VIOLÊNCIA DA PM COMETENDO CRIMES EM SÃO PAULO.
O Brasil virou um grande Instagram / Tik Tok / Facebook. Sendo uma sociedade hipermidiatizada e hipermercantilizada - apesar dos esforços de fazer de conta que os valores culturalistas presentes no imaginário dos brasileiros fluem como o "ar que respiramos" - , nosso país parece uma alternância entre os filmes água-com-açúcar da Sessão da Tarde e a truculência barata do Domingo Maior. Mas ainda discutimos se o Brasil é uma concessão da Rede Globo ou da Folha de São Paulo. Talvez seja de ambas.
De um lado, temos o mundo da fantasia do "esquerdismo chapeuzinho vermelho" de Lula, o "Papai Noel" da "sociedade do amor", prometendo, sob a fantasia de palavras, números e gráficos dos relatórios, a entrada certa do Brasil no mundo desenvolvido, quem sabe tirando da Finlândia o título de "país mais feliz do mundo". O Brasil de Lula 3.0 se torna um país em que os movimentos identitários usam flores como arma para enfrentar tanques e metralhadoras.
De outro lado, temos o pesadelo bolsonarista. Jair Bolsonaro, cuja aparência lembra uma versão sênior do boneco Chucky da famosa ficção de terror, aparece carregando no colo responsabilidades alheias. A ele foi atribuída a culpa, quase exclusiva - se não fossem outros agentes, como Sérgio Moro, Kim Kataguiri e Janaína Paschoal, estes, sim, co-autores - do golpe de 2016, inocentando alguns dos verdadeiros mentores que, "democraticamente", se aliaram a Lula sob o claro consentimento deste.
Neste lado sombrio, o "mundo da direita" - diferente do "mundo de cor e guloseimas" de uma direita "boazinha" e "democrática" representada, em diversos contextos, por Geraldo Alckmin, Eduardo Paes e, na Bahia, por Mário Kertèsz - é associada a planos de golpes e atentados e a truculência da polícia e das forças armadas que parecem encaixar nas tramas violentas dos filmes exibidos nas noites de domingo pela Rede Globo.
É a polarização entre o sonho e o pesadelo, na qual o negacionista factual é o cão de guarda do sonho, sempre zelado pela supremacia do agradável sobre o realista. Acreditando numa sociedade prosaica, o negacionista factual acredita que a fantasia vai transformar a realidade, que é apostando no sonho que o realismo, com um passe de mágica da varinha de condão de uma fada madrinha, irá se converter num mundo encantado do futuro.
Vemos que muito do golpismo é verídico. A PM truculenta no Estado de São Paulo, governada por Tarcísio de Freitas e comandada pelo secretário de Segurança, Guilherme Derrite, está envolvida em quase 700 assassinatos, 697, em serviço ou à paisana, segundo dados do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), entre o começo deste ano e o fim de novembro último. Somando os crimes similares cometidos pela polícia civil, o número aumenta para 768.
Recentemente, um jovem médico foi assassinado por um PM na Zona Sul da capital paulista. Um adolescente e um menino pobres também foram mortos, desta vez por "balas perdidas". Um jovem negro foi morto depois que tentou furtar alimentos num supermercado e, no bairro Cidade Ademar, também na Zona Sul, um jovem foi jogado de uma ponte.
Sim, esses dados são verídicos, revelam crueldades difíceis de classificar de tão extremas, assim como os planos dos militares em realizar um novo golpe político, através do atentado contra Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes. Mas isso não pode ser contraposto com um mundo fantástico do presidente da República e suas cerimônias piegas de lançamento de programas sociais paliativos.
Esse plano de golpe recentemente descoberto não é pior nem menos ruim do que o golpe de 1964. A burguesia brasileira sempre apostou no mito da "ditabranda", e agora o faz sob a marquise do lulismo. Os burgueses sempre quiseram se eximir da culpa dos retrocessos políticos de 1964 e 2016 e criaram bodes expiatórios em gente que até colaborou com o processo, mas na verdade sempre teve um papel secundário.
Bolsonaro sempre demonstrou que foi apenas um operador, e não um mentor do golpe de 2016 e do plano de golpe para 2023. Mas hoje ele é tratado como se fosse o maior culpado, como se outros agentes que agora se escondem protegidos pelos paletós azuis de Lula nunca tivessem feito algo no "verão passado".
Por isso a burguesia apenas apresenta diferenças pequenas em suas gerações. Os netos dos que clamaram pela derrubada de João Goulart em 1964, a plenos berros e com rosários na mão no Vale do Anhangabaú, hoje viram que seus avós foram "longe demais" e "pegaram muito pesado". Por isso a burguesia atual tenta criar bodes expiatórios em gente que até cometeu atos golpistas, mas foi apenas intérprete do processo. É como se um ator fosse acusado de culpa pelo roteiro que não escreveu.
Vivemos, portanto, o duelo entre o sonho e o pesadelo, sempre com a eterna alternância entre a fantasia identitária e as convulsões sociais, o velho duelo entre a fúria social dos tempos de Ernesto Geisel alternadas, o pesadelo da época, com o desbunde tropicalista e a catarse "carneválica" do brega, o sonho da época.
Nessa dicotomia entre sonho e pesadelo, mesmo para a burguesia de chinelos que hoje mais está apoiando Lula, pouco importam os jovens mortos pela polícia, as mulheres vítimas de feminicídio, pelos camponeses mortos pela pistolagem, pelos favelados e moradores de rua mortos pela fome e pelo frio. Para eles, é só um detalhe, e eles apenas pegam carona nas agendas temáticas da mídia para chorar "lágrimas de crocodilo" visando obter lacração e esbanjar bom mocismo nas redes sociais.
Nunca saímos de 1974. Já se passaram 50 anos e a única diferença é que a parte moderada da classe golpista de 1964 e 1974 se converteu numa elite "legal", "democrática", envolvida no "sonho" de um Brasil melhor (para essa classe). Quem não está no sonho, está no pesadelo. A realidade não tem valor. Até porque, se for pela realidade, iremos saber o que uma parcela dos defensores do sonho fez no verão passado. E isso não é coisa muito agradável de se saber.
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