Se você ouve os mesmos hits estrangeiros repetidos 200 vezes ao dia pelas rádios de pop adulto, se você superestima nomes estrangeiros pouco representativos no exterior, como Outfield, Live, Johnny Rivers e Double You, se você supervaloriza ao extremo Guns N'Roses e Michael Jackson como se fossem as "maiores maravilhas do mundo", temos que reconhecer uma coisa.
Você é provinciano e seu hábito de curtir música estrangeira tem pouco a ver com estar sintonizado com o mundo, sendo algo, digamos, "bem brasileiro".
Devemos nos lembrar que o que consumimos de música estrangeira do mainstream é fruto dos interesses mercadológicos de editores musicais representantes de canções estrangeiras, executivos de rádios e TVs e gerentes da indústria fonográfica.
Daí o caráter de previsibilidade do gosto musical do brasileiro médio em relação à música estrangeira. É aquele gosto meio avassalado, que de maneira cegamente deslumbrada e submissa, se rende a tudo que é estrangeiro como se fosse algum ser divino vindo de um outro planeta, oriundo de uma civilização superior.
Isso influi até mesmo na reputação desigual de uma mesma expressão em inglês e português. Se falarmos, em português, "dançando a noite toda", a ideia que se dá é a de que se trata de um debiloide querendo curtir a noitada durante horas. Mas se traduzirmos para o inglês, "dancing the night away", o brasileiro médio logo vai ver essa expressão como algo mágico e superior.
Até no rock a vassalagem se torna evidente, e isso se deve porque, como em toda música estrangeira que entra no mercado brasileiro, nomes pouco representativos lá fora são mais baratos para se investir. O som shoegazer foi boicotado pelo mercado durante três décadas, e só agora começa a ser timidamente "descoberto" por uma pequena parte da crítica brasileira, não aquela que prioriza mais a "coleção de discos do que a de amigos".
Claro. Investir num Jesus Jones, num Live ou num Outfield custa mais barato do que lançar um Ride no mercado brasileiro. Lá fora, o disco Nowhere do Ride foi, em 1990, tão impactante quanto foi o Nevermind do Nirvana. Foi tanto assim que as "faixas do meio" do Nowhere, mais melancólicas e complexas, foram alvo de imitação barata pelo britpop, por intermédio do Radiohead, conterrâneo do Ride - ambos são de Oxford - que resolveu fazer essa sonoridade. Muse, Travis, Keane e os primórdios do Coldplay vieram nessa onda.
Mas mesmo dentro do pop comercial o mercado brasileiro é tão fechado que, ainda que respeite 99% do que acontece no hit-parade estadunidense, sempre ignora alguma coisa. A carreira de cantora da atriz Hailee Steinfeld, por exemplo, foi ignorada no Brasil, mesmo sendo ela conhecida pelo seriado de aventura Gavião Arqueiro (Hawkeye) e ser grande amiga da superestrela Taylor Swift. Hailee lançou várias músicas de pop dançante que, apesar do formato acessível, foram ignoradas por aqui.
E devemos também destacar que o brasileiro médio só consome notícias estrangeiras através da mídia brasileira, sobretudo a popularesca, que não raro é mentirosa de tão fofoqueira. Daí o apetite por fake news que contagia até o noticiário que envolve celebridades estrangeiras. Inventaram até que Paul McCartney passou a gostar de "funk", vejam só! Pura preguiça dos brasileiros, que tanto se gabam em falar um portinglês vira-lata (ou "doguinho"?) mas se recusam em ver a mídia estrangeira para colher notícias direto das fontes.
Aí a gente vê como gostar de música estrangeira não faz do brasileiro médio alguém que acompanhe os acontecimentos no exterior. Tudo o que curtem, na verdade, vem dos filtros culturais de um bando de editores, executivos, radialistas e publicitários, que na prática decidem qual música estrangeira deve fazer sucesso no Brasil. É uma espécie de "alfândega" mercadológica, bem mais seletiva e restritiva que as alfândegas dos aeroportos.
E aí vemos o quanto o gosto musical do brasileiro médio é previsível, repetitivo e óbvio, para não dizer bastante medíocre. Sinal de um país vira-lata, que culturalmente se submete a uns poucos homens de negócios que decidem o que deve valer para os diversos âmbitos do lazer cultural dos brasileiros.
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