INVESTIR EM NOMES POUCO EXPRESSIVOS DO INDIE DANCE, COMO JESUS JONES, CUSTA MAIS BARATO AOS EDITORES BRASILEIROS DO QUE BANDAS SEMINAIS DE SHOEGAZE.
Desde meados dos anos 1980 que o mercado de música estrangeira no Brasil virou uma coisa "bem brasileira". É claro que nossos editores musicais, produtores, radialistas e executivos têm que acolher 99% do que se faz sucesso lá fora para o mercado musical brasileiro, mas quando se trata de trafegar fora desse esquema, aí é que a coisa muda de vez. E para pior.
Daí que vemos que, no mercado de rock no Brasil, além do colapso da revista Bizz, que com sua "faxina" editorial demitiu vários jornalistas de profundo conhecimento musical, entregando as pautas a um mainstream cada vez mais árido, tivemos também a decadência do radialismo rock, cada vez mais entregue ao império da 89 FM, na prática uma espécie de "Rede Globo das rádios rock", no que se refere ao poder político-empresarial (os donos da 89 apoiaram a ditadura militar, vale lembrar).
Com isso, a cultura rock, que nos anos 1980 sofreu uma avalanche positiva de lançamentos do rock independente mais representativo, se descontinuou e o que tivemos nos anos 1990 foi uma gradual erosão de lançamentos e o rebaixamento do conceito de "rock alternativo" a um mero puxadinho "esquisitão" do rock mainstream.
O efeito disso tudo é que o mercado e a mídia roqueiros boicotaram criminosamente o rock shoegaze, tendência que verdadeiramente era herdeira do rock alternativo dos anos 1980. A nata do rock britânico da virada dos anos 1980 para os 1990, salvo raríssimas exceções, era boicotada pelo mercado brasileiro, enquanto, no rádio, vimos a vergonhosa "conversão" de rádios pop e popularescas ao rótulo de "rádios rock", sem trazer a digna divulgação dos nomes mais expressivos do gênero, exceto os que faziam sucesso no mainstream.
Enquanto os microfones mostravam locutores que, na véspera, declaravam sua paixão a Amado Batista, Fábio Jr., Menudo e Village People, no ano seguinte fingirem adorar Ramones e AC/DC, o público roqueiro brasileiro teria que se virar nas lojas de discos e na disputa por raríssimos exemplares da Melody Maker e do New Musical Express para saber o que acontecia no cenário roqueiro contemporâneo.
E aí vemos o mercado enchendo liguiça, pois, fora os bons samaritanos que tentavam lançar no mercado brasileiro discos como o Bizarro (1989), álbum do Wedding Present, e o primeiro álbum de 1991, homônimo, do Real People - banda de Liverpool que apadrinhou o então emergente grupo de Manchester, Oasis - , o que se lançou foram nomes de baixa expressividade no exterior.
E aí temos nomes pouco representativos como Outfield, Live e Jesus Jones, só para citar alguns nomes de baixa expressão lá fora, mas que aqui foram lançados na tentativa de se tornarem a "salvação da lavoura" para o público roqueiro brasileiro.
O Outfield era uma espécie de pastiche do Men At Work que se tornou supervalorizado no Brasil a ponto de inspirar até sucessos de "funk carioca". O Live é um arremedo "nervoso" do Pearl Jam, soando mais ou menos como se o Maroon 5 fizesse grunge em vez de um soul pop.
Mas temos também o caso do Jesus Jones, um nome que até teve divulgação razoável no mercado estrangeiro, mas muito longe de ser o "rock alternativo" do qual foi definido pelo mercado brasileiro. Espécie de resposta comportadinha ao Happy Mondays, o Jesus Jones era um nome menor do indie dance, e foi lançado aqui motivado pelo trocadilho do nome "Jesus" com o Jesus and Mary Chain.
Por mais que, no começo dos anos 1990, o Jesus Jones tivesse um relativo cartaz na imprensa britânica, seu som era muito mediano e comportado demais, bem menos criativo que os aparentes congêneres Stone Roses, Happy Mondays e Inspiral Carpets mostravam ao público.
Até mesmo o grupo de Liverpool, Scorpio Rising, era bem mais criativo e honrava mais o legado de "Madchester". E grupos como Frank and Walters, The High, Spiritualized e Flowered Up eram artisticamente bem melhores do que a banda do sucesso "Right Here, Right Now", música do Jesus Jones que mais parece encomendada especialmente para uma trilha de novela da Rede Globo.
E por que tivemos um Jesus Jones lançado no mercado fonográfico brasileiro e não o Ride, que em 1990 sacudiu o Reino Unido com o surpreendente álbum de estreia Nowhere, icônico clássico do shoegaze e do rock alternativo em geral?
É porque o mercado musical brasileiro passou a ser tomado, a partir do fim dos anos 1980, por uma elite de editores, radialistas, produtores e executivos pouco comprometidos com a relevância musical e mais preocupados com o "sucesso", mas também querendo economizar custos e obter maiores lucros.
Uma banda como Ride ou Wedding Present - cujo álbum Sea Monsters, de 1991, teve a produção do saudoso Steve Albini, o mesmo de In Utero, derradeiro álbum de estúdio do Nirvana de 1993 - custa mais caro para adquirir direitos editoriais, mesmo havendo garantia de retorno financeiro por conta da qualidade artística das duas bandas (lembrando que Andy Bell, um dos vocalistas-guitarristas do Ride, chegou a fazer parte do Oasis, como apenas um baixista, e acompanhou Liam Gallagher no Beady Eye).
Por isso, dá para investir em nomes baratos que acabam supervalorizados no mercado brasileiro, como já foi, no âmbito do pop convencional, com nomes como Johnny Rivers - um crooner mediano consagrado aqui com uma cover menor de "Do You Wanna Dance?", enquanto lá fora só é conhecido por "Secret Agent Man" - e, mais recentemente, com o Double You.
Por isso, o Brasil acaba sendo um paraíso para nomes musicais em decadência ou para nomes sem muita representatividade lá fora, pois dá para criar um bom esquema de marketing para esses nomes medianos serem vistos como "geniais", se aproveitando do "efeito manada" de muitos consumidores deslumbrados que levam gato por lebre.
No rock, dá para perceber o quanto nomes como Outfield, Live e Jesus Jones andam muito supervalorizados, sobretudo porque agora o brasileiro médio gourmetiza tudo que é antigo (um bom gancho para a armadilha pseudo-nostálgica do brega-vintage de Michael Sullivan, Chitãozinho & Xororó, Gretchen e É O Tchan).
E isso acaba reforçando a imagem de vira-lata do Brasil, que culturalmente é o último a saber de muitos modismos - mesmo o trap, a atual tendência brega-popularesca, chegou aqui com 15 anos de atraso - , e chega a superestimar nomes nem tão grandiosos assim, como Guns N'Roses e Michael Jackson. Uma grande prova do quanto o brasileiro, com toda sua mania de grandiloquência, adora ser medíocre.
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