As narrativas oficiais que circulam na mídia e nas redes sociais até tentam definir o arrocha e o trap brasileiro como "movimentos culturais", com um discurso que mistura etnografia com rebelião popular.
No entanto, os dois estilos refletem o quanto a música brega-popularesca, o "popular" comercial que faz sucesso fácil entre o grande público brasileiro, demonstra ser não mais do que um mero negócio empresarial, com seus esquemas marqueteiros e suas propagandas enganosas, daí o discurso falsamente folclórico-libertário destes fenômenos.
O arrocha e o trap se revelam grandes franquias, nas quais a introdução ou a expansão nos mercados brasileiros se dá sob os claros processos de negócios. Sim, com empresários negociando contratos e tudo. Os dois estilos se servem do processo empresarial da franquia (franchising) para serem lançados ou expandidos nos mercados de música popularesca no Brasil.
No caso do arrocha, ritmo que recicla o antigo brega dos anos 1970, tipo Waldick Soriano e Amado Batista, sob uma mesma base rítmica pré-gravada e feita por um teclado, a expansão se deu por duas diferentes frentes, o breganejo do modo "sofrência" dos anos do (des) governo Jair Bolsonaro, e o mercado de forró-brega dos anos atuais.
Surgido nos anos 2000 na cidade de Candeias, no Recôncavo Baiano, o arrocha nasceu com uma mutação sonora inspirada na música "Morango do Nordeste" de Layrton dos Teclados, e seis primeiros ídolos foram Nara Costa, Silvano Sales e Brazilian Boys. Depois o cantor Pablo do Arrocha se juntou aos nomes de sucesso do gênero.
Pegando carona no gênero da sofrência, o arrocha negociou sua expansão mercadológica no Brasil com o mercado breganejo goiano, penetrando no sucesso radiofônico a partir do interior paulista. Em seguida, o arrocha acompanhou o mercado do forró-brega (ou "forró eletrônico") juntamente com o piseiro (ex-pisadinha), este um derivado do mesmo forró-brega desenvolvido na cidade de Monte Santo, na região de Paulo Afonso, também na Bahia.
Hoje o mesmo arrocha de vinte anos atrás, com sua invariável base sonora de teclados, com direito a uma batida eletrônica, está fazendo sucesso nos redutos popularescos de São Paulo, e os sucessos recentes mesclam a base sonora do arrocha com a batida eletrônica do piseiro, que lembra o som da batida de um balde.
Já o trap tem origem estrangeira e é derivado do gangsta rap estadunidense. Surgido em 2007 em Atlanta, Geórgia, a partir do DJ Paul, o trap é marcado por vozes em grande parte robotizadas, devido ao uso constante de audiotune. O ritmo ganhou adesão no cenário do hip hop comercial dos EUA.
O trap custou a chegar no Brasil e, quando chegou, foi por volta de 2017, ou seja, com dez anos de atraso. Ele foi testado a partir do próprio "funk carioca", quando passou a imitar batida de percussão indiana, depois simplificada a um som de batida de lata de conservas (tipo de milho ou ervilha).
Como um fenômeno comportamental, o trap virou uma franquia do "funk ostentação" - resposta paulista ao "funk carioca" - , , que já adotava, com 15 anos de atraso, a estética do gangsta rap dos EUA do final dos anos 1990. Atualmente o trap brasileiro que, apesar da raiz paulistana, começou a se popularizar com o sucesso do carioca MC Poze do Rodo, é um dos ritmos comerciais de maior sucesso no mainstream brasileiro.
Verdadeiras consultorias foram feitas para introduzir o trap no Brasil, com um profissionalismo maior do que aquele que introduziu o miami bass, sobretudo com a logística adotada pela empresa KondZilla, que produz clipes e agencia o "funk" e o trap no Brasil.
A adaptação do trap brasileiro em relação à matriz estadunidense é o som de percussão eletrônica que soa como batida de lata (vide a expressão funqueira "bater lata" nos anos 1990) de conservas. Há também imitação de som de cavaquinho pelo teclado em certos sucessos do trap, na tentativa de forçar uma associação à cultura afro-brasileira que alimenta as narrativas tendenciosas do "funk".
A julgar pelos relatos de riquezas a partir dos bens luxuosos exibidos pelos ídolos do arrocha e do trap, vemos que tudo isso é piro negócio e o papo de folclore, rebelião popular ou etnografia não passam de pura cascata, conversa para boy dormir.
(Por restrições de tempo, este tema, que seria trabalhado em vídeo para o TV Linhaça, foi desenvolvido através de texto)
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