Quando aquelas duas rádios de poperó que se autoproclamam "rádios rock" voltaram, houve um verdadeiro "carnaval" entre jornalistas e internautas achando que as duas rádios eram "especializadíssimas", despejando otimismos fantasiosos alegando que "agora, sim, o Rock Brasil vai voltar" e tudo o mais.
Sem entenderem bulhufas de radialismo rock - os fanáticos da Rádio Cidade, por exemplo, só entendem de futebol e de remédios contra os nervos - , eles apostam até em piadas sobre futebol como fórmulas de salvação da cultura rock, mesmo quando 99,99% dos jogadores de futebol nem querem saber de rock (nem precisa: o "sertanejo" já é "roqueiro" o bastante para seus ouvidos).
Já surgem apostas de jornalistas sobre qual a banda que vai salvar o Rock Brasil neste ano, e a cada semana vem sempre uma banda diferente, tamanha é a "corrida do ouro" lançada pelo corporativismo do jornalismo cultural.
Mas o pior não é isso. Diante da mania de achar que tudo que fez sucesso nos anos 90 é "genial" - na música brasileira a canastrice de Sullivan & Massadas, do "sertanejo" da época e do "pagode romântico" é um típico exemplo - , os jornalistas culturais ficam confundindo as coisas.
Para eles, o mainstream roqueiro dos anos 90 era "tão bom" quanto o dos anos 80, quando o único diferencial dos roqueiros noventistas era ter melhores equipamentos e melhores instrumentos - exceto a bateria, que de tão ruim tinha o som de lata de Nescau - e uma estrutura empresarial que lhes dê suporte.
Fora isso, as bandas eram musicalmente ruins e seus referenciais musicais eram os mais previsíveis possíveis. nunca passando de nomes como Nirvana, Red Hot Chili Peppers ou mesmo Guns N'Roses, apenas costurando com ritmos nordestinos, reggae ou outros ritmos. E a mídia procurando as cinzas de Renato Russo no avião dos Mamonas Assassinas.
E o que vemos na imprensa musical? Elogios tendenciosos a grupos que nem eram tão maravilhosos assim. Não dá, por exemplo, para comparar "Eu Quero Ver o Oco", dos Raimundos, com "Teorema", da Legião Urbana. Mas a imprensa musical elogiaria até se os músicos do roquinho noventista urinassem na rua.
O que observei nos anos 90 foi um "esquemão" que envolvia compadrismo, troca de favores, interesses corporativos e tudo o mais. Naquela época, se você não gosta dos Virguloides, você tem que escrever uma resenha elogiosa, senão seus colegas vão lhe fazer marcação e você não ganhará aquele ingresso grátis para ver o Lollapalooza nos EUA, com todas as despesas pagas.
É algo que se viu no brega-popularesco depois, quando você não podia escrever uma resenha trucidando o Chiclete Com Banana da fase Bell Marques, aquela fase monotemática que alternava canções sobre o próprio umbigo ("Quero Chiclete" etc) e canções tolas de amor de Carnaval. O próprio Bell Marques viria para dar uma bronca seu chefe de redação e você seria demitido.
O crítico musical exalta a banda da ocasião, o que é uma parte da rede de trocas de elogios e de favores que havia naqueles idos de 1995-2004, em que se fazia de conta que o Rock Brasil estava em alta, enquanto "sertanejos", "pagodeiros", axézeiros, funqueiros etc enchiam os bolsos de tanta divulgação que promoviam nas rádios, TVs e imprensa.
Se o rock noventista tivesse estado em alta, um diretor de clipes de "pop-rock", como Breno Silveira, em vez de ter decidido, por volta de 2003 ou 2004, preparar o roteiro e a produção do filme Os Dois Filhos de Francisco, para dirigir depois as filmagens, teria trocado Zezé di Camargo & Luciano por Raimundos, talvez fazendo Os Quatro Rebeldes do Planalto.
Mas o roquinho noventista estava em baixa, e o que havia era um "esquemão" no qual jornalistas culturais elogiam músicos, que elogiam radialistas, que elogiam promotores de eventos, que elogiam produtores fonográficos, que elogiam jornalistas culturais. Ou não necessariamente nessa ordem.
Ou seja, tudo não passava de uma festa vip virtual, em que os envolvidos podem estar separados uns dos outros em seus respectivos ambientes sociais e profissionais. Mas todos estavam juntos no esquema de compadrios, favorecimentos e coisa e tal.
Nunca o rock esteve pior nessa época. Havia bandas boas, havia, mas elas é que tinham mais dificuldades de ter alguma divulgação, porque nessa época era complicado alguém montar uma banda tendo como referências gente bem menos conhecida que Red Hot Chili Peppers, Nirvana ou Guns N'Roses e que mal consegue ouvir uns punhados de clássicos de Ramones, Doors e Deep Purple.
Nessa época o rock nem era coisa de roqueiro nem coisa de povo. Era coisa apenas de uma minoria de jovens que queriam catarse, se achavam "radicalmente roqueiros" mas não sabiam a diferença entre Steve Vai, Yngwie Malmsteen e Joe Satriani. Não aguentavam ouvir mais de um minuto de "Smoke On The Water" do Deep Purple e ainda achavam Renato Russo "demodê".
Por isso é estranho que jornalistas culturais falem de "tempos áureos do rock nacional" entre 1997 e 2004. Não eram sequer tempos de prata ou bronze, o que havia é uma festa de camaradas e um bando de jovens querendo extravasar seus sentimentos, embarcando no primeiro som que estiver em evidência.
Hoje esses mesmos jovens usam a catarse para o "funk" e o "sertanejo universitário". Como sempre, sem terem a mínima ideia do que estão ouvindo. O "esquemão" do rock noventista deu lugar a outro "esquemão", bem melhor articulado e mais rentável. A década de 90 foi o período em que o rock, em sua maior parte de envolvidos, errou, tanto que nem se deu conta de seus próprios erros.
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