Gabriel Galípolo na presidência do Banco Central, promessa feita desde 2023 e que até agora não se cumpriu.
O problema é que vivemos num clima de faz-de-conta, e a elite do bom atraso faz de tudo para parecer que a burguesia é uma espécie em extinção, agonizando no naufrágio bolsonarista, e por isso há uma relativa minoria de pessoas abastadas que passou a defender seus privilégios abusivos sob um outro contexto, dentro da obsessão dos netos da sociedade conservadora que derrubou Jango de realizar o sonho dos avós de fazer sua classe "substituir" o povo brasileiro.
Enquanto as belas narrativas em papel A4 e arquivo HTM falam dos tais "recordes históricos" do atual governo Lula, com supostas realizações feitas de forma rápida, fantástica e fácil demais para se refletirem na realidade, a realidade sombria é a de que o presidente sancionou a regra que irá limitar o ritmo de crescimento do salário mínimo.
Se o aumento obteve um ritmo medíocre de R$ 90 e, neste ano, R$ 106, o novo decreto sancionado pelo presidente brasileiro estabeleceu um teto de 2,5% para o crescimento do salário mínimo, o que significa que, se o salário de R$ 1.518 aumentar na virada de 2025 para 2026, o resultado não será superior ao valor de R$ 1.560.
Para um governo que não mede recursos para investir nas "verbas para emendas parlamentares" - espécie de gourmetização da compra de votos visando fazer o Legislativo "concordar" com as propostas de Lula - , fazer com que trabalhadores e aposentados ganhem, em 2026, um valor mísero de R$ 1.560 de salário mínimo, não dá para levar a sério os "recordes históricos" que não se vê refletirem na vida concreta dos brasileiros mais pobres.
Os juros da vida pública não caíram de maneira desejada. O preço do azeite de oliva continua caro, e mesmo que essa carestia tenha motivo internacional - como a queda da safra europeia de azeitona, base para a fabricação do azeite - , não recebeu um subsídio de Lula para fazer frear os reajustes de preços.
Os empregos continuam precarizados, e a escala 6x1 continua, juntamente com aberrações como o trabalho 100% comissionado, que transforma muitos corretores de imóveis em mendigos em potencial, e o trabalho em feriados de Natal e Ano Novo, fruto de uma paranoia empresarial que pensa que produtos como imóveis e planos de Internet são comprados pelos brasileiros nos feriados e fins de semana com a frequência e a urgência de um pão para o café da manhã.
A deputada Erika Hilton, do PSOL paulista, fez seu esforço solitário de propor o fim da escala 6x1, enfrentando sozinha uma resistência do empresariado que estava apoiando Temer com muito gosto e, agora, está apoiando Lula que, como um pelego, passou pano em boa parte do legado do temeroso governante que era vice de Dilma Rousseff.
O tema está em discussão no Congresso Nacional, mas vai levar tempo para extinguir a escala 6x1, como também estaremos esperando algum bom samaritano propor o fim do salário 100% comissionado, porque comissão é prêmio, não é salário, e explicar para nossos empresários que ninguém compra plano de Internet nem imóvel nos fins de semana e feriados como alguém que compra um pãozinho para a refeição matinal.
Portanto, a situação se repete e, no lugar do "milagre brasileiro", temos os "recordes históricos" de Lula, as mesmas narrativas agora repaginadas e reestruturadas para tentar enganar a opinião pública, criando um mundo da fantasia que não encontra ressonância na vida concreta dos trabalhadores.
Hoje, pelo menos, surgem pessoas e espaços que contestam o "mundo da fantasia" de Lula 3.0 e que, por isso, também não são obrigados a serem bolsonaristas para fazerem críticas ao presidente. A cegueira de 2023 se dissolveu um pouco, embora continue forte.
Mas, pelo menos, as vozes sufocadas pelo sonho lulista estão começando a falar, e elas não tem a ver com o bolsolavajatismo que, até agora, monopolizou as críticas duras ao governo Lula, que terá que fazer uma ginástica discursiva em dimensões olímpicas para tentar criar um "recorde histórico" com o salário mínimo aumentando com uma migalha de 2,5%.
Não se sonha mais como em 2023, mas ainda estamos longe do realismo.
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