A crise do radialismo rock continua, até pior do que antes. Nos 33 anos de surgimento, a Fluminense FM ainda não encontrou sucessora à altura no rádio do Grande Rio. Todas as tentativas de sucessão fracassaram seja porque foram abortadas, seja porque não corresponderam sequer a metade da qualidade da antiga emissora.
Mesmo a paulista Kiss FM - que transmite no Rio de Janeiro em caráter experimental, retransmitindo rigorosamente o sinal da matriz - ainda não corresponde a Fluminense nos tempos áureos, apesar da proposta bem intencionada, já que, mesmo com mais de dez anos de experiência no dial paulistano, a Kiss parece estar presa numa fase experimental não só no dial fluminense, mas em toda sua rede.
Mas o grave problema é quando o radialismo rock tem como carros-chefes duas emissoras com históricos problemáticos como a 89 FM de São Paulo e a Rádio Cidade do Rio de Janeiro, sem autêntica especialidade na cultura rock, mas que prevalecem porque seus donos se entrosam mais com os empresários promotores de eventos.
As duas rádios anularam completamente o trabalho de Luiz Antônio Mello, jornalista que está atuante como escritor e até romancista, e que segue firme na Coluna do LAM. Em artigo recente, Luiz Antônio (que está para a Fluminense FM assim como Paul McCartney para os Beatles, "marcado" pelo carisma do antigo projeto) revelou que o ciclo da antiga "Maldita" já se encerrou.
Tudo bem. A Fluminense FM poderia repousar nas lembranças do passado, como a antiga Eldo Pop. Como um professor que se aposenta e não pode mais dar suas antigas aulas. Só que o problema é que tudo aquilo que a Fluminense fez não encontrou seguidor, sua personalidade diferenciada não tem similar à altura.
O que vemos hoje sob o rótulo de "rádios de rock" não passam de emissoras pop, igualzinhas à Jovem Pan FM, à Mix FM e à Metropolitana FM, com seus estilos de locução, linguagem, vinhetas, mentalidade debiloide e com todos os seus piores momentos só que com vitrolão "roqueiro" ou algo próximo disso.
Na prática, é como se a Jovem Pan FM mantivesse seu mesmo estilo, sua mentalidade abobalhada, seus locutores histéricos, sua linguagem infantiloide, suas vinhetas "iradas" e tudo mais, só que, em vez de tocar Anitta, toca Pitty, em vez de tocar DJ Avicii, toca Charlie Brown Jr., em vez de tocar One Direction, toca Offspring e, em vez de tocar Michael Jackson, toca Nirvana.
Não bastasse o fato de seus locutores terem a dicção e a mentalidade de quem se dirige a fãs pré-adolescentes do Justin Bieber, a Rádio Cidade e a 89 FM são apenas traduções melhor administradas da fase decadente da Fluminense FM, aquela que vigorou entre 1991 e 1994, como se aquela performance desastrada fosse resolvida com um departamento comercial mais "turbinado".
Os locutores da Rádio Cidade e da 89 FM estão mais para animadores de festas infantis, garotos-propagandas de eletrodomésticos (Zé Luís, da 89, foi e continua sendo um), e dariam até para substituir a apresentadora Xuxa, no caso das mulheres, ou virar o novo palhaço Bozo, no caso dos homens. Mas em nenhum momento lembram o estilo de locutor para rádio de rock, mesmo a mais básica.
Além disso, as rádios só tocam os hits roqueiros de bandas campeãs de vendas ou de grupos emergentes ligados a contextos como inclusão de eventos como o Rock In Rio, aberturas de turnês de medalhões ou músicas incluídas em trilhas de filmes blockbuster. Isso quando não são bandas de gosto duvidoso da linha do Sugar Ray, Smash Mouth ou Bloodhound Gang.
Para piorar, seus históricos não revelam qualquer compromisso real com a cultura rock. A 89 FM surgiu como a rádio pop Pool FM, e se transformou em "rádio rock" na carona dos louros do primeiro Rock In Rio de 1985. A Rádio Cidade foi, durante anos, uma rádio pop despretensiosa e muito mais criativa do que a "rádio rock" que havia sido entre 1995 e 2006 e novamente desde 2014.
O sucesso das duas emissoras se deu não porque elas são um diferencial, mas porque elas são "novidade" num cenário que se torna bastante repetitivo. Elas, na verdade, só têm boa audiência porque "comeram" o público das concorrentes, nenhum fã autêntico de rock passou a dar ouvidos a essas duas rádios.
Dessa maneira, a 89 FM de hoje têm um público que pegou da Energia 97, da Band FM, Transcontinental e Metropolitana. O da Rádio Cidade pegou o da Mix, O Dia, Nativa, Transamérica e da antiga Beat 98. É um público que jura de pés juntos que é "roqueiro mesmo", mas não tem coragem de ouvir mais do que um dos seis minutos de "Smoke on the Water" do Deep Purple.
Aliás, tudo o que a atual Rádio Cidade fez foi derrubar a Beat 98, o que prova, queiram ou não queiram seus adeptos, que a Cidade não tem um público diferenciado das demais rádios. Aliás, por ironia, quando a Rádio Cidade foi se passar por "rádio rock", em 1995, atraiu um público que nunca ouviu a Fluminense FM na fase áurea, e, quando criança, ouvia o brega da 98 FM tocado por seus pais ou suas babás.
Por isso, o que se observa é um pseudo-sucesso da cultura rock na mídia, mas que não se reflete na realidade. Já se passaram vários meses, em época de informação veloz e instantânea, e as duas "rádios rock" não aglutinaram até agora um cenário relevante, quando muito apenas divulgando o mesmo rock ruim dos anos 90, sem a menor criatividade e feito só como masturbação sonora para seus músicos medíocres.
A Fluminense FM, com seis meses, sem Internet e com informação bem menos veloz do que hoje, já aglutinava um poderoso e vigoroso cenário de rock, com suas bandas cujos músicos comprovaram seu talento e sua informação musical, como Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Barão Vermelho. Isso sem falar de outras bandas bem menos conhecidas lançadas de 1982 a 1985.
Até hoje as pessoas se lembram de Cazuza e Renato Russo, há muito tempo falecidos. O roquinho masturbatório das bandas que "brilharam" na 89 FM e na Rádio Cidade de 1995 até hoje, porém, não deixou fortes marcas, mesmo quando são constantemente lembradas, porque musicalmente não trouxeram qualquer diferencial.
Daí o preço de aceitarmos rádios pop com vitrolão "roqueiro", que tentam enganar com seu marketing e com um lobby na imprensa musical que tenta nos fazer crer de que a 89 e a Cidade são "rádios rock sérias". Mas qualquer esboço de credibilidade cai quando a gente sintoniza qualquer das duas rádios, ou outra similar, e não constata outra coisa senão isto: que as duas rádios não passam de FMs pop como qualquer outra, só que com vitrolão "roqueiro".
Se fosse para o radialismo rock ficar assim, a Fluminense FM nem precisaria ter existido. Bastaria pedirmos para as rádios pop tocarem só rock e qualquer locutor ou locutora idiota com a voz de uma Xuxa "viajando" em ácido, um Gugu Liberato em surto psicótico ou um Celso Portiolli em momentos de orgasmo poderia apresentar até programa de heavy metal.
Só que o legado da Fluminense foi um trabalho árduo e oneroso que deveria ser respeitado e seguido com fidelidade, de preferência com emissoras bem mais preparadas que as duas "rádios rock" que atualmente "pentelham" o gênero.
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