Pular para o conteúdo principal

INEZITA BARROSO DEIXA A CULTURA CAIPIRA MAIS ÓRFÃ


O falecimento, ontem, da cantora, atriz, professora e apresentadora Inezita Barroso, deixou a cultura caipira órfã, esta que anda muito castigada por deturpadores que, no mais típico estilo "morde e assopra", só se lembram das raízes caipiras quando sentem necessidade de vincular seus nomes a elas.

Inezita, que havia completado 90 anos quatro dias antes de morrer, era, por incrível que pareça, uma mulher originária da classe média urbana. Seu contato com a música caipira, no entanto, foi espontâneo e emocional, desde a infância. Formada na primeira turma de Biblioteconomia da USP, Inezita passou a ser não só cantora, mas estudiosa da música caipira brasileira.

Como atriz, um de seus trabalhos foi o filme É Proibido Beijar, de 1954, que teve Tônia Carrero, Paulo Autran, Célia Biar, Zbigniew Ziembinski e Renato Consorte no elenco, Nele ela também fez um número musical, marcada pelo seu vozeirão que se encaixava bem nas interpretações do cancioneiro caipira.

Inezita não gostava da guitarra elétrica e foi um dos nomes que passou longe da influência da Jovem Guarda. No entanto, sua bagagem do cancioneiro caipira brasileiro era imensa, de conhecimentos e valores que ela transmitia aos seus alunos nos cursos de violão e música caipira. Ela escreveu livros sobre violão caipira na década de 1950.

Ela foi a primeira a gravar "Ronda", de Paulo Vanzolini, um de seus maiores sucessos, decisão que surgiu por acaso, quando, na falta de uma música para gravar no lado B de um compacto, Vanzolini, presente no estúdio com seu violão, ofereceu a referida composição dele para ela gravar. Outro grande sucesso dela foi "Moda da Pinga", de domínio público, gravada em 1956.

Ela havia recebido título de doutora honoris causa em folclore e arte digital pela Universidade de Lisboa, De seu longo currículo, incluiu, entre diversas atividades, participação no Teatro Brasileiro de Comédia até a presença em desfiles no Carnaval de São Paulo, na escola de samba Gaviões da Fiel.

Ela também participou de um tributo a Noel Rosa em 1950 e gravou algumas músicas de seu repertório. De 1980 até seus últimos dias, era apresentadora do programa Viola, Minha Viola, da TV Cultura de São Paulo, sob a direção de Fernando Faro. Inezita começou a apresentar programas de TV na década de 1950, tendo um programa de música caipira na TV Record de São Paulo.

O programa raramente recebia atrações comerciais, como os breganejos Chitãozinho & Xororó e Daniel, mas em sua quase totalidade o programa era voltado à música caipira genuína, como poucos espaços existentes para as raízes da música brasileira. Entende-se que, embora discutível, a presença dos breganejos era mais usada para dar visibilidade e prestígio do programa frente aos anunciantes.

Com a morte de Inezita, restam apenas dois especialistas genuínos de música caipira brasileira: Rolando Boldrin, também cantor, ator, violeiro e contador de causos, continua apresentando o Sr. Brasil, também na TV Cultura.

Há também o repórter José Hamilton Ribeiro, do programa Globo Rural e ex-Realidade, que havia escrito um livro sobre o gênero, Música Caipira, em 2006. José Ramos Tinhorão também estudou a história do cancioneiro rural brasileiro, mas hoje está aposentado.

Com as intervenções comerciais começada a partir de Chitãozinho & Xororó e através das regras da indústria fonográfica de assimilar influências do country e do mariachi, de influências tex-mex (Texas + México), além de influências do cancioneiro brega de Waldick Soriano e Amado Batista, a música caipira, mesmo usando o rótulo "sertanejo", descaraterizou-se completamente.

Não serão os breganejos que irão herdar a sabedoria de Inezita Barroso. É como diria talvez um caipira sábio, caronista não é condutor, não é pegando carona nos carros dos outros que se torna um excelente motorista, mesmo podendo saber todo o percurso.

Infelizmente, a canastrice "sertaneja" dos últimos 30 anos praticamente destruiu a música caipira, que procura ser protegida pela colaboração de poucos. O oportunismo dos breganejos faz com que impere o "morde e assopra" dos cantores e duplas primeiro brega-americanizarem a música caipira para depois fingirem fidelidade às raízes musicais do país.

Daí que a cultura caipira ficou órfã com o falecimento de Inezita Barroso, que batalhou até o fim para mostrar às novas gerações as verdadeiras raízes da música rural brasileira. Ficamos gratos com o rico trabalho e trajetória de Inezita, que se foi em paz e com a missão cumprida. Agora é esperar que seus herdeiros entendam as lições deixadas por ela e pelos remanescentes que continuam entre nós.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document

O ETARISTA E NADA DEMOCRÁTICO MERCADO DE TRABALHO

É RUIM O MERCADO DISCRIMINAR POR ETARISMO, AINDA MAIS QUANDO O BRASIL HOJE É GOVERNADO POR UM IDOSO. O mercado de trabalho, vamos combinar, é marcado pela estupidez, como se vê na equação maluca de combinar pouca idade e longa experiência, quando se exige experiência comprovada em carteira assinada até para coisas simples como fazer cafezinho. O drama também ocorre quando recrutadores de "oficinas de ideias" não conseguem discernir reportagem de stand up comedy  e contratam comediantes para cargos de Comunicação, enganados pelas lorotas contadas por esses humoristas sobre uma hipotética carreira jornalística, longa demais para suas idades e produtiva demais para permitir uma carreira paralela ou simultânea a gente que, com carreira na comédia, precisa criar e ensaiar esquetes de piadas. Também vemos, nos concursos públicos, questões truncadas e prolixas - que, muitas vezes mal elaboradas, nem as bancas organizadoras conseguem entender - , em provas com gabaritos com margem de